Carta à Berta nº. 679: Adeus, Amigo Francisco!
Olá Berta,
Hoje, segunda-feira, dia 21 de abril de 2025, pelas 6,35, morreu o Papa Francisco. Por coincidência, ou talvez não, morreu no dia seguinte ao domingo de Páscoa, Segundo notícia que foi avançada pelo Vaticano. Uma coincidência, talvez, porque o domingo de Páscoa assinala a Ressurreição de Cristo, que venceu a Morte para trazer Vida a todos os humanos.
Na véspera, o Papa tinha aparecido na celebração habitual da manhã do domingo de Páscoa, no Vaticano. Não esteve na missa, mas apareceu no início para deixar uma curta mensagem e desejar a todos boa Páscoa. Quem sabe se não estaria a encerrar inconscientemente o seu último capítulo na sua curta passagem de 12 anos pelo Vaticano.
Ora, eu, minha amiga, que não me costumo comover com a morte de personagens públicas, dei por mim a ler as notícias com os olhos raiados de lágrimas. Não sou católico, diria mesmo que sou mais ateu do que qualquer outra coisa, mas a morte deste homem mexeu seriamente comigo, não me perguntem porquê.
Francisco faleceu nesta segunda-feira na sua residência no Vaticano, e o funeral terá lugar dentro de 9 dias, segundo as regras do livro litúrgico “Ordem das Exéquias do Sumo Pontífice”. O Papa pediu na sua biografia para ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, e não na Basílica de São Pedro, onde se encontram outros pontífices.
Recordo, Bertinha, que entre fevereiro e março deste ano, o Papa esteve internado durante mais de um mês por causa de problemas respiratórios. Previa-se uma longa convalescença de pelo menos dois meses, mas o líder da Igreja Católica não resistiu. Depois da a Ressurreição de Cristo, achou que era uma boa hora para se despedir do mundo dos mortais.
Mas quem era este Francisco, mais conhecido na sua terra natal por Jorge Bergoglio, que nasceu na Argentina em época natalícia, a 17 de dezembro de 1936? Era filho de imigrantes italianos humildes: o pai foi contabilista nos caminhos de ferro, e a mãe dona de casa.
Chegou a estudar para ser técnico químico mas aos 22 anos enveredou pelo sacerdócio e ingressou no Seminário Diocesano de Villa Devoto, pouco depois, minha querida confidente, teve uma grave uma pleurisia, já em 1957, que resultou na perda de uma parte de um pulmão.
Não poucas vezes repetiu a frase “o meu povo é pobre e eu sou um deles”: tinha um carácter reservado e sempre se manteve fiel às suas origens, até mesmo quando foi eleito sumo-pontífice, a 13 de março de 2013, aliás, sempre quis viver num apartamento e cozinhar o próprio jantar, segundo relatos do próprio Vaticano.
Muitos chamavam-lhe ascético: renunciava a prazeres mundanos exagerados e aos luxos que o seu estatuto lhe podia ter permitido. Acreditava que “o dinheiro deve servir e não governar. Era assim uma espécie de Luís Montenegro às avessas, se é que me faço entender. Segundo o Papa, a maior parte dos homens e das mulheres do nosso tempo continua a viver numa precariedade quotidiana com consequências funestas, quantas vezes entre o medo e o desespero.
Francisco, cara amiga, desde sempre adotou uma política transparente. Em relação aos escândalos relacionados com abuso sexual na Igreja Católica, por exemplo, foi inflexível: defendeu a “tolerância zero” e, quando foi entrevistado pela CNN Portugal em 2022, disse que eram uma “monstruosidade”.
Foi ele o responsável por uma abertura da Igreja Católica sem precedentes. Em 2023, admitiu a bênção católica ao casamento entre homossexuais. Fica também para a história a sua frase sobre padres homossexuais: “Quem sou eu para os julgar?”. Foi também tolerante em relação a temas sensíveis da Igreja, como os divórcios e as uniões de facto.
Em 2015, Berta, foi entrevistado pela Renascença, com quem comentou defender uma “Igreja em saída” disse: “Quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta do lado de dentro para que O deixemos sair, a anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para nós e esquecemo-nos que numa Igreja que não está em saída, que não sai, mantém Jesus preso”.
Disse também, na mesma entrevista que: “se uma igreja vive fechada em si mesma, adoece e ficamos com uma igreja raquítica e sem criatividade. Ora, entre uma igreja doente e uma igreja acidentada por ter saído para a rua, prefiro uma acidentada”.
Foram vários episódios que marcaram o seu mandato de 12 anos, dos quais se destaca uma tentativa de assassinato. Na sua autobiografia conta que, em 2021, foi alvo de um duplo atentado suicida durante uma visita ao Iraque. Segundo o The Guardian, amiguinha, os serviços secretos britânicos e a polícia iraquiana foram, na época, os responsáveis por salvar a vida do sumo-pontífice.
O seu mandato também não passou ao lado de polémicas, e mesmo dias antes de ter sido internado, segundo a Reuters, terá entrado em conflito com cardeais sobre as finanças do Vaticano.
Em 2023, o Papa Francisco visitou Portugal na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Foi a segunda vez que visitou o país, depois de ter estado em Fátima como peregrino em 2017, a propósito do centenário das aparições de Nossa Senhora.
Em agosto de 2023, milhares de jovens deslocaram-se a Lisboa para mostrar que “esta é a juventude do Papa”, como cantavam. Num evento com mais de um milhão de fiéis, onde repetiu a sua célebre frase “todos, todos, todos”, o Papa aproveitou ainda para conceder amnistia papal a vários condenados pela Justiça.
Reuniu, minha querida, também com 13 das vítimas portuguesas de abusos sexuais a crianças por parte da Igreja Católica, momento em que pediu perdão em nome da Igreja. Aos jovens portugueses, deixou uma mensagem que inspirou milhares: “Não tenham medo”.
Francisco morreu sem medo, aos 88 anos, depois de dias e dias em sofrimento profundo agarrado à vida por um ato de fé. É com pesar que eu choro o homem. Dele, se é que posso dizer alguma coisa, apenas digo: Bem-haja! Por hoje é tudo Berta, despeço-me pesaroso e triste por este dia, o teu eterno amigo,
Gil Saraiva