Carta à Berta nº. 674: Montenegro - O Último Santo! - Parte I/III
Olá Berta,
Sempre se ouviu dizer que o mundo dos negócios é um universo muito especial, escutámos até que é necessário ter muito cuidado com as letras pequeninas que veem inscritas nos contratos bancários e das companhias de seguros, entre outros, que é necessário ter-se um entendido (dito especialista) para redigir um contrato deste tipo e até um outro especialista para decifrar os truques e maroscas escondidos por entre as teias de cláusulas que neles constam sem que tal nos pareça claro.
Ora, tudo isso pode ser verdade para nós, os leigos e impreparados alvos destes arquitetos especializados. Mas é esta a realidade da selva empresarial e do cosmos em redor dos negócios, dos prestadores de serviços, do comércio e das garantias que cada contrato nos garante. Tudo isto levanta-se uma questão fundamental: Em que bases assenta confiança empresarial?
Normalmente o prestígio das firmas baseia-se em três vetores fundamentais: A idade da empresa, o seu sucesso no mercado onde se insere, e a reputação dos seus membros ou sócios ou da fama que granjeia no meio onde atua. Fugir a este tipo de dogmas é algo quase impossível porque, afinal, já lá diz o ditado: “amigos, amigos, negócios à parte!”
Ora, a empresa da família do primeiro-ministro não fez contratos escritos de prestação de serviços com os seus clientes. A revelação desta inexistência de contratos formais da Spinumviva foi feita pelo próprio Luís Montenegro. Para o presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (CRPOA), Jorge Barros Mendes, “o desejável, em bom rigor, é haver um contrato escrito, mas não é obrigatório”.
Faço notar que isto (o não haver contratos) é afirmado pelo representante máximo de um prestigiado presidente de um Conselho de Advogados.
Documentos revelados pelo Expresso e o Observador confirmam que os maiores clientes da Spinumviva pagavam antes pelos mesmos serviços à SP&M. No caso da Solverde, as avenças foram pagas a ambas as entidades durante onze meses. A Empresa do primeiro-ministro esteve um ano e meio a faturar sem registo na CNPD (a Comissão Nacional de Proteção de Dados).
Nos últimos dias foram conhecidos mais alguns elementos sobre a atividade da Spinumviva, a empresa que o primeiro-ministro criou em 2021, antes de dar o salto para o regresso à primeira linha da atividade política, e que continuou a receber avenças dos clientes já com Montenegro à frente do Governo.
Na quarta-feira, o Observador relatou ter tido acesso a alguns documentos da Spinumviva sobre os serviços prestados pela empresa no âmbito da proteção de dados dos maiores clientes, acompanhados de declarações de Luís Montenegro.
Nestas declarações, o primeiro-ministro diz não existir qualquer contrato escrito com os seus maiores clientes para a prestação destes serviços.
Apesar de no Parlamento ter sublinhado a complexidade e responsabilidade de lidar com os dados pessoais de milhões de clientes daquelas empresas, incluindo dados sobre saúde, Montenegro refere que a prestação do serviço pela Spinumviva tem como origem um acordo simplesmente verbal entre o então advogado e os responsáveis pelas administrações da Solverde, Ferpinta, Rádio Popular, CLIP e Sofarma.
Um ato de absoluta confiança (cega, diria) por parte dos clientes na empresa em causa. Algo inédito nos anais de quem gere os dados de milhões de contactos destes clientes em matérias tão sensíveis como a proteção de dados.
Pois é Berta, a vida é assim (mas só para alguns) e amanhã tentarei explicar melhor como os negócios do nosso ex-primeiro-ministro funcionavam e prosperavam de forma tão original. Por hoje é tudo, deixo um beijo de despedida, o teu amigo de sempre,
Gil Saraiva