Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Faz algum tempo que não te escrevo, minha amiga. Já tinha saudades. Hoje, vou tentar fazer um ponto de situação à realidade que a todos respeita neste país. Começo meio ao acaso. Há mais de 8 anos, ainda no Governo de Passos Coelho, a nova legislação sobre o arrendamento lançou o caos sobre milhares de famílias em Portugal. Subitamente, sem atalhos, os senhorios começaram a poder fazer o que até aqui lhes estava vedado. A Lei, que ganhou o nome popular da ministra que a implementou, foi chamada de Lei Cristas, e levou milhares de famílias ao desespero e centenas de pessoas ao suicídio.
Não estou aqui, amiguinha, a criticar os senhorios, que rapidamente tentaram reverter uma situação de anos de prejuízos. Não são eles os culpados por quererem ganhar o que puderem com o que lhes pertence. Porém, Cristas, quando publicou a legislação devia-se ter preocupado em arranjar alternativa, nem que fosse à custa do Estado, àqueles que, de um dia para o outro ficaram sem lar, sem meios para adquirirem outra casa por falta dos rendimentos necessários.
Pior do que isso foi terem permitido que o mercado funcionasse sem regulamentação apropriada. De repente, o Alojamento Local era uma alternativa viável para muitos proprietários e alugar caro, mesmo sem as melhores condições dos espaços, tornava-se possível, minha amiga.
Se Cristas e Passos Coelho tivessem regulado o mercado de arrendamento, na altura, a Lei Cristas teria tido na mesma um grande impacto então, mas teria igualmente ficado por aí. Mas não, Berta. O espírito da direita, não ia agora regular algo que acabara de ser liberalizado recentemente. Ainda mais que no Parlamento, Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, tudo fazia para agradar a Passos, Portas e Companhia.
O que aconteceu em seguida, minha cara, teve uma coisa boa: a reabilitação de edifícios nas cidades disparou, mas foi a única. De repente, diversas condições externas e internas, fizeram com que o Governo do PS demorasse a agir. Primeiro esteve ocupado em corrigir as retenções salariais, em subir o ordenado mínimo, e mais uma parafernália de medidas que Passos tinha implementado.
António Costa, de qualquer modo, Bertinha, achava que tinha tempo, deixando para os dois últimos anos do segundo mandato as correções de fundo que ainda não fizera. Só que tudo o que lhe podia correr mal, correu pessimamente.
Uma pandemia, um muito maior escrutínio por uma imprensa com pouco que fazer e casos e casinhos a marcarem-lhe a governação. Do mundo veio ainda a invasão da Rússia à Ucrânia, a guerra de Israel na Palestina, a crise dos combustíveis, o disparar da inflação e a subida das taxas de juro. Uma montanha de senãos, cara confidente.
A machadada final, minha querida, seria dada pela justiça levando-o a demitir-se, sem terminar tudo aquilo a que se tinha proposto. A boa figura ficaria por cumprir…
É inglório, para quem teve tudo na mão, Berta. Podemos mesmo dizer que é injusto, mas a vida é assim…
Sem alternativa teve de abandonar o Governo sem ter corrigido os erros do SNS, sem ter tratado dos professores, médicos, oficiais de justiça, forças de segurança e militares, sem ter reposto a serenidade na regulamentação da habitação. Assim sendo, cara amiga, e embora tivesse julgado que ainda tinha dois anos para o fazer, a verdade é que não o fez e perdeu redondamente a batalha. Mais uma vez, a vida é assim…
Deixo, Berta, um beijo de saudade, este teu amigo de sempre,
Como já deves ter visto nas notícias, morreu, devido ao problema oncológico, que a afetava desde 2015, Laura Maria Garcês Ferreira, a esposa de Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. O facto não seria notícia se a senhora em causa não fosse a mulher do ex-presidente do PSP e ex-primeiro-ministro, Passos Coelho. Com o seu falecimento o regresso do político, ainda com 55 anos, às lides partidárias, deixará, algures após um período de nojo natural, de ser apenas uma ameaça fantasma para Rui Rio.
Pelas minhas contas esse regresso ocorrerá no final do próximo verão, após as férias dos políticos em agosto. Até lá, Passos Coelho, respeitará uns dignos 6 meses de luto enquanto, sem dar muito nas vistas, recupera, junto do partido e no seu seio, o capital político de que precisa para se voltar a afirmar.
No meu entender, Laura Ferreira era o único e verdadeiro travão que mantinha o ex-primeiro-ministro longe da luta política. Uma doença da gravidade da identificada à esposa, e o seu agravamento progressivo, terá funcionado como freio, mantendo Passos longe do circuito da luta pelo poder. Uma vez desaparecido o impedimento o que poderá deter agora este homem de avançar com as suas convictas ambições? Eu respondo-te, minha querida amiga, absolutamente nada.
Passos Coelho está, na linha de partida da corrida ao poder, prontíssimo. Conforme já referi, é claro que os 6 meses de recato se vão respeitar, por 2 motivos: primeiro, porque o eleitorado conservador veria com maus olhos um regresso logo após o falecimento da consorte, segundo, porque o calendário da luta política apenas se começa a tornar favorável a partir de setembro ou outubro próximos. Aliás, sendo 2021 um ano de eleições, com umas presidenciais logo em janeiro e as autárquicas por volta de outubro, o regresso de Pedro Passos Coelho terá tudo a ver com a proximidade dessas datas.
Quanto a mim, acontecerá logo em setembro, porque algures em outubro, ainda este ano, decorrerão as eleições legislativas referentes aos Açores. Um excelente ponto de partida para alguém que se quer reposicionar no xadrez político e partidário. Para quem pensa que estou a fazer uma mera futurologia política, embora admita que assim pode parecer, respondo com o facto de tudo se poder vir a esclarecer já daqui a 6 parcos meses.
Para além de Rui Rio existe mais um político preocupado, com o regresso do filho pródigo e com o renascer desta fénix da austeridade gratuita. Com efeito, o ressurgir político de Passos faz mossa nos seguidores de Ventura. A direita passará a ter, novamente, um protagonista de peso, que poderá abalar os planos de expansão de um Chega para quem um deputado não basta.
Muita água vai correr debaixo da ponte da direita política e será interessante ver que tipo de estratégias seguirão estes partidos. De qualquer maneira, desperto que fique o fantasma de Passos e logo após a sua genuína materialização, uma reorganização à direita parece ganhar força. A Iniciativa Liberal provavelmente vai diluir-se em pouco mais do que nada, o partido de Santana Lopes vai fazer um esforço enorme por ter o raio do anel a reluzir e já estou a ver um tal de Chicão, em bicos de pés, a gritar do meio da sala, das futuras alianças, “- Então e eu, ó Passos, então e eu?”
Por outro lado, lá para as bandas socialistas, a preocupação não existe no que concerne aos próximos 2 anos. Até porque as movimentações dos partidos à sua direita, antes de crescerem podem até ficar mais enfraquecidas. A grande preocupação do PS existirá, isso sim, nas próximas legislativas, porém, até lá, faltam quase 4 anos, e enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.
Com isto termino, amiga Berta, veremos se esta carta se transformará numas meras páginas de ficção ou se, pelo contrário, se aproximará de um Oráculo por devir. Despeço-me com um beijo. Este teu eterno amigo,
Tudo serve, a alguns grupos noticiosos do nosso Portugal, para tentar despertar, e trazer para a ribalta, as múmias nacionais do nosso passado recente ou nem tanto. Ainda estou a tentar entender se esta espécie de exorcismos se fica a dever a um interesse político determinado e orientado propositadamente por esses grupos ou a qualquer outra razão mais obscura. Como sempre, minha querida, tudo o que aqui escrevo não pode sair do domínio do alegadamente, porque, para isso, precisava de outros recursos, que já não possuo, para poder sair deste enquadramento.
Porém a questão pode ser, inversamente, a preocupação de voltar a vender mais exemplares das suas publicações, uma vez que, na época em que esses espécimes existiram, enquanto seres alegadamente vivos e pensantes, deram provas excelentes no que economicamente importa, isto é, relativamente, aos resultados das vendas nas bancas de jornais e das subidas de audiências televisivas.
Aqui há dias atrás foi a vez de uma voz indignada, qual múmia de um distante passado além político (graças aos céus), vir a público botar discurso. Como por assombração, Cavaco Silva, que regressou das masmorras do arquivamento político, assombrou-nos para se insurgir contra a eutanásia.
Podes pensar que estou a exagerar, mas o “Tutáskakon” nacional até uma profecia arrastou para os microfones, com a sua voz de ido que não sabe que já foi, eu recordo-te as palavras da maldição:
“…a decisão mais grave para o futuro da nossa sociedade que a Assembleia da República pode tomar”. E depois a profecia: “…abrir uma porta a abusos na questão da vida ou da morte de consequências assustadoras”.
Tenho todo o respeito por homens de 80 anos, mas, quando digo respeito pelos homens refiro-me aos vivos. Agora, zombies, mortos-vivos e "políticos-levados-ao-colo-por-Balsemão", não entram no grupo desses valorosos séniores. Aliás, nos meus tempos de jornalista de investigação, escutei mais do que uma vez Francisco Balsemão, outra múmia das catacumbas, afirmar que elegia presidentes. Foi verdade com Cavaco e depois alargou o seu mágico poder das trevas à cadeira de Primeiro-Ministro, com a invenção macabra do “Frankenpassos Rabitelho”, que nos trouxe a santa inquisição “troikiana”.
Mas voltemos aos despertares de seres do além político, mais uma vez o expresso e a SIC (porque será que este grupo consegue manter, com tanta facilidade, aberto este portal oculto com os politicamente acabados? Cheira a bálsamos macambúzios, à mão esquelética de um Balsemão de 82 anos que resiste, por força da poção mediática da influência de massas, a descer os degraus escorregadios de esquecimento anunciado que tarda em efetivar-se.) trouxeram à luz noticiosa a opinião do “Frankenpassos” para vir uivar aos microfones um suposto ajuste de contas com António Costa. Se quiseres, minha amiga, podes ler tudo no expresso online, mas é mais do mesmo, são as tortuosas mentes de uma direita esclerosada a tentarem profetizar e provar que a razão lhes assiste, mesmo depois de condenados ao esquecimento.
Em resumo, o que eu gostava de saber é o que significam estas aparições, seguidas e bem planeadas, destes mumificados dejetos da política nacional? O que está por detrás de assombrações cirúrgicas como estas? Serão as autárquicas, prepara-se algo para as presidenciais? Alguma coisa está para acontecer. Esperemos sentados, de arma com balas de prata numa mão e um cinturão de alhos na outra.
Tinha-te dito que estavam terminadas as quadras sujeitas a mote. Contudo descobri nos meus arquivos umas que ficam bem neste conjunto.
Série: Quadras Populares Sujeitas a Tema - 22) Santo António do Beijinho.
Santo António do Beijinho I
Beijo, que é Stº. António,
Dia 13, sexta-feira,
Que o santo do matrimónio,
Não vai cair da cadeira.
Santo António do Beijinho II
Beijo nesta lua cheia,
Noite de marchas e festa,
Que beijar não dá cadeia,
Se for dado assim na testa.
Santo António do Beijinho III
Beijo p’ra a doce menina,
Dado com muito carinho,
Que o santo não se amofina,
Nem vai fazer beicinho.
Gil Saraiva
E assim me despeço, com um abraço carinhoso e muito apertado, este teu amigo de sempre,
Do lado oposto ao teu, em Guimarães, ainda não vai a meio, hoje, dia 12/02, o Reino da Diversão, que durará 30 dias. O evento decorre no Multiusos de Guimarães e espaços envolventes e conta com uma Pista de Gelo, apresentada como a rainha da companhia, os Carrinhos de Choque, o Tornado Loopping, o Carrocel Circus, os Barquinhos Infantis, o Twitter Infantil, a Minipista, a Scalextric, os Elásticos Radicais, o Carrocel Familiar, o Mega Crazy, as Rolling Balls e ainda o Pavilhão dos Matraquilhos. Este é um Reino que já vai no oitavo ano de história e sucesso.
A juntar-se à diversão, como não poderia deixar de ser, quiosques e tasquinhas trouxeram o elemento da restauração ao Reino da Diversão. A lembrar as antigas feiras e mercados regionais, este megaevento de 30 dias, entre 1 de fevereiro e 1 de março, proporciona, em Guimarães e arredores, uns dias bem divertidos com muitos sorrisos à mistura, num ambiente criado para toda a família, que promete continuar a fazer história na região. Durante este período o berço da nacionalidade é, novamente, um Reino de alegria e riso.
O motivo que me levou a assinalar aqui o acontecimento tem a ver com a taxa de felicidade acrescida que realizações deste género incutem nas populações que servem. Somos um país com uma taxa de suicídio que é a maior da Europa, de 13,7 pessoas por cada 100 mil habitantes, sendo que a média europeia é agora de 10,5 a par com a mundial, apenas nos ultrapassam, em números de suicídios por cada 100 mil habitantes, 7 países no mundo, a saber, em ordem decrescente: a Guiana, a Coreia do Norte, a Coreia do Sul, o Suriname, Moçambique, Nepal, Burundi e, logo depois, estamos nós, Portugal.
Outra nota menos engraçada é o facto de, até 2012, Portugal não ter um lugar de destaque neste nefasto ranking. Sendo nessa altura o oitavo lugar ocupado pela Alemanha com 10,7 suicídios por cada 100 mi habitantes. A partir da amaldiçoada governação de Passos Coelho e do clima de ultra austeridade implementada com a ajuda da Troika, centrada diretamente no indivíduo e não no consumo ou nas empresas, rapidamente o nosso país galgou lugares neste ranking até se instalar de pedra e cal no oitavo lugar, de onde parece não querer sair. No quadro europeu, segue-nos agora a França, com 12,1 de taxa, ainda bem longe nos nossos números absurdos.
Precisamos, por tudo isto, de mais Reinos da Diversão e sem sombra para dúvidas de incutir um maior otimismo e esperança nos estratos populacionais mais desfavorecidos. Sei que já te falei deste problema numa outra carta, mas considero realmente este um ranking do qual temos de sair com urgência.
Para que se atinjam estes objetivos não chegam os Reinos Divertidos, são precisas estratégias concretas de combate a este flagelo que rouba um cidadão ao país a cada 6 horas que passam. Espero sinceramente, amiga Berta, que se procurem medidas efetivas na redução do problema de forma pensada e urgente.
Quanto ao teu desafio, referente á minha produção de quadras sujeitas a mote, escolheste para hoje o tema “Meio Caminho Andado”. Espero, corresponder ao proposto, com estas novas quadras. Tive de construir 3, em vez de uma, para me sentir satisfeito com o tema. Contudo, é mesmo assim, nem sempre apenas uma nos dá o retorno que esperamos alcançar. Mas julgo que, pelo menos a terceira quadra, responde perfeitamente ao desafio. De qualquer maneira seguem as 3, para que possas avaliar por ti se o que digo faz sentido.
Série: Quadras Populares Sujeitas a Tema - 18) Meio Caminho Andado.
Meio Caminho Andado I
Meio caminho é, pela estrada,
Não sofrer, antes sorrir,
É saúde encomendada
Doença levada a rir.
Meio Caminho Andado II
Sem saúde, paz, dinheiro,
Não se chega a nenhum lado,
Procura rir tu primeiro,
É meio caminho andado
Meio Caminho Andado III
É meio caminho andado
Pelos azares da vida,
Manter o foco apertado
E rir de cada partida.
Gil Saraiva
Está na hora de terminar esta carta, minha querida Berta, com um beijo pleno de saudades regularmente enviado como os antecessores, por este que não te esquece,
Os jornais e as televisões deram conta que a Lei das Rendas, o conhecido NRAU, ainda mais conhecido pela famigerada Lei Cristas, vai manter-se em banho Maria por mais 2 anos. Esta lei que levou ao suicídio de um elevado número de idosos no tempo do Governo de Passos Coelho, que se viram postos na rua de casas que habitavam, muitos deles, há mais de 30 anos, vai prolongar o seu compasso de espera.
Na verdade, a lei salvaguardava alguns idosos, aqueles que tinham mais de 65 anos e os portadores de deficiência igual ou superior a 60 porcento. Para estes, as rendas, não puderam ser atualizadas mais do que um valor equivalente a cerca de um quarto ao seu rendimento total, quando este se situava abaixo dos 1000 euros, ou algo assim, porque a fórmula era mais complexa.
Para os outros, e durante um período que começou por ser de 5 anos, os valores, depois do primeiro acerto, não poderiam ser mexidos, dando esse tempo aos inquilinos para procurarem outra habitação. Decorrido o prazo as rendas poderiam ser atualizadas aos preços de mercado. No entanto, mais uma vez, o PS adiou para 2022 a entrada em vigor desta parte da nefasta lei.
Quando uso a palavra nefasta sei que parece protecionista de uma faixa da população, que vive em zonas muito valorizadas a preços baixos. É verdade.
Porém, estamos a falar de uma população idosa, de muito poucos recursos económicos, que não teria para onde ir, se a lei já tivesse integralmente entrado em vigor. Em muitos casos, os valores das suas pensões nem chegam para alugar um quarto na província e sobreviver.
Se o Estado quer fazer justiça aos senhorios, por outro lado, acho perfeitamente razoável que a faça, contudo, salvaguardando, ele próprio, os montantes diferenciais em causa. Segundo um artigo recente do DN, nos 4 piores anos de crise, no tempo da Troika, foram quase 15 mil os homens com mais de 65 anos, que se suicidaram em Portugal, tendo esse número sido reduzido para um terço desse valor, a partir dos anos que se seguiram ao fim do desgoverno da austeridade cega.
Mesmo assim, e agora generalizando para toda a população, parece que ainda estamos a recuperar da crise, uma vez que, segundo a Organização Mundial de Saúde, a OMS, e embora o suicídio tenha baixado imenso por terras lusas, enquanto que a taxa deste tipo de morte é de 10,7 para cada 100 mil habitantes em termos médios mundiais, em Portugal, que está no primeiro lugar do ranking no globo, esta taxa ainda se cifra nos 13,7; ou seja, valores mais de 20 porcento acima da média existente em todo o resto do mundo.
Desculpa a abordagem, mas existem coisas, nesta nossa existência, que me revoltam imenso. Os 10 mil suicídios extra, no tempo da Troika, deveriam ter levado Passos e Cristas ao banco dos réus, num tribunal, por homicídio massivo de portugueses, mesmo que pudessem alegar ter sido involuntário. Há coisas que nunca se deveriam fazer e que, uma vez feitas, jamais terão perdão. Como é hábito nas minhas cartas, tudo aqui é dito alegadamente, ao fim ao cabo até a OMS se pode equivocar, quanto mais eu.
Mas voltemos ao tema destes dias. O desafio das quadras sujeitas a mote, desta vez para falar de animais domésticos. Aqui vai a minha tentativa, que, modéstia à parte, me parece bem conseguida:
Série: Quadras Populares Sujeitas a Tema - 10) Os Animais.
Os Animais
(Maltratados)
Quem maltrata gato e cão
Por apenas malvadez,
Não precisa de prisão,
Mas sim provar do que fez…
Gil Saraiva
Com a quadra me despeço, não sem antes deixar-te um beijo saudoso, minha querida amiga, deste amigo de todos os dias e de muitos mais, certamente,
Obrigado por me teres informado que estavas curiosa em saber o final da peça do chinês, mas só amanhã é que termino. Hoje, porém, apenas te envio a quinta parte desta história, intitulei-a de “e esta; hem?...”.
Acordei no sábado de manhã, não sei a que horas, mas era bastante cedo, principalmente para mim que, como bem sabes, minha amiga, sou um notívago ferrenho. O dia serviu para me tirarem sangue para análises, testarem o nível de glicémia, medirem a pressão arterial, o ritmo cardíaco e a temperatura, no que à parte médica diz respeito.
Já pelo meu lado, aproveitei a conquista de uma cadeira de rodas para me poder deslocar, pois desde que ali chegara que não tinha o mínimo equilíbrio. Andar a pé era uma aventura que terminava, um ou 2 passos depois de começar, comigo esparramado no chão, ou de 4, que não considero uma posição que me dignifique. Para se ter uma ideia de como eu me sentia, no que ao equilíbrio dizia respeito imagina, amiga Berta, um hipopótamo na corda bamba. Agora pensa nele a correr na dita corda enquanto atende uma chamada no telemóvel. Parece-te impossível que se equilibre, certo? Assim estava eu. Desprovido desse sentido, mas ainda viciado em nicotina o que, face à minha mobilidade medíocre, me fizera usar de engenho para pôr as luvas numa cadeira de rodas.
Aliás, o tabaco foi, naqueles dias, a minha tábua de salvação. Por muito que o Governo advirta que fumar mata, não deixa de encher os bolsos, com impostos, à custa da minha caminhada para esse cadafalso, que tão hipocritamente anuncia. A coerência governativa deveria obrigar este nosso Estado a encher de caveiras e avisos de morte as garrafas de cerveja, vinho e bebidas destiladas que continuam a matar mais em Portugal que o cigarro. Ah, e já agora também este setor devia estar interdito à publicidade. Mas isso já não dá dinheiro. São uns hipócritas.
O domingo começou bem. O amigo Bonifácio continuava a animar as hostes e a fazer toda a gente rir a cada nova piada que dizia. Para quem tinha o Síndrome de Crohn, eu achava aquele homem um exemplo de resiliência. Pelo meu lado só não agredi uma enfermeira novata, porque a minha deslocação estava bastante condicionada. A jovem mulherzinha, de cada vez que ia tratar os 2 velhotes da enfermaria, passava o tempo a insultá-los, a gritar com eles e a queixar-se que tinha mais que fazer.
A megera era de tal calibre que até o Bonifácio se sentia intimidado na sua presença. Também tentara embirrar comigo, mas proibira-a de se aproximar de mim, nem que ela fosse a única enfermeira de todo o hospital. Quando me desafiou, e quase levou com a arrastadeira em cheio no focinho, resolveu que era melhor evitar aproximações o que eu achei um ato muito inteligente.
Quando ela saiu é que fiquei a saber que, quando o Bonifácio estava pior, e tinha crises que o deitavam completamente abaixo, era tratado da mesma maneira por aquela espécie de gente. Empenhado em resolver o problema, levei parte do dia a convencê-lo a chamar-me a enfermeira que chefiava o piso 3. Por fim, com a promessa de que não diria a ninguém que ele sabia para que é que eu queria falar com ela, lá acabou por a ir buscar.
Quando a veterana chegou pedi-lhe o livro de reclamações, pois precisava fazer uma participação grave, a chefe sentou-se na borda da cama decidida a evitar uma queixa escrita no seu piso. Ouviu-me quase 20 minutos a descrever os atos da malvada incompetente. Por fim, lá me pediu, com um jeitinho muito próprio das mulheres experientes e calejadas na liderança, se, antes de eu escrever no livro, podia ser ela a tentar resolver o assunto. Acedi de bom grado. Eu estava num estado meio almareado, nem as letras via bem, a não ser que fossem garrafais.
Aquela manhã foi a última vez que vi a víbora da bata branca. Consegui saber pelo Bonifácio, de quem muito do staff do hospital parecia gostar bastante que, segundo lhe tinham ido contar, a jovem fora alvo de um relatório escrito e que tinha sido mudada para outra zona do piso 3. Assunto resolvido. O domingo terminou para mim com a já esperada dieta zero, nesse dia, não sei porquê, designada por jejum. Todavia, desta vez, eu estava alerta e prevenido.
Lá me colocaram o papel plastificado, por cima do leito, com o aviso fatal, não fosse uma auxiliar distraída alimentar-me o ego ou o bandulho.
Faço aqui um pequeno desvio da narrativa para elogiar a dedicação de todos os trabalhadores do piso 3 em particular e do hospital em geral. Fiquei deveras impressionado pelo modo como se dedicavam, principalmente aos acamados sem a independência para tratarem de si, muito para além das normas, do dever e da obrigação.
A única exceção, como em toda a regra, fora a enfermeira idiota, catraia demais para saber e entender o que significa dignidade e respeito, que já te referi atrás, minha amiga, mas a coitada nem conta, nesta incrível estatística hospitalar.
Por volta da meia-noite, mais minuto, menos minuto, acordei com uma fome brutal. Abri a gavetinha da mesa de cabeceira, tirei um chocolate Mars, que comi rapidamente e depois um segundo. Depois bebi uma lata de Sumol de ananás, e fiquei bem. Tinha trazido um abastecimento de comes e bebes do quiosque-snack que ficava perto da entrada do hospital e onde eu, de cadeira de rodas, ia umas 5 ou 6 vezes por dia para fumar. Perfeitamente consolado e tendo escondido as evidências do repasto, deixei-me levar calmamente para o outro lado. O mundo dos sonhos parecia-me bem mais nítido e equilibrado, naquela altura, do que a vida real que por agora atravessava.
Segunda-feira desci às profundezas do piso zero para a muito aguardada intervenção. Soube que seria o segundo daquele dia a ser intervencionado. Era para ser o primeiro, mas, para minha pouca sorte, aparecera um caso ainda mais urgente do que o meu. Ia lindo, na cama, com uma bata branca, que pela frente parecia mais um vestido em minissaia e que pela parte de trás tinha um decote imenso até aos calcanhares.
Acordei da anestesia geral pouco depois de terem passado duas horas desde que partira do universo consciente da realidade para o sonho cirúrgico dos especialistas. Despertei irritadíssimo, a arrancar tudo, cateter, oxigénio, pulseira identificativa, soro, roupa da cama, eu sei lá. Parecia que fugia de alguém com intenções pouco católicas, que apreciara o meu referido decote traseiro. Foi uma coisa perfeitamente indescritível.
A enfermeira do bloco acalmou-me. Falou comigo muito pacientemente, lá me disse que havia pacientes que acordavam assim alvoraçados da anestesia geral. Contudo, que ela tivesse visto até àquela data, nunca lhe aparecera um com tanta genica. Não sei bem se me recordou que o Passos Coelho já não era Primeiro-Ministro, mas também não importa para o caso. Não devia ter falado sobre isso que eu estava estupido demais para análises políticas. O que realmente foi importante foi a informação que me deu sobre a minha intervenção.
Lá me contou como correra toda a operação. Infelizmente ficara a meio. Achavam que tinham partido a pedra, mas sem certezas, nem tinham tido tempo de colocar o tubo no canal biliar, um tal de stent, nem conseguido rever convenientemente se eu estava livre da pedraria clandestina que me invadira, o tal de calhau, como eu habitualmente lhe chamava.
Espantado fiquei a saber que a peça da China avariara de novo (talvez não fosse da China pensei eu, mas sim uma Peça do Chinês, com a devida qualidade que lhe deu a fama). Enfim, teria de voltar dali a um mês. Iam pedir nova peça à China. Normalmente era uma coisa de 30 dias.
Puxando pela conversa, preocupado com o sucedido, lá fiquei a saber que era normal a peça avariar e que não havia peças em stock. Sem a dita cuja não era possível fazer CPRE, ou seja, mais ou menos de 2 em 2 meses o hospital ficava privado da única máquina que tinha para o efeito por 30 dias. Uma coisa totalmente absurda tendo em conta a quantidade de gente a necessitar do equipamento.
Na terça-feira deram-me alta, esquecendo-se de me medicar para o fígado, uma vez que a CPRE me tinha deixado com um fígado a funcionar em péssimas condições. O médico gastroenterologista, que me estava indicado, apenas falou comigo depois da intervenção e nem me entregaram os exames que tinha efetuado, nem me receitaram medicação para tomar em casa.
Como consequência de tudo isso, querida amiga Berta, passei quase 4 meses terrivelmente maldisposto, sem grande equilíbrio, completamente zonzo e sem saber o que tinha. Pior do que isso, a pensar que parte do calhau ainda tinha ficado no canal biliar. Só quando fui buscar os exames e análises passados 4 meses é que descobriram que o médico se esquecera de me medicar. Nesses 4 meses estive 2 vezes com a conclusão da minha intervenção marcada, mas nas 2 vezes voltaram a desmarcar por novas avarias na peça do chinês. Foi nessa altura que me lembrei do velho Fernando Pessa: E esta, hem???
Por hoje fico-me por aqui, amanhã envio-te a conclusão desta história que não lembra ao diabo. Fica com um beijo saudoso, deste que não te esquece,