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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Uma Blasfémia Chamada SUPER BOCK

Palácio-Pavilhão.jpg

Olá Berta,

É com alguma tristeza que me encontro a escrever hoje. Perguntar-me-ás se o meu desalento tem algo a ver com o regresso do outono e eu terei de o negar categoricamente. Desta vez, o meu estado sombrio tem a ver com a honra, a palavra e a dignidade das pessoas e dos atos.

Estou a falar da reabertura do Pavilhão Rosa Mota. Um local cuja toponímia enaltecia e dava brio, valor, destaque e grandeza ao nome de quem, por Portugal, fez subir a Bandeira Nacional e tocar-se a Portuguesa por variadíssimas vezes com as suas conquistas desportivas, no palco internacional, levando o nome deste pequeno país a todo o mundo, pelo orgulho e a raça do povo que sentia representar, de um povo que cantou em uníssono os Heróis do Mar à luz do Ouro Olímpico de Rosa Mota.

Sabes Berta, ainda me lembro de mim, em pé, em frente à televisão, mais hirto que pau de virar tripas, a vibrar interior e exteriormente e de lágrimas no olhos a ver a Rosa, que coitada até sai ao pai, a receber o Ouro em 87 em Roma nos Campeonatos do Mundo de Atletismo, pelo primeiríssimo lugar na prova da Maratona. Julgava eu então, que, pelas pernas daquela minorca portuguesa, se atingira a plena conquista, elevando o nome do Povo Luso aos píncaros do desporto mundial. Porém, vi-me no ano seguinte em Seul, ajoelhado na alcatifa, porque me faltaram forças nos joelhos e nas pernas, tal a comoção, a ver aquela pequena figura a receber o ouro pela Maratona, a prova rainha dos Jogos Olímpicos, símbolo supremo do desporto terráqueo, ao som do hino nacional, enquanto a bandeira portuguesa se ia erguendo até ao topo máximo da glória. Ah, Berta, sobram-me dedos de uma mão para contar o número de vezes em que me senti assim. Isto é algo que jamais se apaga das memórias de quem vivenciou momentos tais.

Contudo, regressemos ao meu estado sombrio, estava a falar desse pavilhão agora denominado Super Bock Arena, um espaço que vangloriza, em letras garrafais, maiores do que barris, o consumo do álcool, como se o mesmo fosse uma glória que tarda em se afirmar. Por baixo, em letras que lembram contratos de seguradora ou de banco, pode ler-se, envergonhadamente, Pavilhão Rosa Mota. Esta heresia cometida pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, seus acólitos e pelos concessionários do espaço para os próximos 20 anos não lesa apenas Rosa Mota, mas sim, fere de morte a memória coletiva de todos nós, os portugueses.

O Palácio de Cristal, uma obra de inspiração inglesa, foi demolido em 1951, no seio de um processo muito problemático, mesmo para a época em que aconteceu. No seu lugar apareceu um projeto futurista que foi denominado Pavilhão dos Desportos, isto entre 1952 e 1988, pois que, a partir daí, com o fito de eternizar o nome da campeã olímpica da maratona nos Jogos Olímpicos de Seul em 1988, mudou a sua toponímia para Pavilhão Rosa Mota, tendo sido posteriormente deixado ao abandono, por sucessivas governações da autarquia do Porto, nos últimos 20 e tal anos.

Ora o contrato de recuperação Pavilhão Rosa Mota realizado entre a Câmara e o futuro concessionário, a Super Bock, não tinha, em lugar algum, a alteração do nome do pavilhão, como uma condição determinante para que a recuperação se fizesse ou para que as obras avançassem.

Foi em 2017 que, depois de várias peripécias em reuniões entre Rosa Mota e os patrocinadores e entre estes e a autarquia e entre esta e a atleta, que o alegadamente o ignóbil edil concordou com a alteração da toponímia, quando as obras se encaminhavam para o seu desfecho. Faz lembrar um tal de Judas que traiu Cristo por 30 vinténs.

Precisando de um estratagema o autarca (por quem eu nutria alguma admiração, devo confessar), chamou à edilidade a campeã e com desculpas de extrema necessidade, lá convenceu, muito a contragosto, a atleta a aceitar que, por baixo do nome Pavilhão Rosa Mota, figurasse a inscrição Super Bock Arena. Porém, na inauguração tudo estava invertido. Coisa de somenos achou Rui Moreira, para quem nem devia haver polémica. Um insulto nacional digo eu e diriam mais de 10 milhões de portugueses se fossem chamados a opinar. (continua depois da imagem)

Super Bock Arena.jpg

Agora pergunto eu: Como é que o nome de uma bebida alcoólica, sabendo nós que o álcool mata 13.500 portugueses por ano, mais do que o tabaco que só chega aos 12.000, consegue associar a sua marca ao nome de uma notável atleta e a um pavilhão desportivo (ou multiusos como lhe chamam agora), enquanto que o tabaco é banido de todo o lado, sofre impostos absurdos e é obrigado a ostentar imagens das consequências do seu consumo? Afinal se é pelo critério da prevenção todas as garrafas de vinho, cerveja ou bebidas brancas deveriam ter o mesmo tipo de rótulo que o tabaco, o mesmo tipo de imagem e a sua propaganda proibida. Isso sim, seria coerente.

Era bom que os portugueses desta vez não fossem pacíficos e como forma de protesto ninguém voltasse a entrar nessa coisa insultuosa chamada de Super Bock Arena, até o verdadeiro nome do pavilhão ser reposto com dignidade e sem associações que deveriam ser consideradas criminosas. Quanto tempo ainda terá de passar até que este tipo de atitudes e conivências continue impune em Portugal? Poderia acrescentar mais uma série de detalhes ao que descrevo, todos, uns e outros no domínio estrito do alegadamente, mas acho que o que te conto já é suficiente para que me entendas.

Eu, pela minha parte, não só nunca mais naquele lugar meterei os pés como jamais voltarei a beber Super Bock. É pouco, mas se formos muitos pode vir a fazer a diferença. Porém, como não vivo no Porto, não poderei não votar em Rui Moreira nas próximas autárquicas, mas tenho imensa pena de ali não poder votar.

Desculpa o desabafo Berta. Despeço-me com um beijo saudoso,

 

Gil Saraiva

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