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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta n.º 634: Terramoto na Turquia e na Síria. Os filhos de um deus menor

Berta 634.jpg Olá Berta,

Como sempre o mundo ocidental tem dois pesos e duas medidas. Por vezes, esta avassaladora discriminação não se nota muito porque fazemos de tudo para a diluir. Mas outras há em que é tão gritante que lembra um filme de terror. Foi esse, minha querida, o caso do sismo de 7.8 na escala aberta de Richter, que aconteceu na Turquia e na Síria já lá vão mais de dois meses.

Com efeito, numa calamidade que gerou mais de cem mil milhões de dólares de prejuízos, cara amiga, o auxílio do Ocidente focou-se praticamente nos territórios turcos e a devastada Síria, vítima de doze anos de guerra, continuou praticamente entregue a si mesma, como se de uma fatalidade se tratasse.

Há quem argumente, minha querida, dando alguns exemplos que a coisa não foi bem assim, que foi enviada ajuda para a Síria e mais blablá e blablá. Certo, até concordo, mas a proporção de auxílio entre as ajudas rondou o um para vinte. Sendo que a haver sensatez esses números deveriam estar invertidos.

Basta pensarmos em Alepo, Bertinha, a terra maldita onde tudo acontece de horroroso perante a passividade ocidental. Na realidade, embora o número oficial de mortos ronde agora as cinquenta mil pessoas, calcula-se que só na Síria as mortes ultrapassem, em muito, esses valores.

No entanto, amiguinha, e apesar de já terem passado mais de dois meses, nove décimos dos escombros continuam por verificar. Destes, muitos deles, já nem se distinguem dos destroços da guerra de doze anos contra o tirano Bashar al-Assad, escudado pela Rússia, que sempre apresenta uma boa desculpa para apoiar o lado errado da História.

Se um dia se conseguirem apurar o número de vítimas do terramoto de fevereiro na Síria, verificar-se-á certamente, tarde demais, que morreram mais sírios do que turcos, vítimas desta catástrofe. É terrível, cara amiga, que, usando o exemplo de Alepo, uma terra onde se tornou hábito ver crianças mortas a dar à costa, vitimas de uma migração falhada, se continue a assistir a uma total falta de atenção a esta gente.

Serão talvez filhos de um deus menor, sem direito à piedade e solidariedade dos povos, mas por egoísmo destes em detrimento dos visados. Por mais que eu pense, Berta, é difícil eu acreditar que a justiça mundial esteja a praticar uma política solidária minimamente aceitável. Haverá quem diga, não sem uma boa parte de razão, que Bashar é que não permitiu o auxílio. Mas havia maneiras de forçar a permissão de auxílio às populações.

Dos mortos anunciados na Síria, cerca de dez porcento dos da Turquia, apenas foram contabilizados aqueles que pereceram nas zonas controladas por Bashar al-Assad. Sim, porque os outros não têm direito a ser gente. É tão triste.

Sou contra o esquecimento destas terras onde os mortos são olvidados, sem dignidade e direito a sepultura. Sou contra a falta de assistência dos que morrem sem auxílio seja por força da guerra que não pediram, do tirano que não elegeram, ou do tremor de terra do qual não puderam fugir. Sou contra a existência de gente perdida no mapa-mundo do interesses e estratégias políticas. É urgente dar a mão a quem já não tem as duas. Deixo um beijo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta n.º 590: Algoritmos e as Notícias do Verão

Berta 590.jpg Olá Berta,

Hoje, por estes dias que vimos atravessando, existem quatro tipos de notícias. As primeiras, que nos chateiam porque somos impotentes para lhes pôr um fim, são as que se referem à invasão da Rússia à Ucrânia.

O país não deixou de ser solidário, amiga Berta, nem de estar do lado dos mais fracos, de apoiar os oprimidos e detestar os opressores, nada disso, o país está é farto de notícias miseráveis que exploram a guerra até ao tutano, uma guerra a que apenas podemos assistir de sofá.

Ouvimos dizer que a Europa está unida. O que une estes povos, contudo, minha querida, pouco tem a ver com solidariedade e muito deve à necessidade de manutenção dos níveis de vida de cada um dos países em si mesmos. É cínico? Muito. Mas é verdade. Tudo o resto é espetáculo mediático. No entanto, para as pessoas, a coisa tem elevados padrões solidários e é disso que todos os governos se aproveitam, embora ninguém o assuma publicamente, porque, no mínimo, seria egoísmo.

O segundo tema destes tempos quentes são as alterações climáticas, a seca, os fogos, o calor extremo. A comunicação social pela-se por colocar um bom bosque a arder na sua magnificência. Se aparecerem umas casas a arder e umas velhotas a chorar então, Berta, a cereja é colocada no topo do bolo. Até parece que lhes agrada a desgraça dos outros.

E nós, o povo, genuinamente solidário, engolimos todas as notícias sem sequer nos apercebermos que são exploradas até ao tutano, em prole de audiências ou de maiores tiragens de jornais nos pasquins deste nosso mundo.

O terceiro assunto envolve política. Este é, aliás, um tema, minha querida Berta, que dura todo o ano e que é algo de que todos estamos fartos, mas que afeta o nosso dia-a-dia. Sejam as tomadas de posição dos diferentes partidos políticos, sejam os atos dos dirigentes de outros países ou dos nossos, a comunicação social raramente informa sobre o que de bom acontece no mundo, mas vende facilmente a informação do que correu errado ou foi corrompido ou que possa vir a acabar de forma menos boa.

O quarto grande assunto estival é o desporto, nesta altura com imenso destaque para o futebol, com o mercado das transferências aberto e os clubes a formarem as equipas que apresentarão já em agosto próximo, minha amiga. Mas tudo sempre muito manipulado, cheirando a desgraça alheia, como se o povo a quem a comunicação social se dirige não estivesse já farto de desgraça em todo o lado.

Pois é Berta, a matemática de hoje é usada para estudar o que nos move e comove e nos faz consumir qualquer porcaria que nos queiram impingir. Claro que tem de vir devidamente embrulhada. Nós, infelizmente, aderimos ao processo calculado em computadores caros que acedem ao nosso modo de vida sem pedirem licença.

Um conjunto de coisas, mais ou menos abstratas para o cidadão comum, como matemática, estatísticas, rankings, algoritmos, padrões, comportamentos, psicologia emocional, probabilidades, perfis, e mais uma parafernália de ferramentas são interligadas e trabalhadas por forma a conseguirem, em última análise, influenciar o nosso comportamento, sem que nós mesmos demos conta de que estamos a ser manipulados por um produto ou algoritmo, traduzido em uma qualquer aplicação, publicidade, produto ou apresentação.

Ás vezes penso no que diriam as grandes mentes da história da humanidade, que viveram antes da revolução industrial se pudessem comentar o nosso quotidiano e atualidade. Tenho a certeza que de Platão a Camões e até a outros pensadores bem mais recentes, seriamos apelidados de idiotas ou de algo muito parecido com isso. Por isso, minha querida Berta, o meu conselho, antes de me despedir, é: antes de fazermos algo ou comprarmos algo, pensarmos se realmente isso ou aquilo nos interessam realmente ou se nos estamos apenas a deixar levar… fica com um beijo,

Gil Saraiva

 

 

 

 

Carta à Berta: Campo de Ourique - Uma Voz Amiga, Solidária

Berta 477.jpg

Olá Berta,

Já me encontro confinado há mais de um ano, pois, como te lembras, estive doente, sem conseguir sair de casa desde dezembro de 2019 até ao meu internamento hospitalar de 15 dias em abril de 2020 e, daí para a frente até hoje, continuei em isolamento social devido à pandemia.

Tendo em conta que continuo a aguardar uma operação urgente, sucessivamente adiada, que deveria ter ocorrido em abril do ano passado e que, devido a ser pessoa de risco, nunca larguei o confinamento, lembrei-me, no meio deste isolamento todo que, como eu, deve existir gente, no bairro, com o mesmo problema de isolamento.

Não imagino se serão poucos ou muitos, mas julgo que esse número poderá ser considerável. Ora, pessoas isoladas, a viver sozinhas, ou mesmo que não vivam sós, a precisar de conversar com alguém que as escute com atenção, de um modo franco e solidário, merecem atenção, solidariedade e têm direito a poder dialogar ou desabafar com alguém que as escute e com quem possam interagir.

Contudo, esclareço que sou jornalista, escritor e blogueiro, não tenho formação em psiquiatria ou psicologia clínica, não sou padre, nem sacristão, nem professo nenhuma religião e não pertenço a nenhum culto ou sociedade secreta, tipo maçonaria ou qualquer outra, também não me considero vendedor de banha da cobra ou seja do que for.

Foi a pensar nelas que decidi criar o movimento “Campo de Ourique – Uma Voz Amiga, Solidária”. Pelas iniciais do objetivo cheguei à sigla UVAS, de momento, e enquanto não aparecem outros voluntários para este movimento, eu serei as UVAS de Campo de Ourique, um bago representando todo o cacho, mas penso que mais gente se juntará a este cacho, pode ser que um dia sejamos uma videira e, mais tarde uma vinha unida na solidariedade de quem precisa de UVAS, ou seja, uma voz amiga, solidária.

Todavia, para que isso aconteça a necessidade tem de ser real e existir. Será que há quem viva em Campo de Ourique e que tenha necessidade de ouvir uma voz amiga, solidária? Gente a viver sozinha, confinada, isolada ou a precisar de “Uma Voz Amiga, Solidária”. Isto é: gente pronta a conversar, porque disso sente a falta? Haverá, como eu, pessoas assim no nosso bairro?

Pois é isso mesmo que pretendo descobrir, embora, para já, o meu campo de ação limita-se a quem vive ou trabalha em Campo de Ourique e sente necessidade de falar com alguém, mesmo que essa pessoa seja um desconhecido como eu. Aliás, de momento tem de ser gente que tenha Facebook e que leia esta mensagem porque, para me contactarem, terão de me enviar uma mensagem pelo Facebook ou um email para saraiva.gil@gmail.com.

Não precisam de me pedir amizade, não é necessário aderirem ao meu grupo no Facebook, não têm de pagar seja o que for. O movimento UVAS, que para já sou só eu, pretende ser algo solidário, social, de combate ao isolamento ou ao confinamento e à solidão.

O facto de estar confinado, com um rendimento muito limitado, isolado e, por isso mesmo, com pouco contacto social, faz de mim aquilo que sou: um bom ouvinte e um dialogante simpático. Para começarmos a conversar basta enviar-me uma mensagem pelo Facebook ou um email (saraiva.gil@gmail.com) referindo os dias e horas em que lhe dá jeito conversar e mandando o seu número de telefone. Não tem de fazer mais nada ou dar outras explicações, eu ligarei assim que possível para o número que me enviou dentro dos limites do horário proposto. Não tem que me dar sequer, nas conversas que depois tivermos, mais informações do que as que queira fornecer, ou contar algo que não queira abordar. Não importa se é homem ou mulher e pode ter 18 ou 118 anos que isso é indiferente.

O movimento UVAS é para toda a gente que dele precise, independentemente de raça, etnia, sexo, idade, religião ou pensamento político. Sendo eu ateu, não tenho tabus contra ou a favor seja de que credo for. A solidariedade que aqui proponho, para já, apenas tem como limite a outra pessoa que me pede apoio viver ou trabalhar no bairro de Campo de Ourique. As primeiras conversas estarão limitadas a 15 minutos, apenas porque desconheço o tipo de adesão que o movimento terá.

Então, amiga Berta, o que achas tu da minha ideia? Achas que vou ter contactos de pessoas sós ou com sentimento de solidão, que precisam de uma voz amiga, solidária e pronta a conversar? Haverá gente a precisar deste tipo de apoio no bairro? Esclareço que ninguém tem de me dar a sua morada, eu não preciso de saber isso, apenas que são do bairro ou que cá trabalham, se na conversa quiserem dizer em que rua moram tudo bem, mas isso é com cada um e por sua opção. Relembro-te que para eu poder contactar a pessoa, ele ou ela tem de ter Facebook (ou de ter alguém que me contacte em seu nome), achas que a situação pega? Eu sinceramente não faço ideia, mas tentar não me custa nada e tempo não me falta. Despeço-me com um beijo solidário,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Solidariedade às Mijinhas

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Olá Berta,

Apareceu recentemente na Europa a moda da “solidariedade às mijinhas”. Um tipo de solidariedade entre países da União Europeia que me dá alguma comichão no pescoço, quase uma alergia estranha. Eu explico. No passado dia três deste mês a Alemanha enviou para Portugal uma equipa de médicos e enfermeiros alemães constituída por 26 elementos que vieram prestar auxílio a oito pacientes internados com a Covid no Hospital da Luz.

O facto não foi inédito, pois tem havido troca de pacientes e equipas médicas entre países da União Europeia, principalmente no centro da Europa, mas todos dentro de números muito, mas muito limitados. A ministra da Defesa alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer, utilizou o Twitter para anunciar a decisão da permanência do grupo de apoio alemão por mais seis semanas, depois do acordo firmado com os ministros portugueses da Defesa, João Gomes Cravinho, e da Saúde, Marta Temido.

Lembro que os germânicos trouxeram também 40 ventiladores móveis e 10 estacionários, 150 bombas de infusão e umas quantas camas hospitalares. No entanto, ficou por esclarecer se o material acompanhará ou não o regresso da equipa militar para o país de origem, na hora do seu retorno. Entre os 26 militares alemães há 6 médicos que se dizem preparados para o combate à pandemia.

Agora é a vez da Embaixada de França, em Portugal, afirmar (a informação é de ontem) que vai enviar uma equipa médica francesa para prestar apoio no Hospital Garcia de Orta, em Almada, no âmbito da "solidariedade europeia", tendo os franceses aproveitado a ocasião para recordar que também eles foram apoiados no início da pandemia.

O comunicado da embaixada diz, inclusivamente que: "A ajuda da França, que mantém com Portugal relações estreitas e de amizade, inscreve-se no âmbito desta solidariedade europeia natural, face a um vírus que só será eficazmente derrotado por meio da cooperação e da unidade internacional", e acrescentam mais à frente que o governo luso: "aceitou a proposta de colaboração do governo francês para apoiar a sua resposta à pandemia".

Com base neste anúncio somos informados que serão enviados quatro profissionais de saúde, sendo uma médica e três enfermeiras, para poderem cuidar de, pelo menos um paciente em cuidados intensivos, já a partir do próximo dia 15 de fevereiro e por um período de 15 dias. O comunicado explica ainda que: "A França também foi objeto de iniciativas de solidariedade durante a primeira vaga do vírus na primavera passada, tendo recebido ajuda de vários vizinhos europeus que aceitaram receber doentes franceses", garantindo que a embaixada se "mantém atenta às possíveis necessidades" de Portugal.

O extenso comunicado informa igualmente que a embaixada se movimentou no sentido da "mobilização de antigos médicos e enfermeiros franceses que vivem em Portugal e que se juntaram às equipas de voluntários da Cruz Vermelha Portuguesa" quanto o que se julgava saber era que, pelo que antes fora relatado nos nossos canais de televisão, estes voluntários se tinham oferecido por iniciativa própria.

O Ministério da Saúde de Marta Temido, também já fizera constar na passada quinta-feira, que vai poder contar, já nesta próxima semana, com uma equipa médica do Luxemburgo, que poderá constituir um "importante apoio" no tratamento de doentes de covid-19 em hospitais com elevada pressão de cuidados intensivos. Esta nova unidade de auxílio será constituída por dois médicos e dois enfermeiros, devendo ser encaminhada para o serviço de medicina intensiva do Hospital do Espírito Santo de Évora, dedicando-se ao cuidado de mais um paciente.

Em resumo, até ao momento, a colaboração europeia da “solidariedade às mijinhas” já conseguiu colocar no nosso país 34 profissionais de saúde, com vista a cuidar de um total acumulado de 10 pacientes Covid, todos chegados ou a chegar depois de ultrapassado que foi o pico da terceira vaga, que assolou Portugal. Isto, numa altura em que temos 862 doentes infetados pela pandemia em cuidados intensivos, de um total de 6.070 doentes em internamento hospitalar devido à Covid, com 127.867 casos ativos, ou seja, a “solidariedade às mijinhas” da Europa veio permitir suprir, em Portugal 1,16% da assistência necessária para os cuidados intensivos, ou, se enquadrarmos a situação ao nível dos internados com Covid em ambiente hospitalar, 0,16% das necessidades nacionais. Postas as coisas desta maneira é fácil entender que a “solidariedade” da Europa tem a mesma dimensão que uma pulga nas costas de um elefante.

Imagina, querida Berta, que o nosso universo de pacientes Covid é um campo de futebol, pois bem, a ajuda internacional equivale ao ponto pintado no centro do círculo do meio campo, ou seja, sabemos que está lá, mas a sua utilidade para o jogo jogado é a mesma do tapete da entrada dos fundos, para o staff no Hotel Ritz de Lisboa. Imagina que deves ao banco 128 mil euros e que me pedes ajuda para pagares a dívida e eu, como teu grande amigo do peito, dou-te um cêntimo para te ajudar a resolver o problema e ainda fico à espera que me agradeças e que digas a todos os nossos amigos que fui muito solidário.

É o extremo ridículo da situação e a desproporção entre o nosso problema e a dimensão da ajuda prestada pela “solidariedade às mijinhas” da Comunidade Europeia, acompanhado pelo alarde que disso tem sido feito pela nossa comunicação social e também pela própria comunidade europeia, que me deixa inconformado, incomodado e irritado. Se é para nos fornecerem uma ajuda a este nível, que venha ela, nós agradecemos, mas sem passadeiras vermelhas, trompetas ou festas de gala.

É claro que toda e qualquer migalha ajuda a aumentar o tamanho do bolo, mas a migalha em si mesma não pode é querer ser considerada com se de um bolo inteiro se tratasse. Por hoje é tudo, deixo um beijo franco deste amigo de sempre,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: 25 de abril... Quando a Polícia me Bate à Porta.

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Olá Berta,

Hoje, 25 de abril de 2020, sábado, feriado, pelas 18 horas da tarde, fui impedido, à minha porta, pela polícia, de continuar a emissão de música, comemorativa do 25 de abril, para a Rua Francisco Metrass, em Campo de Ourique.

É inacreditável que 46 anos depois da implantação da liberdade, a polícia se ache no direito de impedir um festejo coletivo entre pessoas do mesmo bairro, na tarde em que se comemora a liberdade confinada que o país vive.

Segundo a descrição da autoridade houve uma pessoa que apresentou queixa. Mas estiveram os 3 agentes que me visitaram, e intimaram com um auto se teimasse em manter a música, em casa da queixosa a medir o índice de ruído que lá chegava, como manda o regulamento geral do ruído? Nada disso, nem lá foram. Tomaram como certa a declaração da senhora. Violando de forma grosseira os meus direitos e os de todos os que nas janelas e na rua aplaudiam e celebravam na sua condicionada forma de liberdade, a própria liberdade nacional. Nem mesmo foram a casa dessa pessoa identifica-la, como fizeram comigo, não registando, por isso mesmo, oficialmente, nenhuma queixa formal. O telefonema, ao que parece foi o bastante para agirem.

O outro argumento foi de que existem pessoas que trabalham por turnos e que têm o direito ao descanso e ao silêncio a meio do feriado de 25 de abril, a um sábado, às 6 da tarde. Sim, como se as músicas de abril fizessem mais ruído do que as cargas e descargas que acontecem nesta mesma rua, todos os dias, incluindo, sábados, domingos e feriados, com os respetivos carrinhos metálicos a ecoarem por todo o lado, entre as 6 da manhã e as 21 horas, para abastecerem os 3 supermercados que aqui se encontram concentrados num espaço de 30 metros.

Estou tentado a apresentar queixa por abuso de autoridade na esquadra de Campo de Ourique. O problema é que não sei quando serei operado e quando acaba o meu confinamento. Já liguei para a esquadra para lhes dar conhecimento de que pretendo apresentar queixa pela forma como tudo se passou e por aquilo que penso ter sido um claro abuso de autoridade, indevidamente balizada em argumentos não comprovados de uma queixosa não identificada devidamente. Contudo, não sei ao certo se conseguirei, em tempo útil, apresentar a devida queixa.

É uma pena que estas coisas continuem a acontecer. É triste, minha amiga, ver a polícia, que deveria estar atenta a tantas outras coisas, vergar perante a queixa de alguém sem verificarem os prossupostos da mesma. Pelo que entendi a queixosa é uma pessoa influente, não entendi a que nível, mas deve ter sido isso que terá dispensado a verificação dos factos.

É com um profundo pesar que hoje me despeço de ti, minha querida amiga, recebe um beijo deste amigo,

Gil Saraiva

Carta à Berta: Alegria Solidária em Campo de Ourique – 25 de ABRIL – Música para os Confinados

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Olá Berta,

Tenho andado para aqui a meditar o que posso eu fazer, durante o feriado do 25 de Abril, para animar a malta no meu Bairro de Campo de Ourique. Porém, não penses que, quando utilizo o pronome “meu”, estou a tentar monopolizar um bairro que pertence a todos os que por cá passaram e aqueles que aqui vivem. Nada disso, é tanto meu como de todos os que acabei de referir, aliás, até é daqueles que por cá trabalham e nas nossas ruas fazem compras.

Lembrei-me de que podia ser engraçado pôr a tocar para a minha rua, a Francisco Metrass, músicas de outros tempos, principalmente em português, mas não só. Não possuo, contudo, grandes aparelhagens modernas de topo de gama, apesar disso, tenho uma antiga aparelhagem, com gira-discos, e uma coleção de mais de um milhar de discos de vinil. As colunas são grandes e o som não é mau de todo, julgo que poderá fazer chegar a musicalidade até uma boa extensão da rua. Achas a ideia interessante?

Seguidamente põe-se o problema do horário. A que horas começar a transmissão e a que horas terminar? Pensei que seria interessante iniciar algures entre o meio-dia e as 2 da tarde e terminar entre as 8 ou 9 da noite. Seria um dia diferente, sem grande preocupação de transmissão de mensagens políticas, contudo, com uma forte componente de solidariedade para com todos os que estão em casa.

A ideia em si parece-me agradável. Porém, como ainda estou com as dores provocadas pela minha vesícula, que ainda não tem data para ser operada, nem tenho a certeza se será viável. E se eu tiver uma crise mais forte durante essa tarde? Pois é, minha amiga, não sei bem o que fazer. O que achas do assunto? E se noutras ruas do bairro e outras pessoas pudessem fazer o mesmo? Seria um bairro inteiro a celebrar abril e a esperança de melhores dias. Era muito giro, mas será que é viável?

O que pensarão os outros habitantes da ideia? Haverá alguém que se importe e com condições de fazer o mesmo? Seria possível mandarmos uma mensagem solidária para todo o país? Provavelmente estou a sonhar alto. Muito alto. Não consigo sequer antever a reação dos outros habitantes do bairro. Será que a ideia era bem aceite? Ou, meia hora depois de começar, tinha a polícia à porta a mandar-me desligar a música?

Para mim, que passo metade do dia enjoado por causa da vesícula, embora com menos dores do que há uma semana, ia ser uma estopada das grandes, contudo, se trouxesse alegria a todos nós, acho que me faria mais bem do que mal. O que achas tu, amiga Berta?

Dá-me a tua opinião o mais rapidamente que puderes, pois faltam poucos dias para o 25 de abril. Despeço-me com um beijo franco,

Gil Saraiva

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