Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Peço desculpa por continuar dentro da temática do meu bairro, mas Campo de Ourique é mesmo assim, cheio de paixões e carregado de sentimentalismos, recordações, saudades e exclamações apaixonadas.
Uma senhora muito simpática questionou-me hoje, no Facebook, se eu ainda tinha o mapa do bairro, o mesmo que publiquei em A2 no “Javali de Campo de Ourique” e, mais tarde, em A3 no magazine Lisboa com Alma. Falando em nome dela, e de umas amigas, indagava-me sobre a possibilidade de o publicar numa das próximas crónicas, pois que, tinha possuído o exemplar que fora editado em A2, em papel de jornal, mas, nas últimas chuvas, deixara-o perto de uma janela aberta e perdera o mapa.
Depois de trocarmos um diálogo, que muito feliz me deixou, combinei com ela inclui-lo na tua carta hoje, porém, sem a legenda que é muito extensa e em letra muito pequena, difícil de digitalizar e de voltar a publicar com um mínimo de qualidade.
Conforme poderás constatar a forma de um javali parece-me evidente ao se olhar para os limites do bairro. Para ser um elefante, como alguns reivindicam, teria de ter uma tromba maior na zona que, para mim, me parece bem mais um focinho, do que outra coisa qualquer. Contudo, também dou razão a quem ache seja o que for.
Afinal, o que é realmente importante é o mapa do bairro em si e não se parece um javali, um elefante ou um qualquer outro animal com pernas e focinho, não interessa mesmo. A referência ao javali era apenas uma curiosidade por jogar com o temperamento de um bairro, sempre vivo e em evolução constante, de renovação em renovação, dentro dos seus limites geográficos.
Podem fechar este mês 10 lojas e 5 restaurantes, mas, logo no mês seguinte, abrem outros tantos ou mais, se preciso for. Criando-se esta dinâmica quase selvagem do bairro, que luta para manter essa identidade magnifica de continuar a ser o maior centro comercial de ar livre de Portugal. Isso sim é que é bonito e realmente relevante.
Ainda na semana passada abriu um novo restaurante que visitei e que muito me agradou. Bom ambiente, gente bonita no atendimento, excelente comida com assinatura de chef de cozinha e uma música ambiente deveras agradável. Apenas um pouco carote para o meu bolso pouco abonado, mas não me vou alargar mais, pois vou-te falar dele numa das próximas crónicas, porque acho que realmente merece o destaque.
Com esta pequena surpresa, a revelar proximamente, me despeço de ti, certo de que vais achar graça ao meu mapa. Recebe, minha querida Berta, um beijo bem repenicado e um forte abraço, deste teu eterno amigo,
Ontem, por aqui, esteve um lindo dia de janeiro. Apetecia passear, espero que hoje o dia se repita, no que à luz diz respeito. É certo que não está calor, mas com a roupa apropriada apetece sair de máquina fotográfica e registar as belezas do meu Bairro, o Bairro de Campo de Ourique.
Já reparaste como sempre que algo nos agrada muito usamos o pronome meu (ou minha, conforme o género em causa) antes do sujeito? É sempre o meu Bairro, o meu Clube, a minha Casa (mesmo que ela pertença ao banco ou a um qualquer senhorio). Gostamos, temos algum prazer com o que quer que seja e… pimba… lá vem o pronome. É uma maravilha podermos fazer este tipo de possessões, pese embora o facto de o Bairro não me pertencer, nem o clube e muito menos a casa.
Hoje, mais uma vez a teu pedido, vou-te fazer um pequeno resumo sobre os estrangeiros a residir no Bairro de Campo de Ourique, em 2019 e dar-te uma breve panorâmica dos principais problemas do bairro. Como em tudo, nem sempre aquilo que luz é ouro, porém, em termos gerais, fiquei agradado com a minha “Petite Paris”, como lhe chamam alguns dos franceses que por aqui residem. O nome até poderia ser considerado um elogio por analogia com a Cidade Luz, mas o contexto é mais complexo do que isso, e as Amoreiras, embora lindas, não são a Torre Eiffel.
Contudo, descobri que Campo de Ourique é o Bairro de Lisboa com mais franceses residentes, tendo, apenas nele, 15 por cento dos franceses que, atualmente, vivem em Portugal. Não é preconceito, mas preferia que assim não fosse e que este número se estabilizasse de forma a não se perderem costumes, hábitos, rotinas e tradições.
Todavia, nas entrevistas que fiz aos residentes francófonos, descobri que eles também preferiam que não existissem pelo bairro tantos conterrâneos seus. Gostam dos portugueses que cá vivem, dizem que o bairro tem vida própria e uma convivência muito agradável. Apesar disso, a comunidade já representa um pouco mais de 5 por cento do total dos moradores. Há 10 anos eram pouco mais de 900 e agora rondarão os 1.500. A proximidade do Charles Pierre e da escola Redbrigde School, também ajuda à fixação desta comunidade pelo bairro.
Se, por um lado, os franceses representam quase metade dos residentes estrageiros que por aqui moram, é de assinalar uma forte presença, por outro lado, das comunidades brasileira, italiana e chinesa, para além das outras de menos expressão. No total, embora o número precise de validação oficial, o que só deve acontecer depois do Censos de 2021, Campo de Ourique tem cerca de 3 mil residentes estrangeiros. Este número, a confirmar-se, representa cerca de 13 por cento da população do bairro e traduz um aumento de 100 porcento face há 10 anos atrás.
Pode parecer muito, mas trata-se de um crescimento de estrangeiros residentes bem abaixo dos números registados em Lisboa, nomeadamente, em algumas zonas históricas. Bairros houve onde esse incremento ultrapassou já 1.000 por cento de aumento, isto no mesmo período de uma década. Isso sim, é uma coisa realmente indescritível.
São os sinais dos tempos. Porém, enquanto os estrangeiros se mantiverem em números que não excedam os 20 por cento do total dos residentes, aqui pelo bairro, não estou minimamente preocupado. Essa média, de um estrangeiro, para cada 4 nacionais é tolerável e perfeitamente assimilada pelo próprio meio, isto se confiarmos no que dizem alguns estudos sociológicos sobre a matéria. Aliás, existem artigos sociológicos e antropológicos a defender essa fração de população, vinda do exterior, como algo de essencial para a evolução positiva de uma sociedade sã. Não é a minha área, porém, não me incomoda enquanto teoria e até tem lógica.
Contudo, nas situações em que a média aumente mais do que isso, já o seu peso se começa a notar de uma forma que pode não apenas ser incómoda, como ajudar a desvirtuar o espírito local. Em resumo, temos uma margem para um crescimento de cidadãos estrangeiros na casa dos 7 por cento. Ora, a fazer fé, mais uma vez, nos estudiosos da matéria, um tal incremento dificilmente poderá acontecer na freguesia durante este século.
Já realmente preocupante é o envelhecimento geral da população do bairro. É um dado estatístico generalizado para todo o centro histórico de Lisboa e, no caso de Campo de Ourique, faz soar os alarmes da preocupação. O número de idosos com mais com mais de 80 anos quintuplicou face ao existente no início do último quartel do século passado. Pior do que isso, é a constatação de que as zonas metropolitanas de Lisboa e Porto, concentram 42 por cento dos mais velhos existentes em território nacional, sendo os centros históricos as áreas mais afetadas.
O Centro de Saúde de Campo de Ourique, por exemplo, há 11 anos que esgotou a sua capacidade de assimilar os novos residentes, sendo apenas residual o número de utentes a conseguirem ver o seu nome inscrito, nesta unidade de saúde, daí para cá.
O índice de envelhecimento no Bairro era, em 2011, de 221,5 idosos, com mais de 65 anos, para cada 100 crianças menores de 15 anos e, segundo dados não oficiais, deve rondar atualmente os 260. Se compararmos o nosso índice com o do Parque das Nações, facilmente abarcamos a dimensão do problema. Essa freguesia de Lisboa tem apenas 49,5 idosos por cada 100 jovens menores de 15 anos.
Ainda mais grave é o número de idosos a viver sozinhos em toda a vizinhança e o aumento significativo dos dependentes de serviços externos e de saúde nesse escalão etário.
Outro número importante é o da densidade populacional em Campo de Ourique. O Bairro tem o dobro da média do Concelho de Lisboa, sendo já a freguesia com maior número de residentes por quilómetro quadrado. Tal facto ajuda a explicar o agravamento dos problemas relacionados com o estacionamento e com a habitação.
Dito isto, minha querida Berta, continuamos a manter praticamente intactas as caraterísticas que fazem deste núcleo citadino um fenómeno de personalidade e identidade marcante, sempre renovada, viva e pulsante, único em todo o país.
Ainda ontem, eu e uma amiga minha, fomos conhecer um novo estabelecimento de restauração. O Dalí Cozinha Surreal, que abriu portas em meados de novembro do ano passado. O espaço deve ter cerca de 24 lugares sentados, sendo que parte deles são ao balcão, mas fica lotado com 18 pessoas. Tem uma boa carta de vinhos, uma excelente variedade de bebidas, como um pub deve ter, e um soberbo ambiente decorativo e musical.
Ora, verdadeiramente surreal é a comida. Experimentámos 2 pratos. A moqueca de camarão e a picanha. A minha amiga bebeu 2 taças de tinto e eu 2 cervejas. Ficámos clientes e cativados. Os preços são acessíveis, mas não baratos, porém, a qualidade é de primeira. Nem no Brasil comi uma moqueca tão boa e a picanha estava de ir às lágrimas, com doses fartas e serviço perfeito.
É no menu que a escolha deslumbra o cliente, pode comer um clássico pica pau português, uma moqueca de camarão brasileira, um polvo à galega tipicamente espanhol, umas ostras gratinadas à francesa, um carpaccio de vitela bem italiano e tem ainda outras propostas de comida Árabe, do Oriente ou da América. Existem também bastantes alternativas para os entusiastas do veganismo. Uma verdadeira e agradável surpresa, quase à porta de casa, na Rua de Infantaria 16.
Usei este bar restaurante como poderia ter usado outro, por exemplo, o restaurante “Isto é o da Joana”, que também abriu portas depois das legislativas do ano passado, na mesma rua, mas no extremo oposto, a fazer esquina com a Rua Sampaio Bruno, da atriz Rita Ribeiro.
O importante, Berta, é a vivacidade e a inovação constante, mas tipicamente amiga e familiar, dos espaços de comércio, serviços e restauração do Bairro de Campo de Ourique. Tudo bem calibrado pelo bater de um coração carinhoso que responde pela alcunha de Jardim da Parada.
O importante é poder respirar esta atmosfera de recanto encantado, encastrado no coração de Lisboa. Esta aldeia cheia de gente que a cuida como sua, que trata o bairro como seu, que lhe dá cariz e personalidade.
O importante é que eu tenho o privilégio de viver aqui, no meu Bairro de Campo de Ourique.
Desculpa lá qualquer coisinha. Sou um sentimentalão, fora de moda, mas muito feliz. Despeço-me com um beijo alegre, este teu amigo costumeiro,
Nestes tempos de mau tempo e de vendas em ventania rumo ao dia de Natal, espero que os nossos concidadãos se comportem com a inteligência habitual e não se deixem levar pela euforia das compras. Para a minha carta de hoje resolvi retomar um documento que escrevi há 9 meses atrás e que acabei por nunca te dar a ler.
Sendo eu, por nascimento, português, faço parte, tal como tu, de um povo de brandos costumes e de uma tolerância à prova quase de choque. Mas sou, também, um daqueles que gosta de refilar por tudo e por nada, porque nós temos essa tendência meio masoquista de criticarmos o que é nosso (nacional) mas que, por acaso, até pertence ao próximo, seja ele vizinho, conhecido, pessoa mais ou menos famosa ou até um dos VIP cá do burgo, enfim, não importa muito o quem para o assunto em causa.
Somos assim, podemos nem estar a sofrer com a crise, mas, como convém que ninguém saiba que até estamos bem, não se vão lembrar de nos chatear, lá alinhamos nós na desgraça nacional da crise que nunca mais passa. Temos a tendência incompreensível de nos acharmos vítimas de tudo e de todos. Muito mais nesta altura em que se discute o Orçamento do Estado.
Foi num ambiente parecido com este, de consciência negativa, que nasceu, tem uns anos, uma nova organização.
Ela era, na realidade, fruto de fusões, transformações, maiorias absolutas e sede de poder, enfim, uma autoridade nacional de repressão, feita de encomenda para os nossos masoquistas sentimentos de que as coisas não estão bem no que ao quintal do vizinho diz respeito. Estou obviamente, a falar da ASAE, leia-se a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, um órgão de Polícia Criminal.
Quando foi criada, nos idos de 2005, minha querida amiga, a ASAE deveria ser a resposta nacional à EFSA, em português a Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos, mas o governo não podia, nem queria, criar um organismo de apenas defesa alimentar dos seus cidadãos, dependente de um menos significativo Ministério da Agricultura. Não! Era necessário pôr o povo na ordem. Tal e qual, Berta, como nos fazem com as imagens e as frases nos maços de cigarros ou agora com o recente IVA moralizador de 23 porcento sobre as touradas nacionais.
O plano desenvolveu-se em 2 fases. A primeira fase, em 2005, foi a dos pezinhos de lã, com o objetivo de relançar a política de defesa dos consumidores, criando uma entidade para avaliar os riscos na cadeia alimentar e fiscalizar as atividades económicas a partir da produção e em estabelecimentos industriais ou comerciais.
Essas funções, que antes estavam dispersas por vários serviços e organismos, faziam da ASAE um organismo principalmente fiscalizador, tendo como pano de fundo o espírito da Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos, pese embora já com a sementinha da economia plantada no seio do organismo.
A segunda fase, em 2007, foi a da tomada do poder, sendo uma das alterações com maior impacto a da transformação da ASAE num órgão com poderes de autoridade, ou seja, um órgão de polícia criminal.
Como tal, querida Berta, pode fazer buscas, apreensões e escutas telefónicas, desde que autorizadas por uma autoridade judiciária. O mesmo acontece com as restantes polícias. Assim sendo, na prática, a ASAE é uma polícia, ainda por cima criminal, que não foi ratificada pelo Parlamento como constitucionalmente o deveria ter sido. Mais grave é que um organismo criado, em princípio, para defesa dos consumidores se torna numa polícia criminal de métodos e objetivos bem mais repressivos.
Ora, a História tem a propriedade espetacular de a podermos estudar e, se o fizermos com o devido cuidado, vamos descobrir que foi exatamente assim que a Polícia Internacional e de Defesa do Estado / Direção Geral de Segurança, vulgo PIDE/DGS, nasceu: com funções administrativas e funções de repressão e prevenção criminal, também com contornos de defesa dos cidadãos e da sua suposta segurança (conforme consta no Art.º 2º. do edito que a constituiu) só que a irmã mais nova, a ASAE, que por desígnio tem muitas funções, não deixa de ter, no meio das suas inúmeras alíneas, o desenvolvimento de ações de natureza preventiva e repressiva, conforme poderás constatar, minha amiga, no Decreto-Lei número 274 de 2007, sendo, por isso mesmo, bem mais esperta do que a irmã e clamando uma legitimidade que afinal nem tem.
Será que a ASAE, corre o perigo de se tornar a Nova PIDE/DGS? De momento parece-me um exagero considerar tal coisa. Afinal, Berta, temos tido no poder, partidos mais ou menos democratas, amarrados pelas imposições da Europa e da Comissão Europeia, mas, mesmo assim, dentro dos limites da democracia. O problema é se um Chega, ou algo semelhante, consegue, um dia, chegar ao poder. Pelo articulado da lei a ASAE pode fazer bem mais que uma PSP ou uma GNR, pode até agir sozinha ou solicitar a ajuda de qualquer outra força de segurança. Dá que pensar, não dá? E ainda agora a procissão vai no adro…
Deixo-te uma beijoca carinhosa, deste teu saudoso amigo, em jeito de despedida,