Estro: Relembrando um Poema Feito na Época do Massacre de Tian An Men
"TIAN AN MEN"
(AS VINDIMAS DE JUNHO)
Cantam as vindimas os Podadores,
Cantam na Praça de Tian An Men...
Vindimas de junho
Onde uvas, aos cachos,
Aguardam a poda...
E há quem as ouça... parecem gritar:
"- Queremos Liberdade! Democracia...
E embora com medo queremos Liberdade!
Não vamos fugir,
Somos milhares pedindo uma voz,
E apenas uma,
Hoje e aqui em Tian An Men,
No lar da Paz Celestial...
Tien An Men, Tian An Men,
Pedimos apenas o que é natural!..."
Fazem chacinas os Caçadores,
Caçam na Praça de Tian An Men...
Chacinas de junho
De foice e martelo, de gás e de bala,
De bomba e canhão, de tanques estanques,
Ceifam-se estudantes...
Morrem às dezenas, centenas, milhares,
Qual carne picada triturada a aço;
Não sobra pedaço...
No lagar de horrores o mosto já fede!...
E choram as vítimas dos Podadores
Choram na Praça de Tian An Men...
Vítimas de Junho...
Só os mortos cantam, num descanso ameno,
Na Praça da Paz Celestial...
Vítimas do medo, que o Poder tremeu,
Vítimas tão cedo de quem não cedeu...
Mortos, mais mortos e outros ainda
Que em Tian An Men
Pra sempre ficaram...
E só porque ousaram pedir Liberdade
Pra poder falar e ouvir e ler,
E poder escolher
Entre concordar e não concordar...
E contam as vítimas os Ditadores
Contam na Praça de Tian An Men
Um, dois, três, cem, mil, e mais e mais...
Aumentam os corpos ceifados a esmo:
Mulheres, homens, velhos, crianças,
Dois mil, três mil...
Vale mais não somar,
Esquecer os totais...
Que em Tian An Men,
A praça da Paz Celestial,
Nasceu um Inferno feito por mil Dantes...
O Verão foi Inverno... morreram estudantes...
E cantam os Anjos num coro de dor
Cantam as Almas de Tian An Men...
E a China já chora
O chão decorado de ossos e tripas,
De músculos rasgados,
Banhados no sangue de um mar de mártires:
Um novo Austerlitz!...
No tocar dos extremos
O sangue é fusão...
Cantam as vítimas os Podadores
Tomara que só em Tian An Men...
Tomara também que no Luso Ocidente,
Vindimas não hajam
Nos meses errados...
Cantam as vítimas os Podadores
Tomara que só em Tian An Men...
Vítimas de Junho...
Pisaram-se as uvas e embora verdes
Um mosto vermelho encheu o lagar
- Tian An Men... Tian An Men...
Os bagos esmagados parecem falar...
E cantam as vítimas os Podadores
Tomara que seja o Canto dos Cisnes...
Gil Saraiva