Carta à Berta: A Greve em França e os "Black Blocs"
Olá Berta,
Espero que por esse Algarve, para onde te mudaste, o frio seja menor do que por aqui em Lisboa. Nem quero pensar como estará o norte do país, e muito menos as terras altas ou até o Alentejo, durante as noites e madrugadas. Para mim é frio a mais e ponto final. Prefiro a chuva, não sou fã do vento, e, minha querida, adoro o Sol.
Hoje estou aqui para te falar da Revolução Francesa, não a que acabou com a monarquia no país, mas a que não mais se calou, daí para cá, no país da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
Já tivemos de tudo em terras de Napoleão, as últimas grandes ocorrências, após os horrendos ataques terroristas, foram, quer o aparecimento das manifestações dos famosos “Coletes Amarelos”, quer esta última, que hoje ocorreu, derivada de uma greve geral que colocou quase um milhão de pessoas na rua, até mais, segundo os sindicatos, e um pouco menos segundo o Estado.
Macron está no centro de toda a polémica. O homem pode dar graças aos céus de a guilhotina estar agora apenas exposta em museus e de já não ser um objeto utilitário para afastar os líderes do poder. É que os franceses não brincam quando se manifestam, para desespero do setor do turismo francês, que tenta a todo o custo inverter o afastamento dos turistas para países periféricos e insignificantes como Portugal.
A greve no setor público, hoje iniciada, vai continuar até à próxima segunda-feira e as 90 detenções efetuadas até ao momento, prometem aumentar significativamente nos próximos dias. Aliás, se somarmos o número de manifestantes presos só desde o aparecimento dos “Coletes Amarelos”, facilmente se conclui que o Governo já deve ter construído, no mínimo dos mínimos, 2 novas prisões para albergar os tumultuosos agitadores.
Em causa, desta vez, estão as novas medidas introduzidas por Emmanuel Macron, sobre as pensões de reforma em França. É que para os franceses não basta o “quem dá e tira, ao inferno vai parar”, eles fazem questão de trazer o caos, as trevas e o próprio inferno até às portas do infeliz governante, que passa a vida a ver-se envolvido nestes tumultos agitadíssimos, que em nada contribuem para a estabilidade nacional segundo a opinião do próprio Estado.
Fica provado que este Emmanuel, no masculino, não goza da popularidade da sua homófona feminina, a Emmanuelle dos filmes nos idos de 1974. A popularidade pode até ser semelhante, mas em sentido totalmente oposto.
Combóis, autocarros, metro, aeroportos, escolas, tribunais e os mais variados serviços públicos estão a ser severamente afetados. Por todo o lado há carros e contentores do lixo a arder, mobiliário urbano e montras partidas, veículos capotados, num quadro que Dante adoraria por certo retratar.
O Governo francês, está a unificar 42 regimes de pensões, num único sistema de pontos, que põe termo a uma imensidade de direitos laborais, há muito instituídos em França. Os sindicatos em revolta já anunciaram a continuação da greve até segunda-feira, com um pequeno detalhe, é que acrescentaram um “pelo menos” o que significa obviamente, caso não haja um recuo evidente do Governo, da existência de um “pelo mais”, ou seja, da continuidade da greve, que, sendo uma greve geral, pode continuar a parar o país.
Cada vez mais grave é, também, a proliferação dos chamados “Black Blocs”, bandos de indivíduos totalmente mascarados e vestidos de preto, que geram a destruição por onde passam. Ao contrário dos seus primos, os “Coletes Amarelos”, que apenas se manifestavam evitando, na sua grande maioria a violência, estes meninos, que ao coro nada ficam a dever, adoram deixar a sua marca destruidora bem registada por onde passam.
Pobre do polícia que seja apanhado por um bando, o hospital será certamente a sua melhor esperança. A coisa é de tal forma grave que o gás lacrimogénio começou a ser usado logo no início das manifestações, por imperiosa necessidade das forças da ordem.
É por estas e por outras, minha querida Berta, que eu adoro os brandos costumes portugueses. Passos Coelho meteu-nos o dedo no ânus durante 4 longos anos e Centeno, ao bloquear a eficácia do SNS, o Serviço Nacional de Saúde, impediu-nos de tratar a violação por sodomia convenientemente, todavia, mesmo assim, ainda agora aguardamos em harmonia a reposição geral das coisas e o regresso à normalidade. Mas isso somos nós. Podemos ser latinos como os franceses, mas o sangue na guelra não faz parte do nosso ADN.
Fica com um beijo deste teu amigo em mais esta despedida, como sempre ao teu dispor,
Gil Saraiva