Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Estamos de novo em véspera de fim-de-semana. Estava aqui a pensar sobre que tema te haveria de escrever e ao passar os olhos pela imprensa de hoje, infetada de pandemia desde as reticências até ao ponto final, descobri algo que achei espantoso. O coronavírus, somado ao confinamento e ao isolamento das pessoas em suas casas fez disparar a vaidade na aparência pessoal das pessoas (não de todas, como é evidente, mas daquelas que se podem dar a esses luxos).
Com efeito, as operações plásticas no rosto e no corpo, de caráter puramente estético estão em alta. Em contra corrente à restante economia os indivíduos, cavalheiros e damas, das classes mais abonadas fizeram disparar os negócios da cirurgia estética. O aumento regista níveis entre os 15 e os 25%.
Uma das alterações de detalhe mais procuradas prende-se com os olhos. Tiram-se papos, anulam-se rugas de expressão ou de envelhecimento, retoca-se o olhar para lhe dar expressão ou profundidade, na tentativa de melhorar o que é visível no rosto a cima da máscara que virou moda e obrigação. Mas todas as operações estéticas subiram igualmente, seja ao nariz, à boca, ao queixo ou ao moldar do corpo, do rabo ou das pernas. Até as cirurgias às mamas tiveram um acréscimo significativo.
Em resumo, homens e principalmente mulheres, decidiram aproveitar a pandemia para se cuidarem em termos de aparência. Podes dizer que tal facto denota um certo egoísmo, dessas classes sociais, face à restante população, que luta contra questões ligadas ao desemprego ou à sobrevivência. Todavia o que me parece é que as pessoas (as que podem) estão a aproveitar este tempo de águas paradas para cuidarem mais de si.
Pessoalmente, prefiro olhar para o copo meio cheio em vez de meio vazio. Faz mais sentido. Afinal, nada nos diz que quem se submete a estas operações estéticas possa ser menos solidário com o momento que todos atravessamos devido à pandemia. A toda essa gente que quer (e pode) ficar mais bonita eu desejo o maior dos sucessos. Não fico mais feliz sentindo a infelicidade dos outros e, por isso, não vejo que seja criticável esta procura por uma mais cuidada preocupação estética.
Por hoje é tudo, minha querida Berta, espero que esteja tudo bem contigo. Despede-se este teu amigo, sempre à tua disposição, com um beijo cheio de ternura,
Folgo em saber que gostaste dos 6 episódios da história que te contei nas últimas cartas. Com que então estiveste em Faro, a passear no Jardim Manuel Bivar, junto à doca. Gosto que ele te tenha feito lembrar o Jardim da Parada, de Campo de Ourique. Eu sei que não são parecidos, apenas ambos têm um coreto, as árvores daqui dão lugar às palmeiras dai, ambos têm bancos e ambos têm pombos. Contudo, é ternurento saber que ligaste os 2 por causa dos velhotes que viste espalhados pelos bancos do jardim.
Porém, se olhares pelos jardins de todo o país, vais ver sempre essas imagens. Uns poderão não ter coreto, mas todos, sem exceção, terão velhos sentados pelos bancos, muitos deles olhando a mesma coisa, onde quer que os encontres: a solidão. Vou-te enviar um poema, à laia de balada, que fiz sobre o assunto, já tem algum tempo, pois eu, como sabes, também já vivi em Faro, foi há muitos anos, mas vivi. Espero que gostes:
OS FILHOS DA SOLIDÃO
(balada de um tempo que passa)
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro nos bancos do Jardim Manuel Bivar
Eu fecho os olhos para não olhar...
Caras rugosas, com idade de avô,
No Jardim, sentadas, na Doca,
Ou perto do Lago,
Formas sombrias onde o tempo parou…
Bocas que apenas provam o vago,
Rostos que já ninguém foca...
Olhando o vazio...
Silêncios de arrepio...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Caras dos filhos da Solidão,
Avôs, avós,
De tantos como nós,
Rostos reformados,
Sem compreensão...
E vozes, berros e gritos calados
Nos olhos perdidos,
Pelos filhos esquecidos...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Na calçada eu vejo migalhas de pão
Para os pombos, por certo,
Alimentar...
Mas para os filhos da Solidão
Não vejo por perto
Uma esperança a pairar...
Filhos que agora são avôs, avós,
De gente que já os esqueceram,
Perdendo os olhares, os laços, os nós,
Daqueles para quem eles viveram…
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
E passam os dias,
Os meses, os anos,
E mudam os rostos da solidão...
Novos enganos,
Outra geração,
Mas a forma de olhar não vai mudar,
Não...
As mesmas rugas parecem ficar
Em outros olhos pregados no chão...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
E ao olhar os filhos da solidão,
Escuto o cantar da brisa cansada
Cantando a balada do tempo que passa,
Escuto de inverno, primavera, verão,
Escuto o outono no Jardim da Parada,
Escuto a balada perdendo a raça,
E vejo, no Jardim Manuel Bivar,
A doca de lágrimas sempre a brilhar…
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Com o refrão me despeço, minha amiga Berta, obrigado por me fazeres recordar. Recebe um beijo saudoso deste teu amigo que não te esquece nunca,