Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Não foi ontem que terminei as minhas Confissões em Português, aliás, ainda vou a meio. Se é para me conheceres devidamente, acho justo dar-te todas as explicações possíveis. Pelo menos aquelas de que me lembro. Assim, continuando:
Memórias de Haragano: Confissões em Português – Parte X
“Entretanto casei, tive um casal de crianças para perpetuarem os genes dos progenitores, e só depois de divorciado é que consegui compreender os meus próprios pais. Efetivamente poderia ter entendido muito mais cedo. Mas, dos meus dezoito anos em diante, estive sempre distante deles. O contacto era feito por telefone, em aniversários, festividades e coisas desse género, sem grande proximidade ou relevância no que se refere a relações de mais intimidade geracional e familiar.
Não fosse essa minha opção de pré-adulto e em vez de ter sido aos quarenta poderia ter vislumbrado a realidade aos dezoito ou dezanove. Fiquei com algum remorso, mas já era tarde para esse tipo de sentimentos. Contudo, não penses com isso que eu gostava pouco dos meus pais. Nada disso. Adorava-os, tive foi a noção errada que o sentimento deles por mim não era tão forte como o meu por eles. Tolices de puto.
Mas não fiques com pena, não tive uma infância infeliz, nem nunca me senti um coitadinho. Aliás, abomino coitadinhos. Porém, cada um tem o direito a ter as suas opções de vida. No meu caso acho que a minha infância foi normal, a passagem pela adolescência maravilhosa e o casamento cinco estrelas até os feitios de ambos mudarem tanto que deixaram de ser compatíveis. O que foi pena. Ainda hoje me lembro com saudade de uma cara de mimo deliciosa que ela fazia quando me queria pedir algo que sabia que eu discordaria normalmente. Acabava sempre por ganhar. Quando nos separamos, resolvi lembrar apenas as coisas boas e arquivar em palavras e poemas as más e também as maravilhosas. Assim evitava sentir rancores e, do lado inverso, saudades. Fiz exatamente o mesmo com as outras relações de amor e de união que fui tendo ao longo da vida. Em última análise acho que foi a melhor opção.
Desde o episódio com os meus pais que passei a tentar, e ainda tento, mesmo que às vezes não seja assim tão fácil, não fazer julgamentos precipitadamente seja do que for. É uma questão de bom senso. Temos obrigação de aprender com os nossos próprios erros e de evitar repeti-los a não ser que a repetição seja, por qualquer outro motivo, intencional.”
Esta é uma boa altura para me despedir desta carta e de ti, minha querida amiga. Fica bem e recebe um beijo de até amanhã deste teu grande amigo,
Espero que esta véspera natalícia em que te escrevo esteja a passar, por esses lados, de acordo com os teus desejos e votos. Eu por cá mantenho a tradição. Uma ceia à maneira, muita televisão esta noite e é provável que vá à Missa do Galo.
Como sabes não sou praticante de religião alguma, mas, contudo, fui criado no seio de uma família católica bem tradicional e, este ato religioso noturno, traz-me sempre à memória a minha mãe. O fervor com que ela, nessa missa, pedia proteção para os seus durante todo o ano que se adivinhava, é algo que jamais vou esquecer. Ora, não me perguntes porquê, mas quando repito a minha presença nessa cerimónia, sinto-a perto, muito perto, com aquela convicção inabalável de que Deus velaria pelos seus, conforme pedido expresso.
Acontece-me o mesmo quando assisto, pela RTP ao Natal dos Hospitais. A primeira transmissão do programa mais antigo da RTP começou em 1958, ainda eu não era sonhado pelos meus progenitores, porém, segundo o que a minha mãe me contava uma dezena de anos mais tarde (no ano em que entrei para a escola primária 2 meses antes), desde que nasci assisti a todos os programas do Natal dos Hospitais, tivesse eu consciência disso ou não. Ou seja, já vejo esta transmissão há 58 anos. Uma barbaridade de tempo.
Nunca falhei um, embora, nos últimos anos, tenha optado por ver através das gravações automáticas da box da Meo, porque isso me permite só assistir ao que me interessa e nada mais.
Mas assisto com o mesmo sentido místico com que vou à Missa do Galo: o sentimento de proximidade que tenho com os meus pais, que já partiram faz longos anos. Durante a transmissão é como se ambos estivessem ali, o meu pai deitado no sofá maior da casa, com um cálice de vinho do Porto por perto, e a minha mãe, logo ao seu lado, sentada, de lágrima no canto do olho, sempre que alguma ternura lhe chegava do televisor.
São os meus pequenos momentos de romântico e saudosista. Eu, que nem me entendia muito bem com ambos os meus progenitores, recordo-os, nestes dias, com um carinho e um amor que não me lembro de sentir enquanto viveram. Achas isto normal? Ou será coisa de poeta de cabeça enfiada no baú dos sentimentos e das essências? Enfim, nem me importa o que seja, apenas que valorizo, com um imenso prazer, o profundo significado que estas recordações têm para mim.
Lembrei-me do Natal dos Hospitais, que foi transmitido há dias atrás, precisamente por me fazer o mesmo efeito que a Missa do Galo. São os 2 grandes acontecimentos que me trazem uma estranha nostalgia da família reunida e feliz.
Em resumo, hoje, à meia-noite, lá vou eu mais uma vez à Missa. Estou a sorrir, minha querida amiga, porque afinal vou rever mais uma vez toda a família. Não sei o que o Natal faz com as outras pessoas, mas, para mim, tem estes 2 pequenos momentos de conforto, de bem-estar e de felicidade genuína. É isso que importa. Por momentos revejo pais, irmãos, primos, tios, gente que já não está presente nas margens do meu quotidiano e, por breves instantes, convivemos todos, harmoniosamente, em família, a alegria de uns sorrisos ou de uma troca de olhares.
Viva o Natal dos Hospitais. Viva a Missa do Galo. Desta vez, tu, que só por uma vez me acompanhaste numa destas missas, também lá estarás a rir-te da minha cara embevecida com as memórias de uma coisa a que não posso chamar outro nome que não amor.
Despeço-me saudoso com um beijo, este teu amigo de sempre, com votos de festas felizes,