Carta à Berta nº. 654: O "péssimo" Governo Socialista, segundo o Prémio Nobel da Economia de 2008, Paul Krugman.
Olá Berta,
No início da passada semana, cara amiga, esteve em Portugal o Prémio Nobel da Economia de 2008, o economista norte-americano Paul Krugman, que deu uma excelente entrevista ao Jornal de Negócios, na qual aborda a situação portuguesa de uma forma desprendida, sem sectarismos partidários, tão em moda no nosso país, normalmente usados para criticar aquilo que os que não são da mesma cor fizeram ou deixaram de fazer, sem a isenção de quem vem de fora e não pretende agradar a gregos ou a troianos, enfim, de quem apenas se rege por apresentar uma opinião sustentada.
Em 2013, refere Krugman, Portugal era um país pobre e com problemas estruturais, problemas que se iam manter até 2015, enquanto durou o Governo de Passos Coelho. Agora, Bertinha, ao comparar, o economista refere, claramente, que as complicações atuais são “muito menos”, mas que não desapareceram todas.
Diz Paul Krugman, minha cara, que os portugueses “Continuam a ser mais pobres do que muitos países da Europa, mas já não tão pobres”, e relata “a transformação” efetuada em Portugal entre 1976 e o Governo da “Troika”.
Afirma ainda, minha querida, o especialista: “Trabalhei em Portugal, em 1976, e a transformação em termos de infraestruturas, nível de vida visível, níveis de educação, é enorme”, aponta o Nobel, realçando que quando cá esteve em 76, “Portugal parecia mais um mercado emergente do que uma nação europeia, e isso hoje não é de todo verdade”.
Ora, Berta, segundo o estudioso: A economia portuguesa do pós-troika é “uma espécie de milagre económico” que parece não ter uma clara explicação. É “misterioso…”. Aliás, afirma que o país poderia ser um caso de estudo “se percebêssemos o que estão a fazer bem”, disse, assinalando o crescimento económico de Portugal nos últimos oito anos.
O Nobel e Professor da Universidade de Princeton, nos EUA, acha que “Portugal é uma espécie de milagre económico”, e que deveria haver mais “otimismo” do que aquando da “crise do euro”, mesmo tendo em conta, amiguinha, os temores de uma nova recessão europeia.
Acrescenta ainda, cara confidente, que na “crise da dívida, tendíamos a colocar Portugal e Espanha no mesmo cesto… ambos tinham tido entradas maciças de capital, tinham ficado seriamente sobrevalorizados em termos de custos laborais, tinham níveis de dívida elevados e enfrentavam um período prolongado de austeridade. Espanha acabou por alcançar a recuperação económica, mas fê-lo passando por anos e anos de desemprego elevado, desvalorização interna e queda dos custos”, porém, “Portugal teve uma recuperação sem isso”, relata o Professor da Universidade de Princeton. Depois, acrescenta: “Tive longas conversas com o meu amigo Olivier Blanchard, o antigo economista-chefe do FMI, e ele diz: «Não percebo como é que Portugal se saiu tão bem. Como é que eles fizeram isso?».
Para o economista, minha amiga, o turismo e as exportações foram fundamentais, mas Espanha também tinha ambas e o resultado não foi o mesmo, afirmando que “é um pouco misterioso como é que as coisas correram tão bem”. Segundo Krugman, os portugueses “Continuam a ser mais pobres do que muitos países, mas já não tão pobres…” Aliás, reporta: “Ninguém sabe realmente porque é que alguns países se saem bem, mas Portugal fez claramente muito melhor nos últimos… anos”.
O Nobel da Economia, Berta, critica os “orçamentos de austeridade” da Troika pela “quantidade de dor que foi criada” e porque considera que estes foram baseados “numa falsa premissa”. Diz sobre o assunto Krugman: “A premissa era que os encargos da dívida eram simplesmente insustentáveis e que havia uma crise que exigia uma austeridade extrema”, mas “hoje sabemos que a crise era basicamente um pânico de mercado…”, ou seja, “era uma crise de liquidez causada por receios de incumprimento… a maior parte da crise desapareceu quando Mário Draghi disse quatro palavras: «O que for preciso». E, de repente, os spreads vieram por aí abaixo”, afirmando perentoriamente que Portugal adotou “medidas extremas baseadas numa apreensão errada do problema”.
Nas considerações do Prémio Nobel da Economia, Portugal “Não é a Dinamarca, não é a Suécia, continua a ser relativamente pobre, mas há muito mais razões para otimismo agora do que no meio da crise do euro” e aproveita para se referir às dificuldades no acesso à habitação, refletindo que este é “um problema feliz de se ter” porque ele exprime que “as pessoas querem estar” em Portugal. Sobre o assunto, cara amiga, ele compara: “Portugal está a parecer-se com São Francisco, com um sector tecnológico em expansão e com a habitação a tornar-se inacessível”, adiantando que, agora, a questão pede “alguma ação”.
“Os riscos externos são grandes” declara Krugman, quer os riscos associados às taxas de juro elevadas, quer ainda se houver “uma recessão europeia”, porque Portugal será logicamente afetado por ser “demasiado pequeno e estar demasiado ligado” à Zona Euro, com forte dependência, sobretudo, de países como Alemanha e Espanha. Assim, minha querida, o Professor entende que “Portugal não está livre” do problema, mas que “pode ser algo que consiga ultrapassar” devido ao crescimento económico dos últimos anos.
Aliás, Berta, para o Nobel da Economia, “Portugal tem estado muito bem, a Europa não” e isso é um problema para o país por causa da nossa dependência da economia europeia. “A Zona Euro domina o vosso comércio” e “a vossa economia está agora bastante orientada para o exterior”.
Austeridade baseou-se numa “falsa premissa”.
Porém, para Paul Krugman, simpática ouvinte, “Portugal está a fazer em termos orçamentais o que os Estados Unidos deveriam estar a fazer” se não tivessem “um sistema político dominado por pessoas completamente loucas”.
Afinal, a entrevista do Prémio Nobel da Economia de 2008 que vem constatar, cara confidente, que o Governo Socialista fez algo muito bem feito, o tal chamado “milagre económico” que Krugman não consegue explicar, não me parece, a mim enquanto leigo, difícil de entender. No espaço de 8 anos foram revertidas a grande maioria das medidas de austeridade de Passos Coelho e substituídas por impostos indiretos sobre bens de consumo: o imposto sobre bebidas açucaradas, o imposto sobre o tabaco, o imposto sobre os sacos de plástico, o imposto sobre as bebidas alcoólicas, o imposto especial sobre os produtos petrolíferos, o imposto de selo, entre muitos outros, tiveram reforços efetivos e substanciais.
Porém, enquanto nos impostos indiretos o povo pode optar, nas taxas e no corte dos subsídios de Natal e Férias não havia opção possível. Os portugueses podem continuar a precisar do automóvel, mas se calhar agora só o usam se necessário, podem continuar a beber e a consumir sumos com açúcar, mas podem não o fazer se assim o entenderem e por aí em diante. O tipo de cortes não é cego e permite-nos gerir.
Com isto, com a subida de quase 40% do salário mínimo e com o reforço das pensões e reformas, o país passou com distinção a pandemia, tem suportado a inflação que vem da Europa, com níveis mais baixos que os seus parceiros e contrariado os efeitos da guerra da Rússia contra a Ucrânia. No entanto, amiguinha, o aumento forçado das taxas de juros pelo Banco Central Europeu, gerou rapidamente um agudizar da crise da habitação e um peso demasiado na carteira dos portugueses. Atrás disso, vieram as reivindicações aceleradas dos médicos e professores, pedindo melhores salários e condições, gerando um imenso desconforto na Educação e graves problemas no SNS. Todavia, nada me parece impossível de solucionar nos próximos anos.
Se, conforme penso, os socialistas voltarem a ganhar as eleições, julgo que durante a próxima legislatura e até ao fim da mesma, a situação será estabilizada. Com efeito, as taxas de juro parecem vir a estabilizar e posteriormente a descer, as medidas para a habitação terão quatro anos para poderem vingar e o acordo com os professores e o pessoal da saúde tornar-se-á inevitável. Mas isto, Berta, sou eu a pensar. Muitos acham precisamente o inverso, enquanto eu, do meu lado, apenas tenho o Prémio Nobel da Economia de 2008. Deixo um beijinho saudoso.
Gil Saraiva