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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta nº. 656: O Padrinho

 

Berta 656 (2).jpg Olá Berta,

Don Corleone, é uma personagem de ficção do romance The Godfather, de Mario Puzo, de 1969, e dos dois primeiros filmes da trilogia de Francis Ford Coppola. Já Alberto João Jardim, é uma pessoa real e um político aposentado, mas bem conhecido, da nossa praça. Contudo, se eu tivesse de escolher quem acho que melhor retrata o Padrinho de Coppola na vida real, a minha escolha recairia sempre em “Albertoni”. Daqui para a frente, entramos no universo do alegadamente, e, nada do que te direi, amiguinha, poderá ser entendido como um facto, visto esta carta ser mais parecida com uma narrativa de ficção.

Para o Padrinho, doce amiga, os políticos de hoje parecem-lhe um bando de amadores. Fazem as coisas sem a magia de outros tempos e deixam-se enredar nas malhas da lei. Na sua douta opinião, bem do alto do seu charuto, “Albertoni” não consegue entender o que se passa com todos estes incompetentes que agora pululam nos meios da política.

Caramba, Berta! Até o seu benjamim caiu… o pirata da perna sem pau a quem ele ensinou a fazer ar de mau, Miguel Albuquerque, o seu menino queque “Bimby”. O Padrinho está zangado, as coisas começaram a azedar com Armando Vara, depois o Sócrates (que talento tão completamente desperdiçado) seguindo o Costa (com um Governo cheio de gente que não sabe estar) e, por fim, o seu Benjamim…

Onde estavam aqueles anos dourados em que se podia fazer tudo sem que a Justiça pudesse agir? Minha querida, no tempo de Cavaco o Ministério Público e a Polícia Judiciária apenas se preocupavam em manter o emprego. Cavaco, esse velho Conde Drácula reencarnado, o homem que nascido em Boliqueime conseguiu dar dignidade ao lugar transformando o buçal poço em fonte. Sim, sim, Fonte de Boliqueime cheirava a turismo e prosperidade, enquanto Poço de Boliqueime não podia ser mais povinho.

Ah! Que saudades desse Arcanjo dos Infernos que podia impunemente arrebanhar a Casa da Coelha, ganhar cem mil euros em ações do BES, aconselhar o povo que o banco era seguro, enquanto o mesmo apodrecia e arrastava tudo e todos saindo ele incólume e impoluto. Cavaco, sim era homem, sabia-a toda. Alguém lhe tocou por causa do BPN? Jamais, Dias Loureiro, Oliveira e Costa e Duarte Lima compunham o ramalhete daquilo a que o Observador chamou o lado negro da força: o Cavaquismo. Isso sim, tinham sido dias gloriosos, Bertinha.

Agora tudo começara a sair dos eixos quando os burros do PS quiseram ter uma Justiça mais forte e independente. Para quê? Os idiotas meteram a lenha toda na fornalha, deram força e poder à Justiça e agora queixavam-se que se estão a queimar? Burros. Minha cara confidente, toda a gente sabe que não se brinca com o fogo. A Justiça tinha um açaime perfeito, porque raio foi o PS mexer naquilo?

O Padrinho estava chateado. Agora até ele tinha que ter cuidado. Ele o Rei da Pérola do Atlântico. Que vergonha, que humilhação. Pois é Berta, “mudam-se os tempos…” por hoje fico-me por aqui, recebe um beijo saudoso deste teu eterno amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Sócrates e a Nova Maioria Silenciosa

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Olá Berta,

Não sei se já te chegou aos ouvidos, mas há quem defenda que há uma nova “Maioria Silenciosa” em Portugal, em crescendo. Provavelmente tu nunca ouviste falar da “Maioria Silenciosa”, mas eu, que estava a pouco mais de um mês de fazer 13 anos, ainda me recordo bem, talvez por ter vivido no seio de uma família que seguia de perto os acontecimentos políticos do país, como os tinha seguido antes do 25 de abril e como o continuou a fazer depois disso.

Porém, sendo tu uns anos mais nova do que eu, talvez não tenhas dado pelo evento. A dita maioria da altura tentava apoiar o General Spínola, o então Presidente da República, a fazer uma viragem à direita. O apoio nuclear vinha de antigos elementos do antigo regime, principalmente antigos membros da Legião Portuguesa, da ala militar mais conservadora do MFA e de um conjunto substancial de dirigentes dos partidos políticos ligados à direita do espectro político, entre eles, muitos elementos do PP/MFP (Partido do Progresso / Movimento Federalista Português), do PDC (Partido da Democracia Cristã) e do PL (Partido Liberal).

A intenção era gerar uma Manifestação da chamada “Maioria Silenciosa” no dia 28 de setembro de 1974, de apoio a um novo rumar político, com Spínola, à direita. Um golpe travado por Otelo Saraiva de Carvalho, que viria a colocar o General Costa Gomes na presidência e Vasco Gonçalves no lugar de Primeiro-Ministro. É a mudança do Primeiro PREC (Processo Revolucionário em Curso), com a ala direita da Revolução a tentar consolidar o poder, para o segundo PREC com os comunistas a instalarem-se na liderança do país, com unhas e dentes.

Há quem diga que os Estados Unidos da América estavam por detrás do apoio a Spínola (pois queriam evitar um regime comunista em Portugal) e que o nome da “Maioria Silenciosa” era uma inspiração vinda do Presidente Nixon, que a usara pela primeira vez para designar a parcela do povo americano que, segundo ele, o apoiaria na sua política da guerra no Vietnam, algo que historicamente nunca ficou provado existir na realidade. Nixon pediu a demissão em agosto de 1974 sendo substituído por Gerald Ford, quando a organização da “Manifestação da Maioria Silenciosa” em Portugal estava em marcha.

Mas, voltando ao rumor desta nova “Maioria Silenciosa” existente no país, agora, ela tem tudo a ver com os apoiantes declarados (poucos na atualidade) e os outros ocultos (muitos, segundo o rumor) de José Sócrates, que, tendo-lhe dado em eleições a única maioria absoluta que o Partido Socialista já teve em legislativas, nunca engoliram a tese do bandido preso em direto na televisão. Pela primeira vez, trata-se de um silêncio do centro e da esquerda moderada, gente que deixou de se pronunciar, para não ser alvo do populismo crescente dos últimos sete anos.

Ora, quem lê ou escuta os comentadores e analistas políticos na comunicação social em Portugal, não encontra sequer vestígios de que tal maioria possa existir. Segundo eles o povo está, na sua quase totalidade, contra o ex-Primeiro-Ministro, José Sócrates. Nem Miguel Guedes, que em agosto de 2020 falava de uma “Nova Maioria Silenciosa”, a identificava com o renascer deste político.

Todavia, há quem ache que aqueles que clamam e se revoltam contra o juiz Ivo Rosa, mais os que se indignam da pronúncia do mesmo relativamente à instrução do processo para julgamento da Operação Marquês, que fazem vergonhosas petições online, não passam de uma minoria barulhenta de gente de direita.

Há quem reforce que a estes se juntaram muitos dos intelectuais, pensadores e analistas míopes de uma esquerda ressabiada, associados aos populistas crescentes das “fake news”, das teorias da conspiração e do “novo riquismo pseudo-salazarista do passismo iluminado” de Passos Coelho, que provocou a queda do último governo de Sócrates, num passado, não assim tão remoto, como agora nos parece ser, mas que ainda está bem presente na memória dos que sofreram com os anos da austeridade imposta sob a bitola da ameaça e do medo.

Para os defensores desta dita “Maioria Silenciosa” os críticos de Sócrates são os analistas ingénuos, os políticos rivais, os crentes nas versões tabloides do “Correio da Manhã” e das teorias conspirativas de Manuela Moura Guedes, associados aos populistas e ao povo que ainda acredita nos noticiários.

Pessoalmente, minha querida amiga Berta, eu estou como São Tomé no meio de toda esta história. Por outras palavras, preciso de ver para crer. Se, daqui para a frente for visível um movimento crescente de apoio a José Sócrates, se daqui a cinco anos, em 2026, ele for candidato a Presidente da República e se ganhar a eleição (coisa que hoje penso ser inverosímil) eu juro que dou a mão à palmatória.

Até lá, ficarei instalado na primeira fila, pronto para acompanhar o espetáculo, a ver o renascer da Fénix Política na pessoa de Sócrates (situação da qual me afasto, enquanto crente ou defensor de tal ideia). Se a dita terceira “Maioria Silenciosa” existir (coisa que se provou ser falsa nas duas primeiras vezes), cá estarei para dar razão aos defensores deste milagre político português. Porém, até lá, conforme já referi, por muito que eu não goste do populismo em voga, dos analistas de sofá, dos tabloides com agenda política, dos acéfalos pseudointelectuais, dos linchadores de trazer por casa, dos alimentadores de “fake news”, dos políticos de direita assanhados e dos de esquerda acomodados no status quo das conveniências, ficarei pacientemente à espera de ver tão inacreditável resultado.

Se hoje trouxe o assunto a esta carta, minha amiga, foi para que não se diga no futuro que não dei pelo fenómeno, quer ele seja real ou apenas uma vontade de alguns socráticos. Por hoje é tudo, recebe um beijo deste teu amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Sócrates - A Montanha Pariu um Hámster - II/II

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Olá Berta,

Termino hoje a carta a que ontem dei início sob o tema: Sócrates - A Montanha Pariu um Hámster - Parte II/II. Ora, tentando lembrar-te, minha amiga, a Operação Marquês não começou em novembro de 2014, altura em que Sócrates foi escandalosamente preso ao vivo na televisão. A história tem início cerca de um ano e meio antes, pelo menos, digamos que entre fevereiro e abril de 2013 quando o processo começou a ser montado. Portanto, faz agora, grosso modo, oito anos que tudo começou.

Nesses oito anos, um tempo longo em termos de justiça, Sócrates conseguiu transformar uma acusação de 31 crimes que lhe eram imputados, entre os quais três eram de corrupção, em seis, sendo que, agora que se encontra terminada a fase de instrução do processo, o crime mais grave é o de branqueamento de capitais. A própria Operação Marquês viu reduzida uma acusação de dezenas de milhares de páginas num despacho de pronúncia que não chega às sete mil páginas.

Haverá, porque existem sempre os que assim pensam, quem diga que, mesmo assim, o ex-Primeiro-Ministro vai a julgamento acusado de três crimes graves e de outros três de menor relevância. Ora, tal facto seria verdade se o Ministério Público não fosse recorrer do despacho do processo de instrução agora concluído pelo juiz Ivo Rosa.

Porém, nos próximos 120 dias, o Ministério Público irá preparar a sua contra-argumentação para levar para o tribunal da relação uma acusação mais forte do que aquela que foi efetivamente pronunciada por Ivo Rosa. Ora, estes 120 dias a serem aceites são, na verdade, 150, porque o prazo termina nas férias judiciais de agosto próximo. Depois disso a defesa dos arguidos terá direito a um tempo equivalente para contrapor o que for refutado pelo Ministério Público. O resultado deste embate determinará algures no primeiro trimestre de 2022 o que irá efetivamente a julgamento nessa altura.

Até lá, esperamos nós, ficaremos também a saber, porque o juiz Ivo Rosa mandou retirar nesse sentido uma certidão do processo, se a escolha do juiz Carlos Alexandre, responsável pela elaboração do processo nos primeiros anos, desde 2014, até à instrução de Ivo Rosa, foi ou não escolhido de forma isenta, ou seja, de acordo com a lei. Não sei se estás lembrada, minha querida Berta, mas este foi um dos maiores cavalos de batalha da defesa de Sócrates, agora, finalmente, plasmada nesta decisão do juiz de instrução.

A primeira consequência desta certidão, caso venha a ser provado que houve uma escolha concertada do juiz Carlos Alexandre, é a total nulidade do processo, ou seja, a Operação Marquês poderá nem chegar à barra do Tribunal da Relação. Poderás argumentar, minha amiga, que esse cenário é remoto, contudo, eu acho-o bem provável.

Aquilo para que eu te quero alertar, minha amiga, é que toda a Operação Marquês corre o risco de cair por terra algures durante este ano e o início do próximo. A conclusão da certidão mandada extrair por Ivo Rosa, sobre este assunto concreto, pode vir a gerar um primeiro cenário: o arquivamento da Operação Marquês. Ora, se tal acontecer, não vejo que se consigam reunir condições efetivas para o Ministério Público avançar com uma segunda Operação, porque esta correria sérios riscos de se tornar na Operação Fantochada, o que poderia arrasar, ainda mais, o próprio Ministério Público.

Apesar de tudo, este é apenas o primeiro cenário dos três que de momento são possíveis. O segundo é, não havendo arquivamento, o Ministério Público conseguir levar a sua avante e a relação mandar para julgamento o ex-Primeiro-Ministro com acusações superiores às agora apresentadas por Ivo Rosa, isto é, Sócrates poder ir a Tribunal acusado novamente entre 7 até 31 crimes, bem como se ver revertida parte ou a totalidade dos crimes imputados a outros arguidos que assim teriam de voltar a julgamento.

Contudo, tentando ser realista, não deverá acontecer uma reversão total das decisões de Ivo Rosa, até porque a população não compreenderia que a justiça pudesse decidir algo e o seu contrário num caso desta natureza. Aliás, é preciso não esquecer que se o Ministério Público tem cerca de 150 dias para apresentar a sua dama à Relação, também a defesa dos arguidos possuirá de um tempo igual para a rebater. Porém, na prática, nada impede a defesa dos arguidos de começar já a rebater e a preparar a contra-argumentação, dispondo dos recursos que o dinheiro dos acusados proporciona, acabando na prática por ter o dobro do tempo da acusação e dez ou vinte vezes mais meios e verbas, para impedir a reversão das decisões do juiz Ivo Rosa, pelo Tribunal da Relação.

O terceiro cenário é o de, efetivamente, a Relação mandar para tribunal o caso exatamente da forma como o caso foi pronunciado por Ivo Rosa, devido ao facto de a acusação não ter conseguido convencer os novos juízes da sua razão, até porque a defesa terá muito mais tempo e recursos para contra-argumentar. Neste caso, só avançará para tribunal o que foi apurado por Ivo Rosa.

Assim sendo, seja qual for o cenário que aconteça, José Sócrates está, pela primeira vez, em grande vantagem. Já conseguiu semear a dúvida na opinião pública e agitar aqueles que o apoiam, e que até aqui se mantinham calados, a seu favor. As condições do Ministério Público para gerar uma acusação como a anterior são inversamente proporcionais às que foram na primeira acusação. Quer isto dizer que Sócrates, depois de 8 anos de processo, sempre na mó debaixo, parte para a segunda ronda com uma vantagem enorme sobre a acusação. Quer isto dizer que, daqui para a frente, a vida de Sócrates é mais risonha.

Se estás com dúvidas, amiga Berta, eu explico. Os meios da acusação, daqui para a frente, em qualquer dos cenários, resumem-se aos dois procuradores e pouco mais. Por outro lado, os meios dos arguidos aumentam exponencialmente. Não só já sabem de que são acusados, pela primeira vez, como têm manifestamente mais verbas, tempo e mão de obra, para combater e contrapor todos os prossupostos da acusação, passando o papel de Golias a ser representado pela defesa, inversamente ao que vinha acontecendo até aqui. Em qualquer dos casos a astúcia de Sócrates sai vencedora, faltando apenas apurar até que ponto ela será capaz de se elevar na contenda.

Há ainda um quarto cenário, que só tem possibilidades de se desenrolar se o caso chegar a julgamento. Se o juiz nomeado para conduzir os destinos do julgamento for, digamos assim, um socrático (para não falar em mais corrupção) e for favorável à defesa, então Sócrates arrisca-se a sair ilibado de todos os seus crimes e a pedir uns milhões de indeminização pelos danos que lhe foram causados. Aliás, mesmo que seja um juiz isento, ao recorrer, voltam a estar em cima da mesa as mesmas possibilidades de Sócrates conseguir “arranjar” um juiz que lhe seja favorável e assim sucessivamente até ao caso chegar ao Supremo Tribunal de Justiça. No meu modesto entender, querida Berta, a pronúncia de Ivo Rosa, colocou, definitivamente, Sócrates na mó de cima e o homem, para quem já se possa ter esquecido, é um feroz animal político muito combativo.

Conforme expliquei, daqui para a frente, não está em causa sequer se Sócrates é ou não culpado seja do que for que acabar por ser acusado, mas sim, que ele possui todas as possibilidades e muitas das probabilidades de vir a ser ilibado de todas as acusações. Não é claro que seja esse o desfecho final, tal como João Pinto eu só faço prognósticos no final do jogo, mas tudo joga a favor de Sócrates.

Dito isto, amiga Berta, não me admiraria se, daqui a cinco anos, Sócrates se possa apresentar como candidato a sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas isto sou eu a pensar, que não passo de um poeta e um lírico. Por hoje é tudo, resta-nos esperar pelo resultado do próximo embate a acontecer algures no primeiro trimestre de 2022. De qualquer maneira, e para já, a montanha pariu um hámster muito querido e fofinho, digam os críticos o que quer que digam. Despeço-me com um beijo e até à próxima carta,

Gil Saraiva

P.S.: Esqueci-me de te dizer que a primeira agitação será a dos indignados contra Ivo Rosa, porém, por muito barulho que façam, nada resolverão porque a justiça não se pode nunca submeter a julgamentos de praça pública. Fica bem, minha querida amiga,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Sócrates - A Montanha Pariu um Hámster - I/II

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Olá Berta,

Começo esta carta de hoje por te recordar duas cartas que te escrevi. Uma a 1 de novembro de 2019 e outra a 24 de novembro de 2019. Chamei-lhe à primeira, na altura: “José Sócrates: O Caso”. Conforme vais poder reler eu tinha toda a razão no que dizia então, mas vamos à primeira carta sobre o assunto que te escrevi nesse longínquo dia “pré-covidiano”:

“Carta à Berta: José Sócrates – O Caso em 01/11/2019

Minha querida amiga, é com alguma tristeza na alma que te escrevo hoje. Descobri, confesso que por acaso, que o caso do julgamento do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, está outra vez na atualidade política. Por fim, começou a fase de instrução do processo, e, finalmente, a defesa tem voz ativa no decorrer dos trabalhos. Como tenho visto pouco as notícias, a situação estava a passar-me ao lado. Contudo, pelo que apurei, o juiz Ivo Rosa tem vindo a ouvir as alegações de Sócrates contra tudo aquilo de que o acusam, desde a corrupção, aos seus sinais exteriores de riqueza, passando pelo branqueamento de capitais e sei lá que mais. Não me interessa.

Aliás, nem me interessa, neste momento, saber se o homem é ou não culpado. O que eu sei é que, graças à nossa comunicação social e à forma como se criam e produzem as notícias neste país, Sócrates já foi há muito considerado culpado e condenado pelo povo que governou. Deve haver pouca gente que não tenha uma opinião formada, e normalmente negativa, sobre o ex-governante, em Portugal.

A coisa é de tal forma que, os seus irmãos de partido, fogem dele como o diabo da cruz. Todos evitam ao máximo estar associados a acusado e às coisas lhe são apontadas. Repara, estes são os amigos mais próximos porque, os antigos adversários políticos, fazem bem pior. Parecem cães raivosos a espumar pela boca, exigindo a pena máxima para aquele que não conseguiram derrotar em democracia. Por fim, não menos importantes, são os invejosos e os que gostam de dizer mal de tudo, os que não podem ver alguém melhor do que eles na vida, e que afirmam, do alto da sua douta inteligência e sabedoria, que sempre disseram que o homem é corrupto.

Enfim, podem ter todos razão, Sócrates até pode ir a julgamento, ser condenado, preso e o caso terminar dessa forma triste para a imagem nacional, para gáudio das hostes enfurecidas, que isso não melhora a situação. Assim sendo, internacionalmente, ficaremos vistos como um país de poucachinhos, de terceiro mundo, onde todos roubam, da peixeira na banca do mercado, que inchou os camarões com água, aos mais altos representantes nacionais.

Pergunto-me se isso é bom? A única coisa que se poderá dizer ser positiva sobre a situação, caso aconteça, é que prevaleceu a justiça e que ninguém está acima da lei. Mas isso não iliba a nossa imagem, como país, e iremos certamente ficar na lama, enquanto as pessoas realmente de bem terão de esconder o rosto de terceiros, pela vergonha a que seremos todos votados com esse resultado.

Por outro lado, o que acontecerá se Sócrates for considerado inocente, ou, pior ainda, nem sequer for a julgamento, por falta de provas factuais convincentes? Os inimigos dirão certamente que a justiça foi comprada. Porque eles, imaculados portadores da verdade, têm a certeza sobre o que realmente aconteceu. Alguns apresentarão como prova o que senhor Manuel, do quiosque de "troca-o-passo" lhes contou, ou seja, que, um dia, presenciou uma situação de tal forma clara que torna irrefutáveis as provas da acusação. Os amigos não se verão assim, tão linearmente, em festa a celebrar a ocasião. Tudo dependerá de como o ciclo se fechar. Se for deixada no ar a suspeição sobre o político, continuarão a sentir a mesma alergia que os fez afastarem-se do antigo amigo, simpatizante ou camarada. Se a coisa se resolver, de forma inequívoca, aparecerão então a gritar aos quatro ventos que sempre souberam que o sujeito era inocente.

Ainda a Páscoa vem longe, mas, para mim, o único crucificado aqui será sempre, seja qual for o resultado, José Sócrates. Esse ficará o resto dos seus dias com a honra e a dignidade manchada, porque o escândalo vendia notícias e dava trabalho e audiências a muita gente. Aliás, haverá quem, se o caso nem seguir para julgamento, afirme ter encontrado evidências cabais de que a cor grisalha dos pintelhos de Sócrates é prova de stress e não da idade, o que é demonstrativo que deve ser aberto um novo processo, porque um estado emocional destes implica que há fogo por detrás do fumo.

Pois é Berta, a minha tristeza provém do facto de toda a história não ter como chegar a um final feliz. Fazer o quê? Eu ainda sou do tempo em que as histórias tinham um final feliz. Contudo, olhando mais profundamente para toda esta trama, existe um padrão que vem à tona mais uma vez. A dada altura, são lançadas às feras algumas figuras públicas, com requintes de uma perícia especializada, com o intuito de que não se olhe para mais nada. Pode ser coincidência, todavia, eu não acredito em coincidências. Foi assim no caso José Sócrates, no Caso de Ferro Rodrigues, no caso de Carlos Cruz e até no caso de Tomás Taveira.

Quem tem poder e astúcia para conseguir atirar para a ribalta situações tão cirúrgicas como estas? O que estão a esconder ou a querer que passe impune por entre as gotas da chuva? Será a maçonaria, a Opus Dei, a organização Rosa-Cruz ou uma qualquer outra força oculta no seio da sociedade portuguesa, bem distribuída nos lugares de influência e decisão? Não sei, minha amiga, mas adoraria saber. Quando determinados padrões se repetem em demasia algo os faz emergir e te garanto que não é magia.

Fica bem minha querida, beijo do teu saudoso amigo,

Gil Saraiva”

Passado menos de um mês dessa carta escrevi-te outra ainda sobre o nosso ex-Primeiro-Ministro, chamava-se: “O Peso do Dinheiro de Sócrates”, vou, mais uma vez reproduzi-la aqui para te relembrar o assunto:

“Carta à Berta: O Peso do Dinheiro de Sócrates – 24/11/2019

Olá Berta,

Nem te pergunto como estás porque isso, aliás, é o tenho feito todos os dias e a coisa ainda vira exagero. Eu por aqui continuo satisfeito a gozar esta época saudável, que parece ter regressado para ficar, depois das chatices que tive até junho passado.

Não sei se tens acompanhado toda a saga do ex-primeiro-ministro José Sócrates que, desde que voltou a ser chamado a testemunhar pelo juiz Ivo Rosa, regressou às primeiras páginas dos jornais, aos noticiários das rádios e às reportagens televisivas.

Provavelmente fizeste como eu, não leste, ouviste ou viste nem um quinto do alarido à volta da Operação Marquês. Fizeste bem. Diga-se, de passagem, que a continua exposição mediática do caso começa a jogar a favor do principal arguido em vez de o prejudicar.

A malta começa a ficar farta. Ainda por cima à medida que vamos tomando conhecimento da inexistência de provas cabais e demonstrativas da acusação proferida pelo Ministério Público. Caramba! Mas não haverá um raio de um papel que prove, de uma vez por todas, que o político meteu a mão na massa e que, por isso mesmo, é culpado dos 31 crimes de que é acusado? Como é que se acusa alguém, num país onde o enriquecimento elícito não é crime, sem ter na mão os papeis, fotografias ou gravações com provas?

Não consigo entender que tudo, pelo menos até ao momento, não passem de deduções, explicações elaboradas do que possivelmente aconteceu, acusação do homem ter andado com muito dinheiro, que não poderia de forma alguma ser seu, e, por isso mesmo, só poder ser fruto de corrupção, mas, e lá vem sempre a porcaria do mas, sem o conseguirem demonstrar com provas irrefutáveis e absolutas, para que não fique nenhuma dúvida.

Tu entendes uma coisa assim? Eu não e juro-te que também, como tu, não sou parvo nenhum. É que, quando o acusado diz que tem um amigo que lhe dá milhões, por mais que isso nos custe a engolir, não há lei que o impeça de o fazer.

Talvez se enriquecer sem explicação fosse crime já o caso estivesse arrumado, porém, minha querida Berta, isso é coisa que não convém ao Estado colocar no papel, passando essa prática a ser crime perante a lei. O resultado seria trágico para muita gente, neste país, que vive milionariamente, sem razão aparente que justifique essa vida e onde, infelizmente, muitos deles circulam nos corredores do poder.

Se os investigadores da Polícia Judiciária, e o Ministério Público, tivessem e pudessem investigar todos os milionários de Portugal, quantos achas tu que conseguiriam justificar cada cêntimo que detêm? Uns 20 porcento? Talvez menos? Eu também não sei. Todavia, espero ansiosamente pelo dia em que um Governo tenha a coragem de mudar a lei.

Até lá, ou arranjam as tais provas cabais ou está tudo muito complicado, quer para os investigadores, quer para o Ministério Público.

Outra coisa que me irrita, é a forma como se criticam as declarações de José Sócrates, nos debates e nos programas de comentário político, na televisão. Vi gente, e por alguns deles eu nutro um enorme respeito (principalmente pela sensatez daquilo que dizem e pela forma clara e ponderada com que o fazem), pôr em causa os 5 milhões que Sócrates teria em casa (os tais que alega terem sido herdados pela mãe), com base no volume do dinheiro e na dimensão que um cofre caseiro teria de ter para guardar tal fortuna. Mas esta gente deu-se ao trabalho de investigar o volume e o peso de 5 milhões de euros em notas de 500 euros?

É por estas e por outras que o ex-primeiro-ministro, mesmo que seja efetivamente culpado, vai passando por entre os pingos da chuva sem se molhar.

Primeiro temos a obrigação de tentar perceber se algo é absurdo antes de fazermos a afirmação de que o é, apenas e só, porque não temos a mínima noção das proporções, medidas e pesos em causa, numa coisa que nem é difícil de investigar. Revolta-me o desleixo com que, quem tem a seu cargo o comentário político e sério, trata matérias importantes e relevantes, para consolidar as coisas que afirma. Na ignorância de algo, só existem 2 maneiras de se resolver o problema: investigar devidamente ou não falar no assunto.

Não é correto cuspir verborreia sem se ter qualquer ideia sobre o que se fala. Essa é a hipótese que nunca deveria chegar ao comentário político. Por isso mesmo, e para não passar por estúpido, como muitos outros, resolvi investigar. Garanto que fiquei admirado com o que descobri.

Afinal, 5 milhões em notas de 500 euros, cabem numa malinha que tenha 58 centímetros de comprimento, por 48 de largura e apenas 20 centímetros de altura, ou seja, qualquer cofrezinho caseiro, mediano, de gente abastada, suporta, com algum conforto, a verba em causa. Quanto ao peso, tudo se torna ainda mais ridículo, 8 quilogramas, sem tirar nem pôr. Apenas 8. O que quer dizer que 5 milhões de euros só pesam pelo trabalho e esforço que custam quando se trata de os ganhar. Nada mais.

Para poderes ter uma ideia, minha amiga, mando-te uma fotografia com esta carta, que ilustra o volume e peso de 500 mil euros. Despeço-me saudosamente com um beijo, deste teu confidente de sempre,

Gil Saraiva”

Estas duas cartas exclusivamente sobre Sócrates, são apenas o exemplo do que era e sempre foi a minha opinião, desde o início do caso até 2019, altura em que te enviei ambas as cartas, a que poderias juntar algumas das que te escrevi em 2020. Conforme se vem hoje a verificar e não é que eu seja bruxo, mas eu tinha razão nas análises que fui fazendo desde que o caso começou. Por hoje, não me vou alongar mais, mas amanhã enviar-te-ei a minha conclusão já atualizada, face às novidades do dia de hoje.

A história não ficará, por certo, por aqui, mas no final, conforme previ em 2014, toda esta grande montanha terá parido um pequenino hámster inofensivo e querido. Despeço-me, com o compromisso de terminar amanhã este assunto, recebe um beijo deste teu grande amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Viva a Maior Carga Fiscal de sempre!

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Olá Berta,

Ainda te lembras do tempo em que se falava da chegada de uma tal de recessão? A conversa era, com os devidos acertos (com equivalências comparativas à da chegada da Elsa ou do ano de 2020 ir ser aquele com a maior carga fiscal, a atingir mesmo os 35 porcento de impostos), que tudo acabaria, em breve, no melhor dos modos.

Nesse tempo, corria o ano de 2008 (ainda te lembras?). Sobre ele passaram, quase, quase, 12 anos e, contudo, apenas as tempestades, as depressões e os furações ficaram limitados e confinados num prazo mais ou menos certo. Já as dificuldades dos povos tendem a instalar-se de pedra e cal, como se fossem construções para prevalecer e resistir. Foi assim com a recessão, continuou depois com a crise e está, neste momento, em vias de entrar aquela que é anunciada como a Maior Carga fiscal de sempre. São 3 maneiras diferentes de dizer que o cocó é o mesmo, o cheiro é que muda, talvez consoante a consistência ou o pacote em que vem embrulhado.

Voltemos atrás. Disseram-nos que ela chegara: a recessão. No entanto, se todos e cada um de nós, tivesse voto na matéria (sendo que eu votava sempre contra a chegada da anunciada) ela nunca teria vindo. Porém, segundo o Primeiro-Ministro da época, um tal de José Sócrates, garantia-se, nessa altura, que seriam tomadas todas as medidas para efetivamente acabar com a dita cuja ou, pelo menos, que a recessão, mesmo que viesse, não criaria raízes. Promessas leva-as o vento minha amiga, venham elas com a Elsa, o Fabien, ou outro qualquer.

O Governo, qualquer governo, fará como fez esse aos 4 mil imigrantes a quem vedou a entrada em Portugal e que repatriou nesses idos anos tristes. Apesar de todos os sinais o tal Primeiro-Ministro prometia à boca cheia que não tínhamos com que nos preocupar. Sócrates dizia que estava pronto para tudo.

O Povo também estaria, se ganhasse um décimo do que recebia o nosso Primeiro, quer em ordenado quer em ajudas de custo, carro, deslocações e subsídio de risco contra tomates podres, livros escolares, seringas “hipo-qualquer-coisa”, sapatos ou mesmo Ovos da Páscoa do ano de 2007.

Vejamos, estávamos à beira da deflação, os portugueses morriam menos 17 porcento em 2008 nas estradas portuguesas e a tendência era para continuar a cair (é giro ver esses sonhos agora, minha amiga), os combustíveis baixavam de preço, os juros desciam com a gorda da Eulibor a perder peso, a olhos vistos, para recordes nunca antes sonhados nos últimos dez anos, as prestações das casas decaíam junto da banca. Tudo fazia parecer ser impossível que algo de errado pudesse acontecer. Alugar ou comprar casa ou loja era mesmo bem mais barato nesse ano.

Por outro lado, o ordenado mínimo subiria o máximo, de uma só vez, em 2009 (não ouviste isso ainda este fim de ano?), o julgamento da Casa Pia chegava ao fim, a MediaMarket tinha saldos incríveis para os que não eram parvos, o Continente fazia 50 porcento de desconto em cartão da marca, a Banca recebia injeções do Estado contra a Gripe das Aves Raras, contra a Peste Suína do Capital, contra a doença das vacas loucas com os saldos e as promoções… Tudo isto, minha querida Berta, a fazer lembrar uma semana de “Back Friday” bem recente e atual.

Mas havia mais, o Magalhães, por exemplo, vendia mais do que o dinheiro chegado dos subsídios europeus da agricultura que o nosso governo devolvia a Bruxelas pois já estávamos hiperdesenvolvidos.

A euforia estava em alta, vinham aí as obras das Câmaras Municipais em ano de Eleições, mais as grandes e pequenas obras do Estado. Mais os empregos criados em 2009 só para alimentar a máquina eleitoral de três votações. A crise da Educação corria veloz para um final que não sabíamos vir a ser tão triste, mas que corria, corria…

As belíssimas vozes e interpretações das músicas dos ABBA, no filme “Mamma Mia”, davam esperança a qualquer português de poder iniciar uma carreira vocal a todo o momento e instante. As novelas portuguesas continuariam a narrar mundos impossíveis. A Manuela Moura Guedes já não ia deixar de ser pivot da TVI.

Mais que tudo, não iriamos passar vergonhas em europeus ou mundiais de futebol porque não os havia neste ano, o Ministro das Finanças até lançou um orçamento suplementar, o AKI tinha os preços em queda, de tal forma que um dia a casa poderia vir mesmo a baixo. A Moviflor dizia que vendia tudo e mais um par de botas, em doze meses sem juros, mesmo que os móveis durassem menos tempo do que isso. Eu próprio coloquei uma velinha à Nossa Senhora dos Aflitos para ver se o Rui Santos deixava de ser comentador de futebol de uma vez por todas, na Sic.

Porém, apesar de tanta e maravilhosa coisa a acontecer, a recessão não passou. Depois… não muito tempo depois, veio, passo atrás de passo, um Passos que nos fez passar misérias, acabando drasticamente com os anos das contas incertas. Chamando de malandros, calaceiros, quase bandidos a precisar de castigo, aos portugueses. Cortou-nos os subsídios de férias e de Natal, as horas extraordinárias, os feriados.

Mandou-nos emigrar, veio com ar de pastor anunciar que a austeridade (outra palavra bonita para a recessão), chegara para ficar. Inventou impostos, criou taxas sobre taxas e mais sobretaxas, os Orçamentos do Estado, passaram a ter de passar pelo crivo do Tribunal Constitucional, a crise instalou-se de vez com a ameaça fantasma de uma banca rota cujos buracos, afinal, acabaríamos por descobrir que se deviam muito mais aos banqueiros, que não ao povo.

Agora, neste exato momento em que tudo isto já é História de Portugal, não estaremos nós à beira de mais uma “merdaleja” qualquer. Espero bem que não. Prefiro, minha querida amiga, os 35 porcento de impostos às Troikas sanguessugas e aos políticos moralistas do alto do seu conforto. Aos arautos da chegada do Diabo e de outras demonizações em tudo quer dizer o mesmo. Podem chamar-lhe recessão, crise, austeridade, banca rota, Diabo, Troika ou Maior Carga Fiscal de sempre.

Eu prefiro a última, pelo menos de momento consigo respirar, ainda não tenho direito a spa, sauna ou banhos turcos, mas giro os meus gastos sem me sacarem o dinheiro à cabeça. É evidente que preferia viver melhor ainda, não existe sobre isso a menor dúvida, mas entre o panorama atual e o que passei entre 2011 e 2015, não há que ter dúvidas ou hesitações.

Não penses, amiga, que estou a defender o PS, a Geringonça ou a Morte da Bezerra, em detrimento dos outros partidos democráticos. Nada seria mais errado e menos preciso. Estou a defender é a forma como agora nos continuam a esmifrar. Pelo menos, deste modo, eu tenho opção. Se não usar o carro, pago menos imposto, se não fumar também, se evitar as bebidas com açúcar igualmente, e podia continuar com os exemplos, contudo, o que importa é eu ter a ilusão de que posso realmente escolher se vou pagar ou não mais imposto. Este aparente alívio deixa-me feliz.

Viva a maior taxa fiscal de sempre. Sabes, infelizmente a História não dá entrevistas políticas no fim dos telejornais dos diferentes canais, senão todos nos lembraríamos de certas coincidências. Deixo-te um beijo de despedida, deste teu amigo que te adora, querida Berta,

Gil Saraiva

 

Carta à Berta: O Peso do Dinheiro de Sócrates

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Olá Berta,

Nem te pergunto como estás porque isso, aliás, é o tenho feito todos os dias e a coisa ainda vira exagero. Eu por aqui continuo satisfeito a gozar esta época saudável, que parece ter regressado para ficar, depois das chatices que tive até junho passado.

Não sei se tens acompanhado toda a saga do ex-primeiro-ministro José Sócrates que, desde que voltou a ser chamado a testemunhar pelo juiz Ivo Rosa, regressou às primeiras páginas dos jornais, aos noticiários das rádios e às reportagens televisivas.

Provavelmente fizeste como eu, não leste, ouviste ou viste nem um quinto do alarido à volta da Operação Marquês. Fizeste bem. Diga-se, de passagem, que a continua exposição mediática do caso começa a jogar a favor do principal arguido em vez de o prejudicar.

A malta começa a ficar farta. Ainda por cima à medida que vamos tomando conhecimento da inexistência de provas cabais e demonstrativas da acusação proferida pelo Ministério Público. Caramba! Mas não haverá um raio de um papel que prove, de uma vez por todas, que o político meteu a mão na massa e que, por isso mesmo, é culpado dos 31 crimes de que é acusado? Como é que se acusa alguém, num país onde o enriquecimento elícito não é crime, sem ter na mão os papeis, fotografias ou gravações com provas?

Não consigo entender que tudo, pelo menos até ao momento, não passem de deduções, explicações elaboradas do que possivelmente aconteceu, acusação do homem ter andado com muito dinheiro, que não poderia de forma alguma ser seu, e, por isso mesmo, só poder ser fruto de corrupção, mas, e lá vem sempre a porcaria do mas, sem o conseguirem demonstrar com provas irrefutáveis e absolutas, para que não fique nenhuma dúvida.

Tu entendes uma coisa assim? Eu não e juro-te que também, como tu, não sou parvo nenhum. É que, quando o acusado diz que tem um amigo que lhe dá milhões, por mais que isso nos custe a engolir, não há lei que o impeça de o fazer.

Talvez se enriquecer sem explicação fosse crime já o caso estivesse arrumado, porém, minha querida Berta, isso é coisa que não convém ao Estado colocar no papel, passando essa prática a ser crime perante a lei. O resultado seria trágico para muita gente, neste país, que vive milionariamente, sem razão aparente que justifique essa vida e onde, infelizmente, muitos deles circulam nos corredores do poder.

Se os investigadores da Polícia Judiciária, e o Ministério Público, tivessem e pudessem investigar todos os milionários de Portugal, quantos achas tu que conseguiriam justificar cada cêntimo que detêm? Uns 20 porcento? Talvez menos? Eu também não sei. Todavia, espero ansiosamente pelo dia em que um Governo tenha a coragem de mudar a lei.

Até lá, ou arranjam as tais provas cabais ou está tudo muito complicado, quer para os investigadores, quer para o Ministério Público.

Outra coisa que me irrita, é a forma como se criticam as declarações de José Sócrates, nos debates e nos programas de comentário político, na televisão. Vi gente, e por alguns deles eu nutro um enorme respeito (principalmente pela sensatez daquilo que dizem e pela forma clara e ponderada com que o fazem), pôr em causa os 5 milhões que Sócrates teria em casa (os tais que alega terem sido herdados pela mãe), com base no volume do dinheiro e na dimensão que um cofre caseiro teria de ter para guardar tal fortuna. Mas esta gente deu-se ao trabalho de investigar o volume e o peso de 5 milhões de euros em notas de 500 euros?

É por estas e por outras que o ex-primeiro-ministro, mesmo que seja efetivamente culpado, vai passando por entre os pingos da chuva sem se molhar.

Primeiro temos a obrigação de tentar perceber se algo é absurdo antes de fazermos a afirmação de que o é, apenas e só, porque não temos a mínima noção das proporções, medidas e pesos em causa, numa coisa que nem é difícil de investigar. Revolta-me o desleixo com que, quem tem a seu cargo o comentário político e sério, trata matérias importantes e relevantes, para consolidar as coisas que afirma. Na ignorância de algo, só existem 2 maneiras de se resolver o problema: investigar devidamente ou não falar no assunto.

Não é correto cuspir verborreia sem se ter qualquer ideia sobre o que se fala. Essa é a hipótese que nunca deveria chegar ao comentário político. Por isso mesmo, e para não passar por estúpido, como muitos outros, resolvi investigar. Garanto que fiquei admirado com o que descobri.

Afinal, 5 milhões em notas de 500 euros, cabem numa malinha que tenha 58 centímetros de comprimento, por 48 de largura e apenas 20 centímetros de altura, ou seja, qualquer cofrezinho caseiro, mediano, de gente abastada, suporta, com algum conforto, a verba em causa. Quanto ao peso, tudo se torna ainda mais ridículo, 8 quilogramas, sem tirar nem pôr. Apenas 8. O que quer dizer que 5 milhões de euros só pesam pelo trabalho e esforço que custam quando se trata de os ganhar. Nada mais.

Para poderes ter uma ideia, minha amiga, mando-te uma fotografia com esta carta, que ilustra o volume e peso de 500 mil euros. Despeço-me saudosamente com um beijo, deste teu confidente de sempre,

Gil Saraiva

José Sócrates: O Caso

Caso Sócrates.jpg

Olá Berta,

Minha querida amiga, é com alguma tristeza na alma que te escrevo hoje. Descobri, confesso que por acaso, que o caso do julgamento do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, está outra vez na atualidade política. Por fim, começou a fase de instrução do processo, e, finalmente, a defesa tem voz ativa no decorrer dos trabalhos. Como tenho visto pouco as notícias, a situação estava a passar-me ao lado. Contudo, pelo que apurei, o juiz Ivo Rosa tem vindo a ouvir as alegações de Sócrates contra tudo aquilo de que o acusam, desde a corrupção, aos seus sinais exteriores de riqueza, passando pelo branqueamento de capitais e sei lá que mais. Não me interessa.

Aliás, nem me interessa, neste momento, saber se o homem é ou não culpado. O que eu sei é que, graças à nossa comunicação social e à forma como se criam e produzem as notícias neste país, Sócrates já foi há muito considerado culpado e condenado pelo povo que governou. Deve haver pouca gente que não tenha uma opinião formada, e normalmente negativa, sobre o ex-governante, em Portugal.

A coisa é de tal forma que, os seus irmãos de partido, fogem dele como o diabo da cruz. Todos evitam ao máximo estar associados a acusado e às coisas lhe são apontadas. Repara, estes são os amigos mais próximos porque, os antigos adversários políticos, fazem bem pior. Parecem cães raivosos a espumar pela boca, exigindo a pena máxima para aquele que não conseguiram derrotar em democracia. Por fim, não menos importantes, são os invejosos e os que gostam de dizer mal de tudo, os que não podem ver alguém melhor do que eles na vida, e que afirmam, do alto da sua douta inteligência e sabedoria, que sempre disseram que o homem é corrupto.

Enfim, podem ter todos razão, Sócrates até pode ir a julgamento, ser condenado, preso e o caso terminar dessa forma triste para a imagem nacional, para gáudio das hostes enfurecidas, que isso não melhora a situação. Assim sendo, internacionalmente, ficaremos vistos como um país de poucachinhos, de terceiro mundo, onde todos roubam, da peixeira na banca do mercado, que inchou os camarões com água, aos mais altos representantes nacionais.

Pergunto-me se isso é bom? A única coisa que se poderá dizer ser positiva sobre a situação, caso aconteça, é que prevaleceu a justiça e que ninguém está acima da lei. Mas isso não iliba a nossa imagem, como país, e iremos certamente ficar na lama, enquanto as pessoas realmente de bem terão de esconder o rosto de terceiros, pela vergonha a que seremos todos votados com esse resultado.

Por outro lado, o que acontecerá se Sócrates for considerado inocente, ou, pior ainda, nem sequer for a julgamento, por falta de provas factuais convincentes? Os inimigos dirão certamente que a justiça foi comprada. Porque eles, imaculados portadores da verdade, têm a certeza sobre o que realmente aconteceu. Alguns apresentarão como prova o que senhor Manuel, do quiosque de "troca-o-passo" lhes contou, ou seja, que, um dia, presenciou uma situação de tal forma clara que torna irrefutáveis as provas da acusação. Os amigos não se verão assim, tão linearmente, em festa a celebrar a ocasião. Tudo dependerá de como o ciclo se fechar. Se for deixada no ar a suspeição sobre o político, continuarão a sentir a mesma alergia que os fez afastarem-se do antigo amigo, simpatizante ou camarada. Se a coisa se resolver, de forma inequívoca, aparecerão então a gritar aos quatro ventos que sempre souberam que o sujeito era inocente.

Ainda a Páscoa vem longe, mas, para mim, o único crucificado aqui será sempre, seja qual for o resultado, José Sócrates. Esse ficará o resto dos seus dias com a honra e a dignidade manchada, porque o escândalo vendia notícias e dava trabalho e audiências a muita gente. Aliás, haverá quem, se o caso nem seguir para julgamento, afirme ter encontrado evidências cabais de que a cor grisalha dos pintelhos de Sócrates é prova de stress e não da idade, o que é demonstrativo que deve ser aberto um novo processo, porque um estado emocional destes implica que há fogo por detrás do fumo.

Pois é Berta, a minha tristeza provém do facto de toda a história não ter como chegar a um final feliz. Fazer o quê? Eu ainda sou do tempo em que as histórias tinham um final feliz. Contudo, olhando mais profundamente para toda esta trama, existe um padrão que vem à tona mais uma vez. A dada altura, são lançadas às feras algumas figuras públicas, com requintes de uma perícia especializada, com o intuito de que não se olhe para mais nada. Pode ser coincidência, todavia, eu não acredito em coincidências. Foi assim no caso José Sócrates, no Caso de Ferro Rodrigues, no caso de Carlos Cruz e até no caso de Tomás Taveira.

Quem tem poder e astúcia para conseguir atirar para a ribalta situações tão cirúrgicas como estas? O que estão a esconder ou a querer que passe impune por entre as gotas da chuva? Será a maçonaria, a Opus Dei, a organização Rosa-Cruz ou uma qualquer outra força oculta no seio da sociedade portuguesa, bem distribuída nos lugares de influência e decisão? Não sei, minha amiga, mas adoraria saber. Quando determinados padrões se repetem em demasia algo os faz emergir e te garanto que não é magia.

Fica bem minha querida, beijo do teu saudoso amigo,

Gil Saraiva

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