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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta: Este Não é o Tempo dos Poetas...

Berta 270.JPG

Olá Berta,

Estou a fazer mais um intervalo no Diário Secreto do Senhor da Bruma. Eu sei que falta a parte final do meu segundo pensador, Chris Anderson. Porém, sinceramente, não me apetece escrever sobre ele neste momento.

Estive a ver os dados da pandemia em termos mundiais, é terrível saber que mais de 15 milhões de pessoas foram infetadas e contraíram Covid-19, enquanto que a preocupação mundial se centra no desconfinamento, ou seja, anda tudo preocupado com a economia muito mais do que com a pandemia.

É triste. Estamos a perder em todo o globo a nossa geração de anciões. Os mais velhos, os mais experientes e os que deviam ser os mais respeitados do planeta. Contudo, o que tiro da análise dos governantes e de boa parte dos povos em geral é, antes de tudo, uma enorme falta de respeito pela nossa herança genética. Afinal, a esses homens e mulheres de outrora se deve a existência das atuais gerações. O universo humano, digam lá o que disserem os teóricos, não está no bom caminho.

Daqui a sensivelmente 11 dias, lá para 1 de agosto, vamos atingir em dose dupla, o número satânico de mortes por Covid-19 na Terra, serão: 666.666 mortos. Como número é apenas uma curiosidade, como há outras, mas como símbolo mostra bem que a humanidade tem um lado bem negro.

Existem alturas em que invejo as pessoas que acreditam num Deus, sejam elas de que religião forem, e que têm fé na humanidade. Este é um desses tempos. Hoje, aqui, sentado, a escrever para ti, Berta, acho que a humanidade é desumana e, acima de tudo, ainda demasiado primitiva, bárbara e pouco merecedora da dádiva da vida que lhe foi concedida pela evolução, por extraterrestres ou por Deus. Anda tudo demasiadamente preocupado com a estética do próprio umbigo e isso é triste.

Todavia, o que sei eu? Nada! Não passo de um romântico sentimental, desenquadrado da era da imagem, ainda agarrado aos valores da palavra e do sentimento. Costumo dizer que o impossível apenas demora mais tempo, contudo, neste caso concreto, está a demorar uma eternidade. É preciso que o mundo acorde e se respeite.

Deixo um beijo de saudade, até amanhã minha amiga e desculpa o desabafo, despeço-me como me conheces,

Gil Saraiva

 

 

P.S.: Este não é o tempo dos poetas...

 

 

Carta à Berta. Os Filhos da Solidão...

Berta 77.jpg

Olá Berta,

Folgo em saber que gostaste dos 6 episódios da história que te contei nas últimas cartas. Com que então estiveste em Faro, a passear no Jardim Manuel Bivar, junto à doca. Gosto que ele te tenha feito lembrar o Jardim da Parada, de Campo de Ourique. Eu sei que não são parecidos, apenas ambos têm um coreto, as árvores daqui dão lugar às palmeiras dai, ambos têm bancos e ambos têm pombos. Contudo, é ternurento saber que ligaste os 2 por causa dos velhotes que viste espalhados pelos bancos do jardim.

Porém, se olhares pelos jardins de todo o país, vais ver sempre essas imagens. Uns poderão não ter coreto, mas todos, sem exceção, terão velhos sentados pelos bancos, muitos deles olhando a mesma coisa, onde quer que os encontres: a solidão. Vou-te enviar um poema, à laia de balada, que fiz sobre o assunto, já tem algum tempo, pois eu, como sabes, também já vivi em Faro, foi há muitos anos, mas vivi. Espero que gostes:

OS FILHOS DA SOLIDÃO

(balada de um tempo que passa)

 

Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,

Eu desvio o olhar para não ver nada…

Em Faro nos bancos do Jardim Manuel Bivar

Eu fecho os olhos para não olhar...

 

Caras rugosas, com idade de avô,

No Jardim, sentadas, na Doca,

Ou perto do Lago,

Formas sombrias onde o tempo parou…

Bocas que apenas provam o vago,

Rostos que já ninguém foca...

Olhando o vazio...

Silêncios de arrepio...

 

Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,

Eu desvio o olhar para não ver nada…

Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,

Eu fecho os olhos para não olhar...

 

Caras dos filhos da Solidão,

Avôs, avós,

De tantos como nós,

Rostos reformados,

Sem compreensão...

E vozes, berros e gritos calados

Nos olhos perdidos,

Pelos filhos esquecidos...

 

Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,

Eu desvio o olhar para não ver nada…

Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,

Eu fecho os olhos para não olhar...

 

Na calçada eu vejo migalhas de pão

Para os pombos, por certo,

Alimentar...

Mas para os filhos da Solidão

Não vejo por perto

Uma esperança a pairar...

Filhos que agora são avôs, avós,

De gente que já os esqueceram,

Perdendo os olhares, os laços, os nós,

Daqueles para quem eles viveram…

 

Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,

Eu desvio o olhar para não ver nada…

Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,

Eu fecho os olhos para não olhar...

 

E passam os dias,

Os meses, os anos,

E mudam os rostos da solidão...

Novos enganos,

Outra geração,

Mas a forma de olhar não vai mudar,

Não...

As mesmas rugas parecem ficar

Em outros olhos pregados no chão...

 

Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,

Eu desvio o olhar para não ver nada…

Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,

Eu fecho os olhos para não olhar...

 

E ao olhar os filhos da solidão,

Escuto o cantar da brisa cansada

Cantando a balada do tempo que passa,

Escuto de inverno, primavera, verão,

Escuto o outono no Jardim da Parada,

Escuto a balada perdendo a raça,

E vejo, no Jardim Manuel Bivar,

A doca de lágrimas sempre a brilhar…

 

Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,

Eu desvio o olhar para não ver nada…

Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,

Eu fecho os olhos para não olhar...

 

Com o refrão me despeço, minha amiga Berta, obrigado por me fazeres recordar. Recebe um beijo saudoso deste teu amigo que não te esquece nunca,

Gil Saraiva

 

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