Carta à Berta: O Orçamento de Estado e o Triplo XXI
Olá Berta,
Já vi nas notícias que choveu e bem por aí. Espero que dê para encher as barragens e para deixar os solos húmidos. A chuva faz muita falta ao Algarve.
Hoje, estou aqui para te falar da apresentação do OE, isso mesmo, o Orçamento de Estado. Mas fica descansada, não me vou armar em José Gomes Ferreira, nem em Manuela Ferreira Leite ou em Francisco Louça, muito menos em comentador bailarino, tipo Marques Mendes, que tudo comenta sem de tudo saber.
Nada disso, apenas vou falar enquanto portuga mediano que escuta o que se diz sobre o orçamento e tira as suas conclusões, próprias, pouco analíticas, do ponto de vista económico, e mais baseadas naquilo que é o seu dia-a-dia, com tudo o que um documento desta natureza lhe pode afetar e alterar rotinas estabelecidas.
Depois de ouvir os especialistas da televisão, e de ler as notícias online, acho que vou ficar na mesma. Sem grandes alterações ou sobressaltos no meu quotidiano, sendo que isso, por si só, já não é uma má notícia.
Contudo, há algumas notas que terei de realçar: o Ministro das Finanças, Mário Centeno, não abre mão do seu porquinho de zero vírgula dois porcentos de excedente orçamental. Com isso, os transportes, nomeadamente os ferroviários, voltam a ficar apenas na pouca-terra, pouca-terra; com a Linha de Sintra, já em processo de rotura para quase meio milhão de pessoas, a não ver a resolução deste problema ao fundo do Túnel do Rossio ou seja de que túnel for; a educação mantem-se em níveis que não perspetivam uma melhoria para os alunos, os auxiliares de ação educativa, os professores ou até para as imensas instalações afetadas pelas más condições ou pelo amianto; ao que parece quer o IVA da eletricidade, para os clientes de menor consumo, quer os escalões do IRS, passam para a discussão na especialidade sem garantias, até ao momento, de mexidas substanciais, mais uma vez.
Mário Centeno fala em factos históricos. É uma realidade que este é o primeiro orçamento da democracia portuguesa a dar lucro, feito alcançado pelo XXI Governo Constitucional, no século XXI, mesmo às portas do ano XXI. Mas essa bonita trilogia nada resolve de substancial.
Os ordenados da Função Pública voltam a derrapar; os impostos indiretos sobre os produtos açucarados, o tabaco, o álcool, os produtos petrolíferos, entre outros, mantém as previsões de subida; as pensões mais baixas continuam muito aquém do que era ambicionado; os desempregados de longa duração e o elevado nível de jovens à procura do primeiro emprego parecem destinados à estagnação, as soluções de fundo para a habitação ficaram esquecidas nalgum sótão perdido nos Paços do Governo; não se apresentam projetos de investimento e relançamento económico, no panorama macroeconómico, por parte do Estado; até mesmo a grande injeção de capital na saúde parece deixar apenas a ferida do SNS desinfetada, mas sem apresentação de uma cura à vista.
No entanto, minha adorada amiga, temos mais de 17 mil milhões de euros em reservas de ouro, fora os outros (vários) milhares de milhões em reservas em moeda corrente, cerca de metade guardado por cá e a outra metade em diversos locais do mundo, estando uma boa parte do bolo à guarda de um tal de Donald Trump, nos Estados Unidos da América. Uma história rocambolesca a lembrar o Tio Patinhas que deixa a família viver com salários ridículos, enquanto ele se banha na sua imensa caixa forte recheada de fortunas.
Não compreendo as lógicas de mercado, nem as negociatas da alta finança, mas sei que a utilização de apenas 20 porcento do ouro libertava completamente Portugal do sufoco e gerava um boom nacional nunca visto por terras lusas. Contudo, devo estar louco, por só eu pensar desta forma.
O uso cirúrgico dessas verbas ou até um pouco mais do que isso, não apenas podia servir para pagar os compromissos da dívida pública da República para este ano, como libertava do Orçamento de Estado uma verba tão significativa que seria equivalente a alcançarmos uma tal prosperidade que poderia levar à angariação de verbas superiores às inicialmente aplicadas.
Seria como meter um foguete na Lua, carregá-lo de pedras preciosas e com estas, de regresso à Terra, pagar o foguete e ainda ter lucro com a expedição. Enfim, coisas de quem não entende nada de economia e finanças, minha querida amiga. Isto sou eu a sonhar à noite.
Despeço-me com um beijo saudoso, enviado com gosto por este que não te esquece,
Gil Saraiva