Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Ontem, depois de dias e dias de suspense o Orçamento de Estado passou. O espetáculo foi transmitido na televisão e vê-lo passar foi quase surrealista. Porém, acabou por ser o Novo Banco, tema que começa a ficar velho, o verdadeiro protagonista do dia. A Assembleia da República acabou por votar maioritariamente à esquerda e à direita o condicionamento de transferências de verbas para a instituição. Primeiro exigem os resultados de uma auditoria efetuada pelo Tribunal de Contas. No meio deste desfile dei comigo a cantarolar “A Banda” de Chico Buarque. Resolvi fazer umas adaptações e falar através delas do que se passou.
“O Orçamento”
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver o orçamento passar
Cantando verbas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver o orçamento passar
Cantando verbas de amor
O desempregado que contava dinheiro parou
O banqueiro que contava vantagem parou
O restaurante que contava as cadeiras parou
Para ver e ouvir a votação bem ali na TV
A Ana Gomes, que vivia falada, sorriu
A mercearia que vivia fechada se abriu
E a imprensa toda se assanhou
Pra ver o orçamento passar
Cantando verbas de amor
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver o orçamento passar
Cantando verbas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver o orçamento passar
Cantando coisas de amor
O Novo Banco se esqueceu dos ataques e pensou
Que vinha verba pra sair do buraco e… dançou
E o Ventura por 3 vezes votou
Ninguém sabe bem em quais ele se enganou
A Ferreira Leite debruçou na janela
Pensando que orçamento caía, qual estrela,
E falhou, que PCP não deixou
Que o PAN o acompanhou…
A marcha alegre se espalhou na assembleia e insistiu
A Joacine que vivia escondida surgiu
O hemiciclo todo se enfeitou
Pra ver o orçamento passar
Cantando verbas de amor
Mas para meu desencanto
A Covid não acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que o orçamento passou
E cada qual no seu canto
E em cada canto uma dor
Depois do orçamento passar
Cantando verbas de amor
Depois do orçamento passar
Cantando verbas de amor
Depois do orçamento passar
Cantando verbas de amor
Depois do orçamento passar
Cantando verbas de amor
Pois é minha querida Berta, depois do circo a vida continua. Este é um momento difícil como poucos que o país viveu nos últimos anos. Espero que em breve tudo nos pareça um pesadelo que também passou. Despeço-me com um grande abraço, este teu velho amigo,
Conforme já deves ter ouvido nas notícias, morreu ontem Diego Armando “Mão de Deus” Maradona. Um dos mais geniais futebolistas que o mundo, até hoje, teve o privilégio de ver jogar e de conhecer. O jogador que conseguiu ver validada uma vitória, num jogo de um campeonato do mundo, graças a um golo que ele mesmo meteu na baliza do adversário, com a ajuda de uma mão, ao que dizem, a de Deus.
Um génio adorado por um povo, por um país inteiro, a Argentina, mas odiado por muitos, pelos seus comportamentos, excessos, vícios e atitudes fora do âmbito das quatro linhas. Um ser controverso e complexo que, no conjunto global, o tornou uma figura única e incontornável do desporto mundial e do futebol em particular.
Um Deus do Desporto Rei, lembrado como poucos, principalmente por ser possuidor de uma genialidade única e irrepetível. Um semideus na Argentina onde até uma igreja e um culto foram criados para o venerar. Um Rei em Nápoles onde durante 7 anos serviu o clube homónimo com garra e honra elevando ao estrelato mundial a cidade mais pobre de Itália, precisamente na altura em que era o melhor jogador do universo.
Perdeu-se no álcool, nas drogas, nos radicalismos, nas farras, nos excessos, todavia, os fãs, sempre perdoaram.
Um perdão incondicional oferecido por um povo, pelas multidões de verdadeiros fãs e fanáticos para quem acima do homem está o génio que ostenta na sua mão ao alto a divina “Mão de Deus”.
Nunca fui um adorador do jogador, mas é impossível não lhe reconhecer o génio e o rasgo. Por isso, enquanto me despeço, amiga Berta, aqui deixo a minha mais sincera homenagem a Diego Maradona. Fica bem, com um beijo, de lágrima no canto do olho, deste teu amigo de todos os tempos,
Obrigado pela lembrança no teu email de ontem a propósito de hoje ser o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Com efeito, embora eu tente manter-me a par deste tipo de efemérides, onde a relevância da mensagem ganha uma importância superlativa, podia dar-se o caso de eu não conferir a data, em tempo útil.
Sabes, minha querida amiga, não são poucos os dias deste género de alerta mundial, internacional ou europeu que me irritam. Com efeito, irrita-me que tenha de haver um dia contra o racismo, a xenofobia ou pela igualdade de género, só para dar mais alguns exemplos. Não consigo compreender que tenham de existir dias determinados para lembrar aos povos e aos governos coisas que deviam ser tão básicas e elementares como falar ou comer.
A violência contra as mulheres, principalmente a que está implícita neste dia internacional, quando praticada por homens, é de tal forma cobarde ou abjeta que, quase no final deste primeiro quartel do século XXI, já deveria apenas ser um caso raro e excecional, uma coisa que apenas ocorreria ocasionalmente sem a relevância que a prática ainda corrente lhe confere. Um homem que investe gratuitamente contra uma mulher é um ser que perdeu a noção do equilíbrio, com muito poucos atributos que o possam classificar como ser humano racional, moral e ético.
Não só a violência contra as mulheres é um atentado ao nível civilizacional em que o mundo se deveria encontrar, como, logo à partida, revela que, para esta acontecer, a própria igualdade de género também já foi quebrada.
Aliás, lembro que esta igualdade reconhece perfeitamente as diferenças entre mulheres e homens, só para falar destes dois casos mais óbvios, e não torna, nem muito menos implica que um género tenha de ser uma cópia fiel do outro. Nada disso, apela, pelo contrário, ao reconhecimento das diferenças e ao tratamento de qualquer dos sexos com imparcialidade e com o mesmo tipo de regalias, direitos e deveres, sendo que para tal se exige o respeito integral pelas especificidades próprias de cada género.
A eliminação da violência contra as mulheres exige dos governos uma legislação que puna com a mesma seriedade qualquer tipo de afronta, agressão ou ato violento de um homem que o pratique, tal como condena quando as situações se dão entre homens. A igualdade, liberdade e fraternidade não são conceitos que se apliquem apenas e só ao lado masculino e másculo da humanidade, nada disso, são conceitos universais que abrangem todo e qualquer ser humano.
Não me quero adiantar com exemplos sobre a matéria. Apenas desejo lamentar que, para se conseguir alguma justiça, ainda tenha que existir um dia internacional com esta denominação. Bom sinal será o do ano em que for extinto.
Por hoje é tudo, minha querida e simpática amiga, recebe como despedida um enorme abraço virtual, deste teu eterno amigo,
No âmbito da aprovação do Orçamento de Estado para 2021 o PAN, o Partido dos Animais e Natureza (eles dizem também pessoas, embora isso não conste da sua própria sigla) conseguiu fazer aprovar, uma nova taxa que entrará em vigor em 2022. Fica estranho que um partido que se apresenta contra o aumento de impostos, venha, à distância de um ano e um mês, quase que à socapa, impor um novo imposto que terá uma implicação direta sobre o consumo das classes mais baixas, até à famosa classe média, bem como sobre o seu rendimento mensal real e efetivo.
A taxa visa cobrar 30 cêntimos por embalagem descartável para refeições. Embalagens que até ao momento custavam entre 2 e 10 cêntimos, que pouco ou nada eram imputados ao consumidor final (as ditas pessoas de quem o PAN se diz defensor). A partir de 2022 o Zé Povinho passa a pagar mais meio euro (que vai ser o resultado do aumento no custo das embalagens, acrescidos de impostos e do aproveitamento dos fornecedores e revendedores), de cada vez que traga uma sopa do supermercado ou do pequeno comércio, uma refeição congelada ou que faça um pedido de entrega de comida ao domicílio ou use o “take-away”. Em números redondos, se levarmos em linha de conta os hábitos de um reformado urbano, facilmente somos levados a concluir que a situação é mais grave do que se imagina.
Se bem que no interior e nas aldeias os hábitos não sejam exatamente os mesmos, nas cidades e nas grandes zonas metropolitanas, onde se concentra 80% da população do país, um idoso, normalmente a viver sozinho ou na companhia do seu par, de idade semelhante, passa a ter um encargo mensal acrescido, que podendo inicialmente parecer pouco, se traduz numa enormidade perante as parcas reformas da população alvo.
Para poder ter algumas bases sobre o que fundamento em seguida, resolvi contactar os proprietários de vários espaços de restauração que conheço aqui, em Campo de Ourique, e perguntar a algumas das caixas de supermercado, com quem já tenho uma certa lidação, qual era o comportamento dos séniores nas suas aquisições.
Face a esta pequena investigação pude concluir que, em média, um sénior leva para casa, diariamente, duas embalagens de comida preparada e, pelo menos, outras duas para o fim de semana. Uma das embalagens é normalmente uma ou duas sopas (dependendo se vive sozinho ou se tem cônjuge) para o jantar e uma embalagem de frango do supermercado ou do prato do dia, do seu espaço de restauração habitual. O somatório destas encomendas perfaz um volume de 48 embalagens por mês. Ora, se multiplicarmos isto por 50 cêntimos, teremos para os idosos, em média (haverá certamente casos piores ou melhores), um acréscimo de 26 euros por mês em custos.
Em resumo, o aumento extraordinário de 10 euros das reformas do próximo ano, mais a subida observada este ano e a do ano de 2022 serão integralmente absorvidas por esta ecológica medida do Partido dos Animais e da Natureza (e das pessoas, segundo afirmam os seus líderes).
Por incrível que pareça serão as famílias remediadas, e as com menos meios, as mais afetadas em mais este contributo ecológico. Aliás, a ele irá somar-se a taxa que vai nascer proximamente para os resíduos sólidos urbanos por agregado familiar.
Os ricos não trazem com regularidade o jantar para casa. Pelo contrário, ou jantam fora ou têm quem lhes confecione o jantar. A sorte de uns e o azar dos outros é uma das causas do fosso cada vez maior entre quem tem e quem não tem na nossa sociedade contemporânea. É triste ver que de uma assentada, graças ao PAN, o nível de vida da terceira idade recua três anos.
Não penses, querida amiga, que sou contra medidas ambientais. Pelo contrário, sou totalmente favorável, mas deve haver a preocupação em que o ónus não recaia sempre sobre os mesmos. Afinal, segundo sempre ouvi dizer, o Sol quando nasce é para todos. Até lá… resta-me dizer: arreganha a taxa, ó Zé! Recebe um beijo de despedida deste teu amigo de ontem, hoje e sempre,
Entrámos hoje num novo Estado de Emergência. Agora temos o país dividido, face à pandemia, em 4 cores. Quanto mais carregada é a cor, mais grave é a situação do concelho assinalado. Os graus de gravidade são igualmente quatro: moderado, elevado, muito elevado e extremamente elevado. Até aqui a coisa parece clara.
Contudo, se não há diferença entre as consequências entre muito elevado e extremamente elevado, a criação dos escalões perde algum sentido. Qual é a motivação que um concelho tem para descer do nível máximo para o imediatamente anterior? Ah! A responsabilidade de combater a pandemia. Certo. Mas isso chega em termos de incentivo? Tenho as minhas dúvidas, sabendo eu como funciona o poder local, sem prémio não há motivação.
Se os níveis agora anunciados, para classificar o risco pandémico, servissem para esclarecer os efeitos na performance masculina sobre o efeito do viagra e similares, a situação seria bem mais divertida e muito menos perigosa, quiçá mesmo competitiva. Um concelho com uma performance extremamente elevada, principalmente nos idosos seria, nesta hipótese demonstrativa, um concelho feliz. Contrariamente à pandemia nenhuma região iria querer fazer parte do escalão dos moderados. Aliás, conhecendo o povo português, rapidamente seriam alcunhados.
Já estou a imaginar o Correio da Manhã a fazer manchete, em gigantescas parangonas, com as autarquias dos pilas-moles ou o Expresso a apresentar um Estudo ou uma douta Opinião Especializada e aborrecida, sobre as consequências, do efeito extremamente elevado, nos séniores portadores de doenças cardiovasculares, entre outras.
De uma forma ou de outra, a imprensa e a comunicação social em geral, haveriam de arranjar maneira de tirar todo o divertimento aos efeitos na performance masculina sobre o efeito do viagra e similares no escalão sénior da sociedade. Porém, tenho dúvidas se com isso afetariam a competição saudável que esta luta pela busca dos prazeres básicos iria certamente suscitar.
Estava a imaginar, aqui com os meus botões, como seria este novo mapa nacional a quatro cores. Que concelhos estariam em ambos os extremos do mapa? À partida, eu que de sexologia, enquanto ciência, sei muito pouco, sou levado a pensar que o Norte continuaria a ser o grande detentor do tom carregado próprio da classificação de extremamente elevado.
Nunca saberemos. Como sempre parece haver pouco interesse em medir e aferir a verdadeira felicidade do povo, pois é mais dramático e vende mais massacrá-lo com os níveis da desgraça nacional. Todavia, não me admiraria se a sombra de um chaparro não contribuísse positivamente para uma atividade mais dinâmica, mas isto sou só eu a pensar. Fico-me por aqui, querida amiga, recebe um beijo de até amanhã deste que não te esquece,
(Legenda: A cara de totó de quem acabou de vir de férias e tem um monte de surpresas à sua espera. Diria Fernando Pessa: "E esta, hein?!")
Olá Berta,
Aqui estou eu de novo para te descrever a segunda parte das desventuras e d’“Os Azares de um Homem de Sorte”. Depois de todas aquelas horas gastas com a limpeza, higienização, desinfeção e aromatização da casa, fruto dos dezanove dias que a minha arca congeladora passou sem eletricidade, resolvi ir relaxar um pouco e sentar-me ao computador para saber das novidades do país e do estrangeiro.
Estava à demasiado tempo sem ler nada de notícias, com exceção das desportivas. Achei que um regresso à normalidade do meu usual quotidiano me faria bem e me aliviaria do stress que encontrara ao entrar no apartamento. Bem… enganei-me novamente. Ao ligar a máquina esta fez um pequeno barulho a indicar que iria arrancar e voltou a desligar-se, remetendo-se a um silêncio tumular.
Tentei mais duas vezes e o resultado continuou a ser exatamente o mesmo. Chateado, e a chamar nomes ao equipamento, que fariam corar uma varina, desliguei os cabos da torre e abri a máquina. O pó de vários anos, normalmente quente porque nunca costumo desligar o aparelho, tinha condensado definitivamente. Em vez de pó tinha agora umas placas de alcatrão (resultado da mistura do pó com o fumo dos milhares de cigarros que aqui fumei) a forrar tudo o que era ventoinhas do interior da torre.
Fui buscar o aspirador e tentei aspirar o máximo possível. Porém o pó e o fumo associados à humidade gerada por uma máquina fria tinham feito blocos em volta de tudo o que era ventilação. Os «cloolers» da placa gráfica e do processador estavam integralmente tapados por uma placa densa e negra de uma pasta estranha e malcheirosa.
Desisti finalmente de tentar resolver o assunto sem a ajuda de um técnico. Liguei o meu velho equipamento de reserva que funcionou à primeira e fui procurar um técnico que viesse a casa. Por fim, depois de várias tentativas e de muitos preços absurdos por uma assistência, consegui um informático particular fabuloso no OLX. O senhor Filipe Costa que se prontificou a dar-me auxílio, sem cobrar deslocação, logo na manhã do dia seguinte.
Ainda desanimado decidi ir ver televisão. Má escolha, o écran da dita cuja não dava sinal. Liguei para o serviço técnico da MEO e passei a hora e meia seguinte com o assistente a mandar-me ligar e desligar cabos, box, router e por aí em diante. Finalmente consegui ver televisão, descansado, no sofá. Tinham passado 8 horas e 15 minutos desde que abrira a porta de casa. No dia seguinte o Sr. Filipe (deixo o contacto para quem se sinta aflito como eu: 968 458 731), um técnico da velha guarda, passou mais de uma hora a limpar-me o computador. Finalmente fiquei com a torre a funcionar. No entanto descobrimos que a placa gráfica estava com problemas e que precisaria de ser substituída brevemente.
Decidi avançar para a reparação e aproveitar para colocar um disco de arranque mais rápido e fazer ainda alguns melhoramentos na minha peça de museu. Resultado: trezentos e vinte euros de upgrade e mais cinquenta de mão de obra. A somar ao prejuízo dos quatrocentos euros da arca no dia anterior, regressei de férias e iniciei um novo ciclo com um rombo no orçamento de setecentos e setenta euros no total. Uma maravilha.
Afinal minha querida amiga Berta, são «Os Azares de um Homem de Sorte”. O técnico foi-se embora e eu sentei-me ao computador para enviar um email para a Segurança Social que não podia esperar. Porém, o correio eletrónico teve de aguardar. Descobri que não tinha internet. Depois de mais quarenta e cinco minutos com a assistência da MEO fiquei a saber que a reconfiguração do dia anterior me desconfigurara a minha rede de internet. Por fim, quase já em desespero, consegui enviar o email desejado.
Como vês minha querida amiga, a Lei de Murphy continua atual e funcional: “quando alguma coisa corre mal, tudo corre mal”. Por hoje é tudo, despeço-me com um beijo saudoso, este teu amigo,
Hoje é o dia de te contar as desventuras do meu regresso a casa. Uma saga inacreditável que demonstra bem os azares de um homem de sorte. A viagem em si decorreu muito bem e estava em casa três horas e meia depois de ter apanhado o comboio na Fuzeta. Contudo, ao subir os últimos dois lances de escada que me conduziam ao meu terceiro andar, fui sendo invadido por um cheiro desagradável que aumentava a cada degrau subido.
Abri a porta do apartamento e fui envolvido por um terrível odor a mortos que me deixou confuso porque a casa deveria estar vazia. Carreguei no interruptor para abrir a luz do corredor e nada aconteceu. Por instinto, abri a portinhola do quadro da luz e o disjuntor geral estava desligado. Foi nesse momento que me lembrei de imediato da arca congeladora. Corri até à cozinha e horror dos horrores o cheiro a carne e peixe podre que vinha da arca era tal que a vontade de vomitar se tornou instintiva.
Abri a janela da marquise, que dá para a cozinha, para deixar entrar o ar fresco. Atravessei de novo o corredor, que liga a frente e as traseiras do piso, e abri todas as janelas da casa. Precisava dos aromas da rua com urgência. Finalmente, ganhei coragem e abri a arca de quatro gavetas, que deveria estar carregada de peixe e carne. O fedor inacreditável fez-me vomitar pela segunda vez.
Enchi 5 sacos com quatrocentos euros de carne e peixe podre e fui colocar tudo no caixote do lixo do edifício, que tive de meter na rua para não empestar o prédio. De regresso ao último andar, perfumei a minha máscara de Covid e fui fazer as limpezas da arca, frigorifico e chão, cheio de um líquido bordeaux com fragrâncias vindas diretamente de um qualquer cemitério milenar.
Levei três horas e meia a higienizar tudo, incluindo o balde e a esfregona no final da festa. Os panos que usei, mais os rolos de papel de cozinha com os vestígios da podridão, encheram 3 sacos, que seguiram caminho imediato para o caixote fora do prédio.
Por sorte tinha bicarbonato de sódio e vinagre em casa que coloquei a absorver o fedor que, no termo das limpezas, ainda se fazia sentir. Acendi vários incensos enquanto tratava da higienização e finalmente senti-me num ambiente mais respirável.
Por hoje fico-me por aqui. Não faria muito sentido dizer-te que, depois desta primeira parte da saga, os «Azares de um Homem de Sorte» não tinham acabado, mas é a verdade. Amanhã conto-te a segunda metade destas desventuras amargas. Recebe um beijo de despedida deste teu amigo de sempre,
«O Regresso do Senhor da Bruma» quase parece nome de sequela de filme de suspense aos écrans de cinema, contudo, minha querida amiga, é apenas a volta ao contacto entre nós com as habituais crónicas, depois de 19 dias de férias.
Conforme prometido enviarei, nos próximos dias e pela ordem correta, devidamente colocados nos respetivos dias correspondentes, as cartas que ficaram em falta, pelo que, dentro de dias, estará preenchida a lacuna entre o dia 13 de setembro e o dia 2 de outubro. Conforme combinado todas serão colocadas no blog https://alegadamente.blogs.sapo.pt cujo título é Carta à Berta.
Também as colocarei no meu Facebook, pelo que as poderás ler pelo correio eletrónico, pelo Facebook ou pelo blog do sapo em causa, conforme te for mais conveniente. Estranhei, no entanto, que no dia em que chego à Fuzeta tu tenhas resolvido ir de férias cá dentro rumo ao conhecimento do nosso Portugal. Gostava te ter encontrado no Algarve. Ficará para uma próxima vez.
Depois de ter passado dezanove dias numa terra sem qualquer caso ativo de Covid, sem ouvir ou ler notícias, com exceção das desportivas, fez-me confusão ver o salto enorme que ocorreu em termos de infeções no país e no mundo. Mais admirado fiquei por termos sido ultrapassados no ranking por uma série de países que estavam bem longe.
Pela primeira vez abandonámos o top cinquenta dos mais infetados em termos de análise mundial. Ora tendo Portugal apenas 87 países com mais população que nós é de louvar a posição que ocupamos atualmente em termos de Estados afetados pela pandemia. Mais espantoso é se observarmos que em redor do território nacional temos algumas das situações mais graves, nomeadamente a Espanha, o Reino Unido, a França, a Itália e Marrocos.
Quanto às férias foram maravilhosas. Já o regresso foi mais complicado, porém, deixo isso para te contar amanhã. Por hoje despeço-me com um beijo de amizade deste teu amigo de sempre, que nunca te esquece,
Já te deves ter esquecido do meu Diário Secreto, onde no passado dia 27 de julho falei, pela última vez, dos meus pensadores de eleição. É a eles que retomo hoje. O meu próximo pensador é um americano, filho de pais gregos, Nicholas Negroponte. Trata-se de alguém que eu defendo mais no campo das ideias, do que na realidade prática das suas ações. O que pesou para o incluir nos meus pensadores eleitos e, em última análise, aquilo que mais me interessou foi o seu pensamento avançado e abrangente relativamente à educação e à inovação da mesma.
Nas minhas conversas com a consciência no Diário Secreto do Senhor da Bruma ele ocupa o quinto posto. Embora sendo considerado um cientista e um arquiteto, o que importa, minha querida amiga Berta, no personagem e aquilo que nele mais considero relevante foi a revolução que, quanto a mim provocou no ato de pensar. Em última análise Negroponte é um pensador. Passo, pois, à devida apresentação:
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Conversas com a Consciência
5) Nicholas Negroponte (III – 10)
Maio, dia 15:
"5) Nicholas Negroponte (1/12/1943) - Formação superior em Arquitetura, com seguimento de estudos no MIT, o famoso Massachusetts Institute of Technology onde acabaria por fundar o Media Lab, o Laboratório de Novas Tecnologias de Informação e Media onde também foi professor e se tornou um pensador:
Nicholas nasceu em Nova Iorque e, embora americano, a sua ascendência grega haveria de o ajudar a olhar o mundo de forma diferenciada. Nos anos 90, do século passado, lança um livro considerado brilhante: «A Vida Digital», enquanto, a par com este lançamento, mantém, igualmente, uma coluna regular na revista Wired, passando a ser levado muito a sério no seio do mundo informático.
Maio, dia 16:
Enquanto fundador do Media Lab, Negroponte, consegue o apoio para este laboratório de mais de 105 empresas sendo que, entre elas, estão algumas das maiores corporações americanas e boa parte dos pesos pesados da indústria do entretenimento. Foi neste centro onde ele se especializou em Computer Aided Design (desenho assistido por computador), ou seja, o CAD, sendo o Autocad o programa mais conhecido entre os desenhadores e arquitetos. Por força dos progressos informáticos em que participa torna-se um defensor das novas tecnologias, advogando que estas trarão sempre mais coisas positivas do que negativas às comunidades.
Maio, dia 17:
Esta forma de pensar torna-se numa corrente de abordagem da realidade, a «Tecnofília», à qual se juntam nomes como o de Henry jenkins, Dan Gillmor, Howard Rheingold e George Gilder. Todo este grupo encara o avanço tecnológico e informático como algo de muito positivo e acredita que ele traz mais benefícios do que prejuízos à sociedade. Aliás, para Negroponte haverá um saber estar interativo entre diversas pessoas do mundo, com um grande fluxo de troca de ideias e isso de uma forma cada vez mais participada. Dessa forma o mundo digital irá se adaptar aos usuários, sendo cada vez mais específico e proporcionando abordagens ou trabalhos conjuntos entre pessoas que não se conhecem.
Maio, dia 18:
Nicholas apresenta a diferença entre bits e átomos. Para ele a natureza física, constituída de átomos, passa a ser transmitida e «transformada» em outra realidade, que insiste ser a digital (bits): «É o menor elemento atômico no DNA da informação». Sem matéria física, a informação em bits pode ser transmitida em maiores quantidades num tempo e espaço menores, ultrapassando os limites da informática e entrando cada vez mais na vida humana.
Maio, dia 19:
O conceito de multimédia, como uma interação entre bits informáticos, bits de vídeo e bits de áudio moldada para cada utilizador facilitará, em crescendo, o seu uso, sendo que são estes ditos «sistemas inteligentes» que se terão de adaptar a nós e não o inverso. Enfim, Negroponte mostra como os meios digitais se vão apropriar da nossa próxima era. Disso é já clássico o exemplo do e-mail, que é deveras económico e que tem inúmeras vantagens em relação ao velhinho fax. A globalização e esta nova abordagem obrigará a grandes mudanças no modo de vida nas sociedades modernas.
Maio, dia 20:
Para o pensador, toda a indústria tenderá a beber desta nova abordagem criando novos produtos e diversificando a sua oferta num menor espaço de tempo, o que pode inclusivamente levar ao desenvolvimento de novas e inesperadas descobertas, oportunidades e produtos. Ele acredita que a energia em si mesma e os usos que dela fazemos tendem vertiginosamente para a propagação e desenvolvimento da informática e de toda a tecnologia para a liberdade absoluta do sistema «sem fios».
Maio, dia 21:
José Sócrates bebeu toda a inspiração para a criação lançamento e promoção do computador de 100 euros «Magalhães» no pensamento do Dr. Nicholas Negroponte que lançou no Peru (a 100 dólares por computador) um projeto então apelidado de «Um Computador por Criança» ao abrigo de um programa desenvolvido no MIT, Estados Unidos, pelo respetivo departamento do cientista, apelidado, inúmeras vezes, como o paladino do digital.
Maio, dia 22:
Nicholas esteve em 2006 no Brasil a tentar repetir o projeto lançado anteriormente no Peru, porque o país possuía uma população imensa entre as idades dos 15 e 25 anos. Uma população identificada como justificante da criação de um grande polo de produção de software, até maior do que a Índia. Ele previu inteligentemente um indescritível avanço da internet móvel, em que viria a acertar de forma absoluta, chegando a referir que isso seria o início da «Vida sem Fios», ou seja, a «vida totalmente wireless», com uma fusão entre interatividade, entretenimento, formação e informação. Daqui o salto para uma robótica multidisciplinar e plurifuncional será apenas uma questão de valores e alocações de investimento.
Maio, dia 23:
Os 3 passos da digitalização civilizacional são facilmente identificáveis. Tudo se inicia com a industrialização a que se seguiu a profunda vaga da informação, que irá culminar rapidamente na maré da inteligência artificial já iniciada e em progressão geométrica.
É a Nicholas Negroponte que se deve a correta previsão de que o cd de música seria um dos primeiros a ser ultrapassado por sistemas de serviços digitais, o que aconteceu mesmo.
Maio, dia 24:
Em resumo, Nicholas Negroponte vê a digitalização associada à robótica, ao wireless e à inteligência artificial como uma nova forma de existir em sociedade e, até ao momento, mesmo em tempos de pandemia, nenhum dos seus prossupostos está posto em causa.”
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Espero que te tenha agradado este meu regresso às «Conversas com a Consciência» e aos meus pensadores de eleição do Diário Secreto do Senhor da Bruma. Despeço-me, querida Berta, com as saudades concentradas num beijo, este teu amigo,
Ontem, à hora de almoço, quase às 13 e 30, tive o fogo a aquecer um início de tarde, já por si quente, embora arejado por uma brisa que se sentia na pele. Por outras palavras, um incêndio no terceiro andar, umas águas-furtadas, da minha rua, a Francisco Metrass. Por baixo, no rés-do-chão, ficam a Cervejaria Europa e, ao lado no mesmo prédio, a Farmácia Porfírio.
Relativamente à proximidade do edifício onde vivo distam uns 30 metros, mais coisa menos coisa, mas existe uma rua (a Almeida e Sousa) a separar-me do ocorrido. Foi perto, mas não demasiado próximo de mim. Não tendo o meu terceiro andar sido sequer penalizado pelo fumo intenso provocado pelo incêndio e, muito menos ainda, pelo trabalho dos Bombeiros Sapadores de Lisboa, coadjuvados pelos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique.
A fotografia que te envio ilustra a minha perspetiva do local do incêndio e foi tirada já quase no final dos trabalhos a meio da tarde. Não me perguntes porquê, mas optei por não colocar imagens do incêndio propriamente dito. Não sei se é devido à proximidade e vizinhança, se por outro motivo que agora não discorro, mas poderás ver online, se tal te interessar, bastantes fotografias ilustrativas do fogo e até vários clips, com pequenos filmes, descrevendo o que se passou. Eu preferi só incluir a imagem que te envio.
Reconheço que, mesmo sendo jornalista, a cobertura de um evento que me é próximo me tira algum discernimento e lucidez, mas vou tentar dar-te uma ideia aproximada dos acontecimentos.
Pese embora o facto de saber o nome da pessoa residente no sótão onde o incêndio teve início, não pretendo aqui crucificá-lo, nem nada que se pareça, pelo que vou utilizar o nome fictício de Manuel.
O senhor Manuel é um ancião do bairro. Vive sozinho, nas águas-furtadas de um prédio sem elevador, que corresponde a um terceiro andar. A sua idade, que já ultrapassou as 80 primaveras dá-lhe o direito de se achar sabedor das coisas da vida e de rejeitar conselhos de vizinhos atrevidos e metediços na vida privada e alheia, com que nada tem a ver, muito menos a comentar.
Na realidade o senhor Manuel já fora advertido, vezes sem conta, pelos vizinhos do seu prédio e pelos outros do prédio das traseiras do edifício, que assar sardinhas ou fazer grelhados, na varanda oposta à fachada da casa, era perigoso e que um dia ainda causaria um problema qualquer. Contudo, pensava o nosso ancião, ele não estava xexé nem sequer para lá caminhava, sabia perfeitamente aquilo que fazia. O problema deste raciocínio é que os imponderáveis acontecem, independentemente da idade dos protagonistas, e muitas vezes sem nada ter a ver com a sua atenção ou falta dela relativamente ao que estão a fazer.
Foi o caso de ontem. O ancião desta narrativa, afastou-se por uns minutos do almoço que estava a grelhar na varanda, quiçá para ir ver se os acompanhamentos já estavam confecionados e o desastre aconteceu. Poderia ter acontecido a qualquer um, porém, para azar do senhor Manuel foi a ele que lhe calhou a fava.
O incêndio espalhou-se rapidamente e o discernimento do protagonista, aflito com a situação, não foi suficiente para que reagisse em tempo útil. Tanto que, quando foi retirado das águas-furtadas, quase meia hora mais tarde, ainda andava, no meio de um fumo imenso, à procura do telemóvel e da chave da entrada para fechar a porta antes de abandonar a habitação. Com algum esforço acabou por entender que a porta teria de se manter aberta para que os bombeiros pudessem atuar e foi conduzido, atordoado e confuso, à saída do prédio.
Foram quatro as vítimas de inalação de fumo e as duas águas-furtadas do edifício ficaram sem cobertura e com estragos avultados. Até o prédio vizinho, mais recente, foi afetado pela água utilizada para apagar o fogo. Também os andares imediatamente anteriores às habitações do topo se viram afetados pela água, como não poderia deixar de ser. Quando às 18 horas vim para casa para escrever esta carta, amiga Berta, ainda os homens da Companhia do Gás, tentavam aferir se as condutas do prédio teriam ou não sido afetadas pela tragédia. Não cheguei a saber o resultado.
Conforme já dei a entender a pronta atuação dos bombeiros do bairro e dos sapadores da capital impediu uma tragédia de maiores dimensões. Contudo, embora seja fácil colocar a culpa no senhor Manuel, eu acho que se trata apenas de um retrato menos bonito da situação social em que vivemos desde finais do século passado. Todos sabemos que por toda a cidade e pelo país fora temos anciãos a viver sozinhos em suas casas sem a mobilidade necessária e muitas vezes o discernimento requerido, para que situações trágicas possam ser evitadas.
Deveria existir algum mecanismo social que ajudasse a prevenir estas situações. Mas entre dever e haver vai muito mais do que a diferença dos verbos. Aliás, recordo-me que no prédio onde habito, já lá vão umas dezenas de anos, vivia um casal de reformados no rés-do-chão (e ainda hoje vivem). O homem estava ausente e a senhora resolveu ir ao mercado municipal, situado no início da rua, fazer uma pequena compra. Porém, esqueceu-se da comida do cão ao lume.
O incêndio que se gerou foi igualmente debelado, atempadamente, pelos mesmos corpos de bombeiros que atuaram hoje e também não houve consequências de maior a relatar, exceto na referida cozinha. Hoje o casal vive com uma neta, o que me deixa muito mais descansado, ainda mais porque a memória e o discernimento da senhora se têm vindo sempre a degradar.
O que eu quero dizer, amiga Berta, é que o caso de hoje não é, nem será proximamente único e excecional. Na mesma situação aflitiva estão centenas de anciãos no nosso querido Bairro de Campo de Ourique (já para não falar do país). Muitos deles sem a totalidade e plenitude das suas capacidades. Algum tipo de acompanhamento e aconselhamento deverá ser alargado, pois já existem algumas iniciativas neste sentido, por forma a se poder ajudar a prevenir futuras situações trágicas desnecessárias e que nalguns casos podem até mostrar-se fatais.
Quanto ao incêndio de hoje não me posso esquecer de deixar demonstrada a minha solidariedade para com a Cervejaria Europa e para com o seu gerente, o senhor Paulo, que não só perdeu hoje a receita dos 19 clientes, que a quando do incêndio se encontravam a almoçar, mas que, quando me vim embora, ainda não sabia se poderia voltar a usar o gás proximamente.
Hoje foram 400 euros perdidos num almoço que até estava a correr melhor do que o costume, para os tempos de pandemia que vivemos. Porém, no momento a situação para ele e funcionários ficou mais incerta e insegura. Os mesmos votos deixo à farmacêutica, a Doutora Graça, e a todos os funcionários da Farmácia Porfírio que hoje se viu obrigada a fechar portas. Que as coisas corram pelo melhor a ambos é o que desejo. Despeço-me com um beijo amigo,