Carta à Berta n.º 574: A Explicação do Império Russo - O Desnazificar
Olá Berta,
Ontem, uma nova palavra entrou, com a ocupação russa da Ucrânia, no léxico português. Não é que ela não existisse já, com efeito a palavra em causa não é um neologismo, mas, pelo que me consigo aperceber é a primeira vez que a vejo usada num contexto internacional.
Estou a falar de DESNAZIFICAR, ou seja, por ordem de significados, “suprimir o carácter nazi da Ucrânia”, “erradicar doutrinas e/ou práticas políticas nazis na Ucrânia”, “livrar a Ucrânia do nazismo ou da sua influência”. Ora, uma coisa que o Ocidente sabia, no que à Ucrânia dizia respeito é que uma vasta corrupção e algum autoritarismo proliferavam por aquele país com alguma impunidade, porém, dai a chamar o Governo da Ucrânia de nazi vai um imenso salto no abismo, dificilmente justificável a nível internacional.
Mas vamos às afirmações que foram proferidas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, quando afirmou ontem que a Rússia não reconhece o governo da Ucrânia como democrático e que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, “mente” quando diz querer discutir a neutralidade do país. Segundo o que o mesmo orador afirmou em conferência de imprensa, “ninguém está a planear ocupar a Ucrânia” sendo, isso sim, o objetivo da Rússia "libertar os ucranianos da opressão". Estas afirmações, destaco, foram feitas pelo Governo da Rússia.
Mas o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo disse mais: "Putin tomou a decisão de realizar uma operação militar especial para desmilitarizar e DESNAZIFICAR a Ucrânia para que, livres da opressão, os próprios ucranianos pudessem determinar livremente o seu futuro".
Na mesma conferência de imprensa, o ministro acrescentou ainda que “ninguém está a planear ocupar a Ucrânia” e que o objetivo da Rússia é "libertar os ucranianos da opressão".
Como podes ver, minha querida amiga Berta, afinal Putin é um coração puro, alguém que acha que o seu povo irmão, tem armas a mais e está a aproximar-se em demasia das ideias arianas, absolutistas e radicais, que Hitler implantou na Alemanha num tempo que já lá vai.
O ridículo da situação é vermos alguém como Putin, que governa a Rússia num regime absolutista de direita autocrática, oligarca e czarista, com laivos de um imperialismo narcisista crescente, vir falar agora, como pretexto de uma invasão em DESNAZIFICAR um país vizinho.
Todos sabemos que Putin vem dos antigos quadros comunistas da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o que por si só já era suficientemente arrepiante, mas o regime que impõe hoje na Federação Russa, é um regime absoluto, autocrata, de uma direita imperial que nada tem a ver com o velho comunismo, a não ser na falta de liberdade sentida pelo povo russo, que se mantém igual.
A viragem foi de cento e oitenta graus. Sendo que quem está perto de filosofias nazis, bem analisadas as coisas, é o próprio Kremlin, ou seja Putin. A vida é o que é e não vale arranjar desculpas para o desejo narcisista deste governante em voltar a ter um império.
Experimenta, minha amiga, pôr lado a lado, Napoleão, Hitler e Putin. A altura e a fisionomia dos três são semelhantes. E se colocares nos outros dois um bigode e um capachinho à Hitler vais entender o que eu estou a insinuar, ou seja, são todos farinha do mesmo saco. O que ainda torna as afirmações do Kremlin mais ridículas.
Em resumo, qualquer regime que não tenha um verdadeiro sistema democrático, cujos mandatos dos líderes tenham uma dimensão temporal bem definida, que os impeça de se prolongarem no poder indefinidamente, e em que os cidadãos não possam escolher livremente os seus representantes para os diferentes órgãos de poder, seja à esquerda, seja à direita, ou ao centro, não é uma democracia nem tem autoridade moral para criticar governos de outros países. Putin, quer ele ache quer não, não passa de um ditador fascista déspota e autocrático.
A Ucrânia, que se aproximava de poder vir a ter um verdadeiro regime democrático, sofre do mal de ter Putin por vizinho, mais um imperador narcisista, petulante e ditatorial, enfim um czar de fato e gravata. Por hoje fico-me por aqui, querida Berta, recebe um beijo saudoso deste teu amigo de sempre,
Gil Saraiva