Carta à Berta: "Os Outros - Tragédia em 4 atos" Parte II - "Migrantes depois de Refugiados"
Olá Berta,
Como está a ser o teu primeiro dia de 2020? Espero que tudo esteja a correr pelo melhor. A felicidade é a coisa mais importante. Nem importa de onde vem, importa é que se instale, se sinta em casa e que nos acompanhe sempre, em todas as ocasiões. Os dias de folga, são os tais menos bons, mas é normal, até a felicidade precisa de repouso,
Segue, a segunda parte do poema que comecei ontem, ainda no ano passado. Espero que te agrade:
"OS OUTROS - TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS"
II
" MIGRANTES DEPOIS DE REFUGIADOS"
Entre bombas, escombros, sangue e tripas,
Foge quem pode porque a guerra é cega,
Não vê mulheres nem crianças,
Não vê nada nem ninguém.
A música virou ruído e o ruído trovão;
O povo não quer Bashar al-Assad nem o Estado Islâmico,
Quer uma Síria de paz dizem os sírios,
Quer um Estado Curdo gritam os oprimidos,
Mas o Estado é surdo seja islâmico ou não.
A guerra veste de santa, clama justiça
E todos se dizem senhores da razão e da verdade,
Mas ninguém dá ouvidos a ninguém;
Morrem civis aos milhares, gente de carne e osso,
Sem limite de idade, de género, de etnia ou de religião,
Morrem porque estavam ali, no local errado,
Na hora errada, apenas e mais nada.
Perante a atrocidade dá-se a debandada
E o povo foge, procura refúgio
Nos países mais perto, mas é enlatado
Em campos de fome e aperto,
Sem condições são refugiados que parecem presos,
Tratados a monte na beira da vida…
E honrosas exceções não fazem a regra,
Nem estancam a ferida aberta pela guerra.
Só de Kobane, de Ain al-Arab, da fonte dos árabes,
Centenas, milhares, quase meio milhão,
Fugiu, deixou tudo, que a fonte secou,
Procurando o direito a não morrer,
Sem explicação ou sentido,
Com os filhos pela mão vazia de pão…
Chegados à Turquia, interesseira, vizinha,
São refugiados, amontoados, e serão tratados de qualquer maneira,
Sem dignidade, consideração ou sentimento …
E às portas da Europa, qual El Dourado,
Viraram migrantes, na busca de luz, de vida, de paz.
Pois é minha querida amiga. Infelizmente não é só no Curdistão que o fenómeno tem praça assente, mas em tanto lado. Não há sequer um fim à vista para esta tragédia humana, para este flagelo entre povos que apenas querem viver em paz.
Despeço-me com o costumeiro beijo, esperando que te continues a dar bem aí pelo Algarve. Desejo-te muita felicidade, este teu amigo de agora e sempre,
Gil Saraiva