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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta n.º 591: Anatomia de um Pum

Berta 591.jpg Olá Berta,

Uma descoberta recente levou-me ao tema de hoje, ou seja, minha amiga, vou-te falar de puns, bufas, peidos, gases, traques, flatulências, farpas, alívios, descuidos, pantufas e bombas. Pelo que descobri, depois de uma cuidada investigação, este é um segredo bem guardado pelas mulheres e totalmente ignorado pelos homens.

A partir de hoje torno público, este segredo de género, para bem de toda a humanidade. Sim, porque ainda me estou a interrogar porque é que a minha mãezinha, nunca me confidenciou um facto como este, cuja evidência parece óbvia, mas se mantém oculta, querida Berta, para o género masculino, qual segredo guardado a sete chaves.

A única desculpa que as mulheres têm por não revelarem a verdade, o que te inclui também a ti, cara Berta, é que vocês nem sequer contam o vosso segredo umas às outras. Porquê? Talvez por acharem que este é um segredo só vosso e que a capacidade extraordinária que possuem é algo de pessoal e intransmissível que só acontece convosco.

Mas vamos à ciência do peido. Ora, em condições normais, a maior parte dos gases que formam o pum vem da nossa boca. Apenas 10% surgem na fermentação dos alimentos ao longo do nosso intestino grosso. O resto nada mais é do que ar que engolimos sem querermos quando comemos ou mesmo bolhas de ar presentes na saliva ou nas bebidas gaseificadas que ingerimos, principalmente, refrigerantes e cerveja, ou seja, Berta, começamos a formar a nossa futura bufa na boca e não lá em baixo, nos confins da retaguarda, longe do olhar que não do nariz.

Esse ar percorre todo o intestino até se encontrar com os gases produzidos pela ação das nossas bactérias sobre a comida. Juntos, cara Berta, eles chegam à zona retal, a uma espécie de bolsa ou ampola, a última parte do tubo digestivo, que termina no ânus.

É aí que ficam comprimidos até o ser que os acumulou abrir uma brecha para que possam sair e empestar o ambiente. Ora, isso acontece de 12 a 25 vezes ao dia, até porque toda a gente se peida enquanto dorme, libertando diariamente de 1 litro a 1 litro e meio de gases. E se tu pensas, minha querida, que homens se peidam mais do que as mulheres, estás redondamente enganada.

Peido não escolhe sexo, mas as mulheres, de uma forma geral, têm mais vergonha de aliviar seus gases em público. Assim sendo, ficas a saber, Berta, que cheiro e som tampouco escolhem sexo. O cheiro depende do que se comeu e o barulho é uma junção de variados fatores.  Matematicamente falando trata-se de uma correlação entre a velocidade de liberação, a contração do esfíncter, essa válvula que controla o abre e fecha do ânus, a humidade local e a quantidade de gordura das fezes, que lubrifica o tubo digestivo.

Desta intrincada fórmula matemática, que um dia, minha amiga, ainda acaba por virar algoritmo, resulta o tipo de peido que é produzido por cada individuo. Pode ser um suave pum, uma bufa fedorenta ou uma de pantufas, um traque bem sonoro, uma bomba que obriga ao evacuamento do espaço onde é produzida, uma flatulência delicada que mal se sente ou, em última análise, um alívio descuidado e fatal acompanhado de molho, qual esparguete servido com um molho que fede mais que queijo demasiado fermentado e que se liberta devido ao aumento da pressão. Sendo que o peido molhado é o mais radical e perturbador petardo que pode ser produzido em público.

Quando o peido é aprisionado dentro de nós, cara Berta, não sendo autorizado a chegar à liberdade, bem que podemos cantar a música dos Delfins, que Miguel Ângelo se recusou a vender para uma farmacêutica, “Libertam os prisioneiros, em todo o mundo há prisioneiros. Libertem-nos!”

Desde que somos bebés que tomamos remédios para libertarmos estes prisioneiros que, revoltados com o cárcere, nos provocam terríveis dores na barriga até receberem ordem de soltura. Porém, enquanto adultos, minha querida, somos muitas vezes obrigados a reter em prisão preventiva, qualquer gás que se queira soltar na presença de terceiros. É este ato, conhecido em Cascais como norma de etiqueta, que nos obriga a aprisionar estes libertinos, sem justa causa, porque a etiqueta jamais deveria ser motivo de prisão.

Mas voltando ao início desta carta, minha querida amiga, e ao segredo religiosamente guardado pelas mulheres, eu, embora espantado com a descoberta, acho importante a divulgação pública deste ficheiro secreto sobre a nobre arte de peidar, oculto no reino do feminino até aos nossos dias e que passo a revelar.

Ora, aqui há atrasado, como dizem os meus amigos do Norte, para se referirem ao que se passou há uns tempos atrás, eu andei dois ou três dias a urinar não da forma normal, ou seja, através de um jato bem direcionado para  a sanita, mas em forma de duche de chuveiro, com xixi a atingir a loiça da sanita, o chão e até os pés. Alguma coisa no canal, minha amiga, estava a obstruir a passagem e a obrigar-me a libertar esta forma estranha de regadio urinário.

Nas primeiras duas ou três vezes ainda continuei a urinar de pé, na esperança de que a mangueira se corrigisse a si mesma. Porém, Berta, a partir dai, desisti. Passei a urinar sentado, para não ter o trabalho de andar a lavar e a limpar tudo à minha volta de cada vez que fazia um xixi.

Aconteceu tudo logo na primeira vez que me sentei para libertar o xixi. Juntamente com o fluxo da urina, o meu traseiro libertou aleatoriamente e sem ordem expressa uma boa mão cheia de puns. Achei engraçado, longe de saber que se tratava de uma regra, mas rapidamente descobri que a coisa acontecia sempre que me sentava para o xixi. Aquilo, cara amiga, não só me aliviava a barriga, como me evitava a libertação indevida de gases em contexto público com muito mais facilidade.

Intrigado com o assunto perguntei discretamente a algumas amigas minhas, a sós, se aquilo era sempre assim. E não é que todas, mas todas, Berta, se riram da minha descoberta ao mesmo tempo que me confirmavam ser um facto, ou seja, sentar para fazer xixi causa a libertação de puns, quer se queira, quer não.

Quer isto dizer, que eu, e como eu todos os homens, passámos e passamos uma vida inteira a “mijar de pé” sem sabermos que aliviaríamos a tripa de uma série de peidos inconvenientes se, em vez disso, urinássemos sentados. É uma injustiça, minha cara, vocês manterem uma informação deste nível de importância em segredo.

Entretanto, a areia que obstruía o meu canal deve ter-se libertado e passei a fazer de novo o meu xixi em jato regular, normal e bem direcionado, mas confesso que agora, sempre que estou em casa, urino sentado, para alívio da minha retaguarda que, muito agradecida, se vai sentindo aliviada.

Peço desculpa por abordar este tema contigo, porém, Berta, pelo menos tu já me devias ter dito algo, não achas? Fica um beijo de despedida deste teu eterno amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Memórias de Haragano - Confissões em Português - Parte XIX

Berta 219.jpg

Olá Berta,

É hoje que concluo o assunto começado há 2 dias. Ainda deves estar intrigada sobre o propósito de trazer a cultura, a literatura, Aquilino Ribeiro e o livro <<Andam Faunos Pelos Bosques>> à temática destas cartas. Contudo, a coisa vem de trás, foi um assunto que ficou latente na Parte V das Confissões em Português, no passado dia 18 de maio há precisamente 14 dias atrás.

Confesso, porém, que a abordagem apenas me serve de imagem, alegoria ou hipérbole, de algo muito corriqueiro e usual no mundo animal e humano. Em última análise trata-se de tornar polido e educado algo que carece dessa vertente harmoniosa, por motivos que na narrativa que se segue te pareçam óbvios e perfeitamente claros e justificáveis. Pelo menos, foi com essa intensão que a figura de estilo foi usada por mim. Assim:

Memórias de Haragano: Confissões em Português – Parte XIX

“Pronto! Caro leitor, antes de mais uma explicação. Começo, muitas vezes, a divagar baseado num determinado tema e, às páginas tantas, como se costuma dizer no Norte, dou por mim completamente fora do enquadramento e do assunto que me fez começar a escrever em primeiro lugar.

Há muito experiência adquirida no tempo passado a virar frangos, como também há muita maneira de fazer bacalhau. Tudo para dizer que a situação do que fiquei por relatar não ficou esquecida, apenas suspensa, à espera de uma nova oportunidade para regressar e ser concluída. Porém, deixar passar tantas páginas foi, desta vez, um verdadeiro exagero.

Vou regressar ao ponto em que me referi às nunca solicitadas incursões dos intestinos no nosso quotidiano… caro leitor, quando eu abordei o assunto sobre a adivinha da poia, enquanto explicava de seguida a sua utilidade para desbloquear uma conversa, não me referi a uma outra situação derivada do mesmo tipo de temática. Ficou, portanto, algo relevante por esclarecer, porquê? Bem, nessa altura o que tinha começado a deslindar acabou por se perder, com a introdução das quadras da adivinha, ficando omisso um esclarecimento. O parágrafo iniciara-se da seguinte forma, aproximadamente:

O que faço eu quando, coabitando com uma companheira, sou obrigado a abordar a temática constrangedora do peido, da bufa, do pum, do traque, do flato ou flatulência, do vento ou da ventosidade, do petardo, ou até da bomba atómica que, mais tarde ou mais cedo, um de nós acaba por dar ou largar na presença do outro? Antes de responder essa questão, deveras pertinente, importa chamar ao texto a imagem, a alegoria e a hipérbole previamente anunciadas.

Se bem te lembras, amigo leitor, quando falei de Aquilino Ribeiro, e do seu romance <<Andam Faunos Pelos Bosques>> referi que iria fazer uso dele mais tarde. É precisamente este o momento. O título refere a possibilidade de existência de Faunos, enquanto entidade oculta, de que não se conhece verdadeiramente nem a sua essência, nem mesmo se nos estamos a referir a uma quantidade singular ou plural, ou seja, tudo à volta dos Faunos no romance de Aquilino é um mistério, um tabu não desvendado, um assunto incómodo, uma inconveniência até social.

O mesmo se passa com a temática do peido na presença de segunda ou terceiras pessoas. Pode ser detetado ou não o responsável pela sua proveniência, quando existem pelo menos 3 indivíduos presentes, é um ato incómodo, que aparece como que vindo do nada, oculto, resvalando clandestinamente por uma ou outra borda de roupa, um mistério, um tabu temático e realmente uma inconveniência social, que chega a ser tomada como falta de educação, mesmo na intimidade de um lar ou na presença única de uma companheira ou companheiro.

Ora, aquilo que eu faço, sempre que uma inconveniência destas ocorre, e na presença de alguém a quem já falei da minha analogia, mesmo não quando não sou eu o flatulento, é dizer, com um ar inocente: <<andam faunos pelos bosques>> e, logo de seguida, acrescento: <<é melhor darmos de frosques>>.  Quem conhece, sorri.

No caso de existir a presença de alguém que ainda não tenha escutado a minha explicação, fica lançado o tema para uma conversa brejeira, sem maldade e que também ajuda a esquecer o descuido da incauta pessoa que libertou a fragrância.

Se a palavra <<faunos>> se refere diretamente aos peidos, já o <<andam>> revela o seu aparecimento, enquanto o <<pelos bosques>> aponta para a origem misteriosa e possivelmente desconhecida da sua proveniência, ora desculpando o culpado, ora significando que se desconhece a origem. O acrescentar da expressão <<é melhor darmos de frosques>> não só rima com a frase anterior, como serve de aviso, não vá o aroma ser demasiado desagradável, para que se consiga manter o bom ambiente ou o agradável convívio até então existente.

Portanto, caro leitor, se alguma vez na sua conveniência social escutar a frase <<andam faunos pelos bosques>> já sabe que está na presença de alguém que também leu esta minha história e eu, se fosse a si, aproveitava para me pôr na alheta, antes que alguém profira: <<é melhor darmos de frosques>>.“

Termino, querida Berta, mais uma carta, esperando que, tenhas a sorte de nunca me ouvires dizer que “andam faunos pelos bosques”. Despeço-me rindo, com um beijo do amigo de todos os dias,

Gil Saraiva

 

 

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