Carta à Berta nº. 680: O Apagão!
Olá Berta,
Decorria o dia 28 de abril de 2025, o relógio do meu corredor tinha acabado de bater as 11 e 30, menos de três minutos depois o fornecimento de eletricidade foi abruptamente interrompido. 5 minutos depois o meu telemóvel tocou, atendi, era o meu filho a perguntar-me, desde o Porto, se eu tinha eletricidade em Lisboa. Respondi que não, e já não tive como perguntar se ele estava bem. A rede da Vodafone, cara confidente, foi-se abaixo às 11 horas e 38 minutos.
3 dias depois dos 51 anos do 25 de abril e apenas um dia depois do funeral do Papa Francisco, Bertinha, a maior parte do país entrou em quase 10 horas de silêncio forçado como que a prestar homenagem ao sumo pontífice. O Governo decretou Emergência Nacional e o debate dos dois principais candidatos ao lugar de primeiro-ministro foi adiado.
O INEM, perdeu 400 chamadas, durante um período de 20 minutos depois do acontecido, e a corrida ao papel higiénico nos supermercados bateu recordes vindos do tempo da pandemia de Covid-19. É caso para se perguntar: Qual é a necessidade imperiosa dos portugueses de terem com que limpar o cu, em tempos de crise?
Embora rude, a questão, é pertinente e não tem uma resposta lógica. A corrida ao analógico também se tornou viral e foi ver as lojas de pequenos eletrodomésticos e dos chineses a esgotarem rapidamente os seus “stoks” de pequenos rádios e de baterias, as famosas pilhas, seguindo-se velas e mais velas de todos os tipos e feitios.
Em Campo de Ourique a luz regressou às 20:43, precisamente no momento em que eu me preparava para descer as escadas do meu prédio do terceiro para o segundo piso para ir convidar os meus 4 vizinhos franceses que alugam os quartos do segundo piso a virem comer comigo um Xarém de Camarão que corria o perigo de descongelar na arca frigorífica.
Da janela do terceiro andar onde moro foi interessante ver as atitudes de quem passava pela rua no início do acontecido. Um jovem, que não teria mais de 14 anos, berrava com o telemóvel, como se este devesse ter vida própria e obedecer prontamente às suas ordens.
Depois abanava-o como quem tenta acordar uma avó centenária cansada de ver a vida passar, por fim, no cúmulo do desespero o objeto foi atirado com raiva ao chão enquanto o rapaz lhe saltava em cima praguejando insultos só vistos em filmes para adultos maiores de idade.
Pois é, minha querida Berta, a vida é assim… certamente todos temos e teremos recordações futuras do dia do apagão. Umas mais divertidas do que outras e algumas mais sérias e graves que não têm qualquer graça. Deixo-te um beijo de despedida, com o carinho de sempre,
Gil Saraiva