Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Não sei se é de estar em casa em isolamento e devidamente confinado, se é de andar a ler mais notícias, mas é inegável que, desde março passado até hoje, tenho sentido que a criminalidade aumentou, ao que me parece, bastante. Ontem um sujeito, de máscara cirúrgica e boné, assaltou uma dependência bancária roubando mil duzentos e tal euros, em Vila Real. No mesmo dia um outro sujeito, em Borba, foi esfaqueado e estrangulado.
No sábado, um outro individuo foi apanhado a roubar equipamento hoteleiro de uma cozinha de um hotel encerrado. No domingo foi detida uma mulher suspeita de atear um fogo numa pensão na baixa de Coimbra, da qual resultou um morto. Isto que descrevi é apenas uma amostra pequena, referente a três dias, para não falar em violência doméstica ou de crimes de incumprimento do Estado de Emergência.
Podia arranjar bastantes mais, só destes três dias, mas apenas fui consultar as manchetes dos principais jornais entre sábado e segunda-feira. Para meu espanto, são todos crimes diferentes e se fosse ler um correio da manhã de fio a pavio encontraria certamente mais uma boa dúzia em um único dia e mais do que isso para os três dias aqui em causa nesta carta. O que achas disto, amiga Berta? Andará no ar algum concurso de como fazer mal ao próximo em tempos de pandemia?
Analisando as situações acho que está tudo a ficar maluco. Espero que o país consiga ser célere no combate ao coronavírus e que rapidamente voltemos a uma vida mais normal. Por agora, o que me vem à ideia é que as pessoas, com uma cabeça mais frágil, se estão a começar a passar. Gostava de saber se é só impressão minha ou se a criminalidade tem mesmo aumentado durante estes tempos pandémicos. Se vires alguma estatística sobre o assunto, avisa minha querida amiga. Pode ser? Por hoje não me alargo mais. Despeço-me com um cumprimento de muita saudade e com um beijo,
Não estava à espera de voltar ao tema de ontem logo no dia seguinte. Com efeito, por ontem ser sábado pensei que o fenómeno de gente aglomerada a tentar ir às compras tinha tido o seu pico nesse final da manhã, início de tarde. Contudo, hoje, eram 11,30, ainda a uma hora e meia do confinamento cheguei à janela e pasmei. Em pouco mais de um minuto contei mais de 223 pessoas na rua.
Mesmo com a cafetaria Metrass fechada e julgo que o “take-away” Dez para a Uma também (não consegui ver bem para ter a certeza), esta manhã tinha mais gente a circular do que ontem que, segundo o senhor António Silva que ontem comentou a tua carta num grupo de Campo de Ourique, tinha o interior do Pingo Doce cheio pelas costuras, o que obrigou o gerente de loja a pôr na ordem o segurança que controlava as entradas. Como estará a situação hoje, pergunto-me eu…?
Já não fui a correr para apanhar a máquina fotográfica para te ilustrar a manhã. Podia facilmente acontecer como ontem e já não apanhar o mesmo movimento, porém, envio-te mais uma panorâmica de como a rua estava, neste sábado passado, numa parte diferente do trajeto.
Continuo a achar que a culpa não é de quem precisa de se abastecer. Sinceramente acho que as pessoas estão a fazer o melhor que podem fruto das circunstâncias.
Hoje, por exemplo, não vi um único individuo sem máscara. Nem mesmo um grupo de 4 crianças que atravessavam a rua com a mãe e cuja mais nova deveria ter cerca de 4 anos de idade. Todavia, o que também não presenciei foi a presença de uma autoridade que desse uma ajudinha no ordenamento e na manutenção da distância social. Garanto-te, minha querida amiga que teria sido bastante importante nessa hora.
Afinal, a esquadra da PSP fica a cerca de 500 metros, nem sei se tanto do ponto em que me encontro. Acho que não era logisticamente impossível que pudessem ter vindo dar um apoio na organização da multidão. Se a situação se mantiver nos próximos dias espero sinceramente que alguém se lembre de atuar. Posso ter dúvidas quanto à forma com que o Governo definiu este confinamento, mas, apesar de tudo, julgo que estão com boas intensões a tentar abrandar a evolução da pandemia. Não é assim tão escandaloso que a autoridade possa e deva colaborar.
Não me alargo mais com este assunto, minha querida Berta, espero que o teu domingo tenha sido tranquilo. Despeço-me com abraço saudoso e cheio de carinho,
Tendo deixado em aberto a minha ideia sobre forças da ordem e fardas, acho que devo concluir essa linha de pensamento antes que avance para outras áreas, minha amiga, assim:
Memórias de Haragano: Confissões em Português – Parte XVI
“Regressemos, pois, às forças da ordem, mal pagos, rancorosos e prepotentes porque, até para darem um tiro, precisam de preencher seis ou sete impressos posteriormente. Depois existem, infelizmente, muitos deles com pouquíssima vocação para a profissão. A polícia devia cumprir a sua profissão com orgulho pela farda, pelo brio e pelo seu precioso auxílio na manutenção da ordem, na segurança e no combate aos malfeitores, que depois a justiça deveria tratar com sabedoria e eficiência.
Para além disso, não é necessário criar 20 diferentes forças policiais para fazer um mesmo serviço. Basta uma que esteja dividida por departamentos, áreas de atuação, campos de ação, zonas geográficas, ou seja lá o que for, mas uma chega.
As diferentes polícias, sejam elas a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia Judiciária, a Polícia Marítima, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Serviço de Informações de Segurança, a Guarda Prisional, a Autoridade Tributária e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica já que têm todas, ao que parece, de existir em simultâneo, pelo menos, deveriam ter as acomodações e instalações, os efetivos, os meios e as condições mínimas asseguradas para com eficácia e segurança dignificarem os serviços onde estão inseridos. Ora, isso implica, inclusivamente, usufruírem de um pagamento compatível com os cargos e funções desempenhadas.
É precisamente a falta de algumas destas condições básicas de funcionamento que acaba por gerar, os defeitos e deficiências, a corrupção, o erro, as falhas na eficácia e pior ainda, a ausência de brio profissional. Afinal, como podemos pedir competência a uma PSP ou uma GNR se, ambas as polícias, têm metade da sua frota automóvel parada por carência de verbas para a oficina ou de capital para o combustível? Impossível. Só que as lacunas se estendem a todas estas forças e, pior ainda, cumulam com más remunerações, instalações degradadas, armamento e equipamento a precisar de reforma, e mais algumas dezenas de outras brechas em todo o sistema que deveria ser estanque e que urge calafetar.
Posso não gostar de fardas, conforme referi, mas exijo, pois é um direito meu enquanto cidadão, que as que existem tenham os meios e as condições para efetuarem e cumprirem eficaz e exemplarmente o seu papel na sociedade.”
Sendo eu, por nascimento, português, faço parte de um povo de brandos costumes e de uma tolerância à prova quase de choque. Mas sou, também, um daqueles que gosta de refilar por tudo e por nada, porque nós temos essa tendência meio masoquista de criticarmos o que é nacional, mas que, por acaso, até nem é nosso, pertence ao próximo seja ele o vizinho, conhecido, pessoa mais ou menos famosa ou até um VIP cá do burgo. O mexerico, os males de inveja e a saga do fado do coitadinho, são coisas que já não deveriam ter lugar numa sociedade que se diz evoluída.
Somos assim, podemos nem estar a sofrer com a crise, mas, como convém que ninguém saiba que até estamos bem, não se vão lembrar de nos chatear, lá alinhamos nós na desgraça nacional da crise que nunca mais passa. Temos a tendência incompreensível de nos acharmos vítimas de tudo e de todos. Com efeito, na atualidade, somos vítimas do Covid e do imenso problema de saúde que ele nos criou, gerando em simultâneo uma crise social e económica ímpar no país. Será necessária a coragem lusitana para enfrentar, lutar e vencer todas estas adversidades, mas temos de nos unir em torno desse objetivo que importa implementar.
Minha querida amiga Berta, deixo-te um amorangado beijo saudoso nesta despedida por hoje. Tens este teu amigo sempre ao teu dispor, usa e abusa,
Nestes tempos de mau tempo e de vendas em ventania rumo ao dia de Natal, espero que os nossos concidadãos se comportem com a inteligência habitual e não se deixem levar pela euforia das compras. Para a minha carta de hoje resolvi retomar um documento que escrevi há 9 meses atrás e que acabei por nunca te dar a ler.
Sendo eu, por nascimento, português, faço parte, tal como tu, de um povo de brandos costumes e de uma tolerância à prova quase de choque. Mas sou, também, um daqueles que gosta de refilar por tudo e por nada, porque nós temos essa tendência meio masoquista de criticarmos o que é nosso (nacional) mas que, por acaso, até pertence ao próximo, seja ele vizinho, conhecido, pessoa mais ou menos famosa ou até um dos VIP cá do burgo, enfim, não importa muito o quem para o assunto em causa.
Somos assim, podemos nem estar a sofrer com a crise, mas, como convém que ninguém saiba que até estamos bem, não se vão lembrar de nos chatear, lá alinhamos nós na desgraça nacional da crise que nunca mais passa. Temos a tendência incompreensível de nos acharmos vítimas de tudo e de todos. Muito mais nesta altura em que se discute o Orçamento do Estado.
Foi num ambiente parecido com este, de consciência negativa, que nasceu, tem uns anos, uma nova organização.
Ela era, na realidade, fruto de fusões, transformações, maiorias absolutas e sede de poder, enfim, uma autoridade nacional de repressão, feita de encomenda para os nossos masoquistas sentimentos de que as coisas não estão bem no que ao quintal do vizinho diz respeito. Estou obviamente, a falar da ASAE, leia-se a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, um órgão de Polícia Criminal.
Quando foi criada, nos idos de 2005, minha querida amiga, a ASAE deveria ser a resposta nacional à EFSA, em português a Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos, mas o governo não podia, nem queria, criar um organismo de apenas defesa alimentar dos seus cidadãos, dependente de um menos significativo Ministério da Agricultura. Não! Era necessário pôr o povo na ordem. Tal e qual, Berta, como nos fazem com as imagens e as frases nos maços de cigarros ou agora com o recente IVA moralizador de 23 porcento sobre as touradas nacionais.
O plano desenvolveu-se em 2 fases. A primeira fase, em 2005, foi a dos pezinhos de lã, com o objetivo de relançar a política de defesa dos consumidores, criando uma entidade para avaliar os riscos na cadeia alimentar e fiscalizar as atividades económicas a partir da produção e em estabelecimentos industriais ou comerciais.
Essas funções, que antes estavam dispersas por vários serviços e organismos, faziam da ASAE um organismo principalmente fiscalizador, tendo como pano de fundo o espírito da Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos, pese embora já com a sementinha da economia plantada no seio do organismo.
A segunda fase, em 2007, foi a da tomada do poder, sendo uma das alterações com maior impacto a da transformação da ASAE num órgão com poderes de autoridade, ou seja, um órgão de polícia criminal.
Como tal, querida Berta, pode fazer buscas, apreensões e escutas telefónicas, desde que autorizadas por uma autoridade judiciária. O mesmo acontece com as restantes polícias. Assim sendo, na prática, a ASAE é uma polícia, ainda por cima criminal, que não foi ratificada pelo Parlamento como constitucionalmente o deveria ter sido. Mais grave é que um organismo criado, em princípio, para defesa dos consumidores se torna numa polícia criminal de métodos e objetivos bem mais repressivos.
Ora, a História tem a propriedade espetacular de a podermos estudar e, se o fizermos com o devido cuidado, vamos descobrir que foi exatamente assim que a Polícia Internacional e de Defesa do Estado / Direção Geral de Segurança, vulgo PIDE/DGS, nasceu: com funções administrativas e funções de repressão e prevenção criminal, também com contornos de defesa dos cidadãos e da sua suposta segurança (conforme consta no Art.º 2º. do edito que a constituiu) só que a irmã mais nova, a ASAE, que por desígnio tem muitas funções, não deixa de ter, no meio das suas inúmeras alíneas, o desenvolvimento de ações de natureza preventiva e repressiva, conforme poderás constatar, minha amiga, no Decreto-Lei número 274 de 2007, sendo, por isso mesmo, bem mais esperta do que a irmã e clamando uma legitimidade que afinal nem tem.
Será que a ASAE, corre o perigo de se tornar a Nova PIDE/DGS? De momento parece-me um exagero considerar tal coisa. Afinal, Berta, temos tido no poder, partidos mais ou menos democratas, amarrados pelas imposições da Europa e da Comissão Europeia, mas, mesmo assim, dentro dos limites da democracia. O problema é se um Chega, ou algo semelhante, consegue, um dia, chegar ao poder. Pelo articulado da lei a ASAE pode fazer bem mais que uma PSP ou uma GNR, pode até agir sozinha ou solicitar a ajuda de qualquer outra força de segurança. Dá que pensar, não dá? E ainda agora a procissão vai no adro…
Deixo-te uma beijoca carinhosa, deste teu saudoso amigo, em jeito de despedida,
Um excelente dia para ti. Tem cuidado amanhã com o mau tempo que, ao que parece, vai chegar ao Algarve mais uma vez. Deve chover e ventar bastante. Não sais de casa como se estivesses no Algarve, imagina-te em Coimbra ou algo assim.
Não sei se sabes, mas vamos ter, outra vez, 19 mil elementos da GNR e da PSP nas patrulhas de fiscalização às estradas entre o Natal e o Ano Novo. A justificação apresentada passa, evidentemente, pela tentativa de evitar a sinistralidade rodoviária nesta época festiva.
Contudo, eu desconfio da existência de alguma pressão do Ministério da Administração Interna e do Ministério das Finanças, tal como aconteceu em 2018.
Pela segunda vez consecutiva, o número de elementos policiais, no processo de fiscalização nesta época, é o dobro do que acontecia nos anos anteriores.
Afinal, têm aumentado, significativamente, as receitas provenientes das multas aplicadas nos últimos 15 dias do ano. Em 2018 foram registadas quase 7 mil infrações, o que, traduzido em verbas, é deveras assinalável e justifica o reforço dos contingentes de fiscalização
Por outro lado, ao analisarmos a sinistralidade, podemos ver que o número geral de sinistros aumentou em 2018 face a 2017, onde a força de fiscalização era metade das realizadas nestes últimos anos. De 17 para 18 o número de vítimas mortais também dobrou, como a quantidade de sinistros foi igualmente superior.
Em conclusão, a única componente prática de se dobrar os operacionais, nos últimos 15 dias do ano, tem, como consequência única, um substancial aumento das receitas derivadas das contraordenações e das infrações detetadas nas estradas portuguesas.
Seria por isso obrigatória a exigência da redução drástica do número de sinistros registados. Isso sim, justificaria a manutenção do dobro de efetivos nesta época ou até do triplo. Importa realmente ter resultados práticos nos objetivos propostos e não apenas em verbas angariadas pelas forças da ordem. Enfim, é mais uma medida feita à portuguesa, sem se pensar em tudo, sem foco real no objetivo principal.
Minha querida Berta, recebe um beijo de despedida deste teu amigo,
Como diz a canção, estou a pensar em ti. Mais precisamente no facto de a nossa correspondência ter sido diária. Não te habitues mal. Haverá, certamente, dias em que nada terei para te dizer. Contudo, enquanto assim não for, continuarei esta minha missão de regular ligação postal informática. Deixa-me feliz saber que me lês e me entendes, minha amiga do coração.
Não sei se viste na televisão as imagens da manifestação das forças de segurança. Eu vi… e o que vi fez-me sentir o toque de vários e preocupantes alarmes. Estou de acordo e afirmo-o, para que não se pense o contrário, que as forças de segurança, sejam elas a PSP, a GNR ou os Guardiões dos Sanitários Públicos de Lisboa, precisam de mais atenção e que muitas das suas reivindicações são totalmente justas e urgentes.
Todavia, também são justas algumas das exigências dos professores, dos auxiliares de ação educativa, dos enfermeiros, dos médicos, do pessoal dos tribunais, dos condutores de pesados, começando pelos condutores de matérias perigosas, dos trabalhadores a recibo verde, dos pensionistas e reformados, dos lesados do BES e de todos os outros bancos, dos guardas prisionais, dos funcionários autárquicos, dos pescadores, dos mariscadores, dos jornalistas, dos vendedores de castanhas, das minorias, etc..
Ora, o problema, continua a ser o mesmo, ou seja, Portugal não tem dinheiro que chegue para tudo, nem mesmo para 10 porcento do que é justamente reclamado pelos diferentes ramos de atividades e pelas situações que constituem o país que somos e do qual, mesmo assim, nos continuamos a orgulhar muito. Eu, pelo menos, continuo.
Também sei que nós, os Lusitanos, que sempre acolhemos e nos misturamos com todos os povos que passaram pelo espaço geográfico que hoje ocupamos, somos um povo de brandos costumes e com uma enorme dificuldade de aprender com os erros da nossa história. Não penses que se trata de burrice, é mais uma questão de barriga. Sim, de barriga, algo genético que nos faz passar a vida a usá-la para empurrar para a frente todo e qualquer problema.
É por essa razão que não existe realmente um verdadeiro programa de reformas estruturais, seja qual for o governo que, num dado momento, esteja no poder. Pelo contrário, temos a mania e o vício (porque só pode ser vício) da política do desenrasca. Constituímos o povo mais desenrascado da Terra, quiçá do Universo. Porém, falta-nos visão estratégica e capacidade de perspetivar o futuro. Em termos de planearmos com a devida antecedência os próximos 10, 20 ou 50 anos, fazemo-lo na escala dos meses, mas sem atingir essa miragem absurda do número 50. Planeamos mais à dúzia, não sei se por pensarmos que é mais barato, se por não nos apetecer pensar demais.
Desculpa, minha querida, deixei-me levar pelos meus pensamentos e afinidades… já me estava a esquecer do que me levou a escrever esta carta: A manifestação frente à Assembleia da República das Forças de Segurança, com vista a alertar o Governo e toda a população para o seu justo caderno reivindicativo (quando digo justo apenas me refiro ao que se passa no umbigo das forças da ordem e no seio claro da sua perspetiva sobre o assunto).
Ora bem, quem viu as imagens televisivas (e estas são as que realmente importam, no que ao passar da mensagem diz respeito) já nem se lembra do que ali estavam a fazer as ditas forças de segurança. A ideia reivindicativa perdeu-se por completo. O que as pessoas não esqueceram foi a imagem dos manifestantes a ovacionar o deputado do Chega, André Ventura. O que todos se recordam é do discurso empolgado do mesmo, no palanque e ao microfone, levando ao êxtase apoteótico, e quase histérico, as forças de segurança. Só faltou mesmo ver os polícias (aqueles que faziam guarda às escadarias da Assembleia), a dançarem o vira ou o importado samba, ao som melodioso, carismático e oportunista da voz de André Ventura.
Claro que os organizadores da manifestação vieram logo dizer que Ventura foi o único deputado que "botou faladura", por ter sido o único que pediu para o fazer. Não explicaram foi o porquê de quase ter sido conduzido à tribuna ao colo de todos os presentes. Nem mesmo reconheceram o erro.
Quando falo de erro, sei bem ao que me refiro. A manifestação do André apagou por completo toda e qualquer reivindicação. O ajuntamento virou palanque do discurso distorcido do Chega e deu voz a um alegadamente perigoso megalómano.
Quando nessa noite fui jantar, a um restaurante do meu bairro lisboeta, logo na entrada, deparei-me com o diálogo entre 2 empregados de mesa. Eles não discutiam os problemas das forças da ordem, aquilo de que falavam era que Ventura, pode parecer radical, o que punham em dúvida, mas que até tinha muita razão em muitas das coisas que dissera. Berta, eu conheço os 2 jovens e sei que, nas últimas legislativas, ambos votaram PS. É alarmante a facilidade com que um comentador desportivo da CMTV, consegue, usando um discurso fácil e populista angariar simpatizantes em áreas que eu julgaria totalmente impensáveis.
Esta manhã, ouvi exatamente o mesmo discurso, entre dois velhotes, daqueles que dizem que isto precisava era de um novo Salazar, sem terem a noção da barbaridade que pronunciam, a louvar a manifestação de Ventura. Já nem falavam das forças de segurança.
Ora, ainda agora o homem se tornou deputado. Ou reagimos rapidamente ou as próximas eleições podem trazer graves e desagradáveis surpresas. Os alarmes já começaram a tocar. A minha dúvida é se haverá quem os escute.
Deixo-te um beijo de despedida, deste que não te esquece, saudosamente,
Espero que estejas bem, por aqui as saudades não abrandam. Quando ontem te escrevi, acabei por me esquecer de algo que te queria contar. Foi uma notícia que li online num excerto de uma reportagem qualquer e que hoje voltei a ver publicada na página do “sintranotícias”. Talvez o facto do assunto não ser relevante me tenha ajudado a não me lembrar de o referir. Todavia, nem só o que é importante ou polémico deve servir de tema para a nossa correspondência. Por isso, cá vai a última novidade que tenho da PSP, isso mesmo, a Polícia de Segurança Pública, nomeadamente a de Cascais.
A PSP resgatou um urso, de 2 metros de altura, e devolveu-o ao seu habitat natural este fim-de-semana passado, na zona de Cascais. Conforme podes verificar na fotografia, que acompanha esta carta, os agentes envolvidos demonstram para a posteridade o seu elevado grau de satisfação com a captura. Afinal, trata-se de um feito inédito, tão maravilhoso e singular que impunha, quase por si só, a imortalização em imagem, para assim haver algo para mais tarde recordar, conforme a página da PSP no facebook faz questão de tão bem o evocar.
Não fossem os raptores uns adolescentes traquinos e atrevidos, não fosse o urso de peluche e não fosse ainda o habitat a entrada de uma loja da cadeia de estabelecimentos Natura e poderíamos esperar, por parte do PAN, na nossa diversificada Assembleia da República, um gesto firme, tendendo a efetuar formalmente um pedido de condecoração de topo, qual Grã-Cruz da Ordem Santiago, ao nosso adorado Presidente da República, para os heroicos agentes intervenientes no salvamento. Ora, infelizmente, o partido dos vegetarianos, veganos e outros anos, todos eles merecedores do nosso maior respeito, não se manifestou, nem sequer para dar um ar da sua graça.
Não vi, na investigação que efetuei à procura de mais detalhes, que os tenros meliantes tivessem sofrido qualquer pena, pela prática de tão bárbaro ato, mas como essa parte dos acontecimentos já não se enquadrava bem no tipo de notícia, deduzo que tenham ficado com algum tipo de cadastro. Final, esta prática é bem mais grave do que fazer xixi de pé na porta de um estabelecimento comercial ou atirar para o chão uma beata e depois, ainda por cima, pisá-la com toda a determinação, a não ser que a mesma seja uma respeitável sénior do nosso burgo, daquelas que em casa tem mais de 8 gatos, nenhum deles registados como manda a lei, mas que ninguém multa, por consideração etária, ou algo parecido.
Como podes verificar, minha querida Berta, a realidade é sempre bem mais surpreendente do que muita da ficção que por aí se produz. Sim, porque a ser um produto, de uma qualquer mente criativa, o urso seria verdadeiro, os tenros meliantes passariam a mafiosos vindos de leste e o salvador não seria a PSP, mas o ilustre super-herói André Silvano, vestido de collants coloridas, cuecas de gola alta, justinhas às partes pudibundas, e de tronco nu, que apareceria a voar, montado num viçoso espargo gigante, para resolver a situação e ser aclamado por uma manifestação de beatas, em êxtase, todas humanas e bem enquadradas no mais digno escalão etário.
Com esta imagem me despeço, este teu amigo que te adora se despede com um beijo alegre,
Cá estou eu de novo a escrever. Deves estar curiosa com o que tenho para te dizer. O título desta carta, embora sugestivo, não dá muitas pistas. Os Reis da Rua, são, neste caso específico, os 3 supermercados que tenho por vizinhos. Com o decorrer do que tenho para contar vais entender porquê.
Moro, conforme sabes, já lá vão onze anos, na Rua Francisco Metrass, em Campo de Ourique. Embora tenha instalado vidros duplos em casa, para minimizar os sons vindos do exterior e controlar melhor a temperatura ambiente, o último andar de um prédio quase a celebrar o centenário, feito em taipa e sei lá mais o quê, não abafa por completo os aviões, cuja rota de chegadas e partidas do aeroporto de Lisboa, fica mesmo por cima do edifício. Durante o dia, uma pessoa já quase não dá por eles, embora passem mais de 250 por cima da minha futura careca. O restante burburinho da cidade ajuda a dispersar a atenção.
Todavia, durante a noite, entre a meia-noite e as 6 da manhã, há sempre mais de uma dúzia que fura a hora de silêncio, e, pelo enorme tamanho dos passarocos, são todos aviões intercontinentais, a coisa faz-se ouvir e bem. Por isso, convém conhecer esses horários e tentar adormecer entre dois voos. Contudo, nunca me posso deitar entre as duas e meia e as três e meia da manhã. A essa hora passa o camião do lixo, que produz um chiqueiro tal, durante os 20 minutos em que se faz ouvir, que chega a parecer que sou eu quem está a ser despejado num dos caixotes.
Efetivamente, moro numa das ruas mais frenéticas do bairro. Se reparares nas fotografias que te envio vais, certamente, entender porquê. Não é normal num pequeno troço de 25 metros, para cada lado do prédio onde vivo, ter oito estabelecimentos de restauração, 6 esplanadas, 500 vizinhos, 400 estudantes, e mais um infinito número de viaturas a tentar estacionar num local onde só há lugar para 50 carros, que teimam em ficar mais agarrados ao lugar que político ao poleiro.
Podes imaginar facilmente pelo relato que, sempre que alguém arruma um carro em frente a uma garagem ou na zona de cargas e descargas, ou que para em segunda fila, se gera o caos em termos de ruído. São as buzinadelas nervosas dos transportadores ou dos automóveis que querem seguir o seu caminho ou entrar na sua garagem, os gritos de quem já perdeu a paciência e um vizinho ou outro que, em desespero, atira um cinzeiro de mármore da sua janela para o meio da confusão. Não te rias, é um facto, tenho testemunhas, e já aconteceu em diversas e complicadas ocasiões. Até um morador já foi preso, por chamar palhaço a um polícia fardado, por nada fazer perante um camião a descarregar parado no meio da via. Ao que parece a autoridade acha ofensiva a profissão dos que nos tentam fazer rir com o seu comportamento.
Apesar de toda esta narrativa nada se compara à atitude dos Reis da Rua. Os três supermercados, Pingo Doce, Mini Preço e Go Natural do Continente que, com o consentimento disfarçado da Câmara Municipal de Lisboa, da Junta de Freguesia, da Polícia Municipal e da PSP, cuja esquadra se situa a menos de 500 metros deste local, fazem o que querem e bem entendem, às horas que bem lhes apetece.
Não sei se sabes, mas cargas e descargas de camiões de médio e pequeno porte, na cidade, só podem começar a ser efetuadas das 8 horas da manhã em diante. As diretivas são emanadas quer da própria regulamentação camarária para esse tipo de serviços, quer ainda das leis gerais e municipais no que ao ruído diz respeito. Afinal, os moradores urbanos também têm direito ao seu período de repouso, descanso ou sono. Parece-te certamente lógico e natural que assim seja. Pois é… isso acontece em muito lugar, mas não neste troço de rua. Aqui mandam os 3 Reis.
Entre as 5 e 20 e as 5 e 40 da madrugada, mais coisa menos coisa, chega o camião do pão biológico do supermercado Go Natural do Continente. Para no meio da rua, deixa o motor a trabalhar e durante 15 a 25 minutos descarrega carradas de pão biológico para dentro do supermercado. Finalmente parte. Se por acaso alguma viatura quiser passar, o sujeito rabuja para o outro condutor que tente passar por cima. Ora uma discussão a essa hora da manhã ecoa pela rua como se de uma manifestação de zangados arautos se tratasse.
Finalmente o Rei parte, não deixou mirra, mas pão, e eu sei bem onde é que sua majestade o devia meter, mas adiante. Logo de seguida chega o camião do Mini Preço, como um relógio suíço, sempre entre as 5 e meia e um quarto para as 6. O segundo Rei traz consigo as iguarias destinadas às prateleiras do estabelecimento. A era do incenso parece ter ficado esquecida nos tempos. Durante as descargas e as cargas dos produtos para o supermercado e das embalagens vazias de regresso ao camião, fazem-se ouvir os alarmes do supermercado que disparam, não sei muito bem porquê, talvez porque quem saiu no turno que fica a fazer reposições até depois da uma da manhã, não o deixou devidamente ligado. Adiante… durante 30 a 45 minutos a música que nos chega a casa é a produzida pelos carrinhos metálicos de dois metros a percorrer a calçada dos passeios ou o velho asfalto da rua, acompanhada no baixo pela báscula do camião e na bateria pelas chapas a bater no asfalto. Se juntares isso aos efeitos sonoros do motor do veículo a trabalhar, tens uma boa ideia do som da orquestra.
Às 6 da manhã toca o alarme do Pingo Doce por mais de 5 minutos (às vezes mais do que uma vez) porque chegam os primeiros funcionários. Podes perguntar porque raio isso acontece todos os dias. Não sei minha querida, mas acho que algum supervisor deve morar perto e quer saber se o pessoal chega a horas sem ter de sair da cama. Parte o camião do Mini Preço e chega com o terceiro Rei, o transporte, o primeiro, do Pingo Doce, não traz ouro, que o vil metal está pela hora da morte, mas os produtos frescos para o consumo do dia por parte dos clientes e toda a história se repete. A narrativa é muito semelhante até às 8 da manhã. Depois continua pelo dia fora, mas já dentro do permitido pela lei. Contudo, se ligas para a PSP ou para a Polícia Municipal, ou levas com um intelectual que te diz que as cargas e descargas podem começar às 6 da manhã (o que é verdade para as grandes superfícies fora dos centros urbanos, mas não para a cidade), ou dizem que vão mandar um carro que só chega (e acontece sempre) depois do camião acabar o serviço. O conluio é tal que a placa das cargas e descargas não diz 8 da manhã, como devia dizer, mas 7 horas.
É evidente, como sempre, que todas estas minhas confissões continuam no campo do alegadamente. Longe de mim jurar a pés juntos que a Câmara Municipal, a Junta de Freguesia, a PSP e a Polícia Municipal, recebem qualquer suborno dos supermercados para se fazerem de cegos, surdos e mudos. Nada disso, são tudo meras coincidências, podes acreditar que sou eu quem o afirma. Até o facto de esta malta nunca ter sido multada e de não haver fiscalizações sabendo que isto se repete diariamente é mero produto do congestionamento de serviços destas entidades, até a ASAE tem o mesmo comportamento.
Para terminar ainda te conto que uma destas madrugadas, enchi-me de paciência e falei diretamente com a gerente do Mini Preço que estava na rua, mesmo ao lado do camião. Ela olhou para mim, depois para o condutor do transporte e fez-lhe um sinal apontando diversas vezes com o dedo para a sua cabeça, como que a dizer que eu não batia bem da bola. Não bato mesmo. Sabes Berta, um dia destes, quem ainda atira um cinzeiro sou eu, espero é estar com a pontaria afinada.
Beijo minha querida, este teu amigo sempre saudoso,