Carta à Berta n.º 614: O Dia Em Que As Mulheres Dão O Pito Aos Homens
Olá Berta,
Podes não saber, mas está quase a chegar “O Dia Em Que As Mulheres Dão O Pito Aos Homens”. Não fiques espantada, minha amiga, porque é a mais pura das verdades. Até há quem queira fazer disso uma proposta séria para que a UNESCO classifique o ato, este ato, como uma verdadeira tradição, ou seja, um facto que, por direito, deve ser considerado “Património Imaterial da Humanidade”.
É claro que, nem sempre a coisa foi assim. Ao que parece, da pré-história até aos nossos dias, em inúmeras situações, a coisa costumava ser diferente, sendo verdade que o homem não esperava que a mulher lhe desse o pito para que ele, enquanto sujeito mandante, dele pudesse fazer um uso indiscriminado. A vontade das mulheres, minha querida, era então pouco relevante.
Contudo, alastraram-se por todo o mundo, principalmente nos últimos séculos, os casos em que para chegar ao pito o macho precisa do consentimento da fêmea que o possui. Posso afirmar, amiguinha, que, à medida que as civilizações se tornaram mais elaboradas, principalmente na região do mundo a que hoje chamamos de Ocidente, e há medida que a igualdade de género foi sendo reconhecida, este velho hábito foi perdendo grande parte da sua tradicional imposição. As mulheres, conseguiram conquistar o seu espaço, os seus direitos e impor a sua vontade, tornando-se donas do próprio pito.
Com efeito, Bertinha, vir um homem de gancha em riste, com preparos de guloso, firme e hirto, dar, só porque lhe apetece, uso à sua brilhante e orgulhosa dádiva, já não passa por um direito adquirido e, graças aos direitos humanos e à igualdade de género, minha querida, isto passou a ser considerado como abuso sexual, um crime contra a mulher que, finalmente, ganhou o nome de violação, com penas severas para quem o pratica.
Hoje em dia, gentil companheira, apenas nalgumas ditaduras, muitas delas de cariz religioso quase cego ou nos meandros obscuros da exploração sexual e do tráfico internacional é que as mulheres ainda não decidem o que desejam fazer ou não com o seu pito. É justo que assim seja. Uma outra qualquer visão cheira a escravidão, a subserviência, a machismo ou a prepotência.
Contudo, Berta, em Portugal, na capital de Trás-os-Montes, a Câmara Municipal, agarrada às suas tradições, quer fazer do dia 13 de dezembro, “O Dia Em Que As Mulheres Dão O Pito Aos Homens” uma celebração digna de ser considerada Património Imaterial da Humanidade. A reboque vem mais um largo conjunto de tradições e costumes de modo a compor a candidatura da edilidade, mas o foco é mesmo o pito. Há que dizer que, a ser verdade que nesse dia as mulheres transmontanas dão o pito aos homens, por sua própria vontade, a parte criminal e o abuso deixam de fazer sentido.
O dia de Santa Luzia, também conhecido por dia do Pito de Santa Luzia, a 13 de dezembro, é por isso um dia muito especial e ansiosamente aguardado pelos transmontanos. Não é todos os dias, afinal, que se pode ouvir em público, nos tempos que correm, uma mulher a dizer a um sujeito que, por ventura, nem conhece, “- Hoje vou-te dar o pito”. Porém, minha querida, toda esta tradição não passa de uma brejeirice malandra das gentes transmontanas.
O pito é, afinal, um pequeno bolinho regional, de origem conventual, que as damas oferecem aos cavalheiros pelas festas de Santa Luzia, em Trás-os-Montes, a 13 de dezembro, principalmente na região de Vila Real. Já a gancha, é uma espécie de bengala, também conventual, mas feita de caramelo, bem rija, que por sua vez, a 3 de fevereiro serve oferenda, no dia de S. Brás, por parte dos homens às mulheres, como retribuição pelo pito por estas entregue 63 dias antes. Brejeirices, minha cara, com que o povo apimentava e apimenta os seus dias religiosos com a sua irreverência costumeira e que presentemente a autarquia de Vila Real quer ver transformada em Património Imaterial da Humanidade.
Cá para nós, que ninguém nos escuta, minha querida, muito pito e muita gancha devem ser efetivamente trocados em ambas as festivas ocasiões a propósito das graçolas. Muitas destas trocas terão certamente um fito bem menos conventual, mas igualmente malandreco. Despeço-me com um beijo,
Gil Saraiva