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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta nº. 637: “Atualmente, no 26 de ABRIL, Eu Celebro Todos os Dias Depois do 25 de Abril de 1974.”

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Olá Berta,

“Atualmente, minha querida, no 26 de ABRIL, Eu Celebro Todos os Dias Depois do 25 de Abril de 1974.” Sim, sim, é isso mesmo. Celebro os dias de festa e liberdade, celebro os dias em que ainda foi preciso lutar, celebro a liberdade de pensamento e de existir tal como sou e de os outros portugueses poderem fazer o mesmo se o quiserem.

Celebro coisas sem fim, cara amiga, por exemplo, a igualdade de género, uma realidade atual que ainda só existe perfeita no papel, mas para onde caminhamos a cada dia que passa. Desde aquele ABRIL que o ensino passou a ter turmas mistas, de jovens em formação conjunta, em vez de rapazes para um lado e meninas para o outro, todos com farda.

Foi desde ABRIL de 74, amiguinha, que, uma menina ou uma mulher, pôde passar a vestir, a seu gosto, uma minissaia ou usar biquíni; ou ainda que uma mulher pode sair do país sem a autorização escrita do marido, e não, o povo não era Taliban, era católico, mas enfermeiras, telefonistas, hospedeiras da TAP e funcionárias do Ministério dos Negócios Estrangeiros não se podiam casar, para o fazerem tinham de abandonar a profissão e as professoras precisavam de obter uma autorização especial do Estado para poderem sair do país. Quanto ao voto, porque havia eleições, só que controladas pelo Estado, as mulheres podiam votar, mas só se tivessem o ensino secundário completo.

Desde esse ABRIL, Bertinha, passou a ser permitido usar isqueiros sem licença, um objeto banido por Salazar, ou beber Coca-Cola, minha cara confidente, uma marca que deve a Fernando Pessoa o slogan “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, mas cujo consumo em Portugal era proibido, por mais bizarro que isso possa parecer.

Foi depois daquele ABRIL, minha amiga, que se puderam criar associações, fazer reuniões, juntar grupos de pessoas para conjuntamente darem as suas opiniões ou até discutirem ideias, porque tudo isso estava banido da sociedade portuguesa. O primeiro um de maio, em 1974 teve mais de um milhão de pessoas a celebrá-lo nas ruas e isso só contando Lisboa, porque antes não era permitido falar nele, quanto mais festejar o Dia do Trabalhador.

Antes do ABRIL de todos nós, Berta, não se podia dizer mal do Governo, nem dar a entender alguma opinião contrária. Tudo passava pelo filtro do “lápis azul” da censura e era comum livros, músicas, desenhos e notícias serem apreendidos por porem em causa a ordem pública. Existiam milhares de livros proibidos em Portugal, mas também bandas musicais ou certas músicas em especial. Aliás, existiam proibições absolutamente bizarras e, por exemplo, dava direito a prisão jogar às cartas no comboio ou estar bêbado em público, para além do valor das multas.

Antes do nosso ABRIL, minha querida, só era permitido ser-se heterossexual em Portugal, porque, por cá, todas as pessoas que se enquadravam dentro do atual movimento LGBTQQICAPF2K+, ou seja, de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis, Queer, Questionando, Intersexo, Curioso, Assexuais, Pan e Polissexuais, Amigos e Familiares, Two-spirit e Kink, que no mundo ocidental já conquistaram o seu direito à manifestação, estavam proibidos de demonstrarem as suas tendências no nosso país, sob pena de prisão.

Aliás, Berta, não era só isso que era absurdo, um homem bater na sua mulher, não se tratava de violência doméstica, não era crime, o individuo estava apenas a pôr a mulher na ordem, como lhe competia, nada mais. E, ah, se esta quisesse o divórcio, temos pena, era proibido haver divórcios em Portugal, exatamente do mesmo modo que dar um beijo em público fugia às regras da moral e dava direito a multa e prisão.

À mulher, cara confidente, também não lhe era permitido andar sozinha na rua à noite ou entrar numa igreja de cabeça destapada. Como também era proibido a casais, marido e mulher ou namorados, beijarem-se em público. Ela podia ser presa por afrontar a moral e os “bons costumes” e o homem, que era responsável pela manutenção desses valores, era preso, pagava multa e só saía da esquadra depois do cabelo lhe ser devidamente rapado à máquina zero.

As mulheres, doce amiga, eram mesmo as maiores vítimas do regime. Antes do 25 de ABRIL, foram muitas as desigualdades entre homens e mulheres, com elas a serem empurradas para as tarefas domésticas, sem direito sequer poderem decidir sobre a educação dos filhos. A discriminação chegou ao ponto de os maridos terem o direito de abrir a correspondência das suas mulheres.

Elas tinham também de pedir o consentimento dos maridos, Bertinha, se quisessem exercer atividades ligadas ao comércio, assinar contratos ou tomar decisões sobre bens (casas ou propriedades) que lhes pertenciam. Estavam igualmente impedidas trabalhar na administração local, na carreira diplomática, na magistratura e no Ministério das Obras Públicas.

Eu falei, amiguinha, que as turmas eram separadas por género, mas esqueci-me de referir que os recreios também o eram. Também ainda não tinha dito que todas as salas de aula tinham o retrato do Presidente da República, do Primeiro Ministro e um crucifixo, e que era obrigatório começar o dia escolar entoando o hino nacional. Importante e muito usada era a palmatória na mesa do professor ou professora, que servia para castigar os malcomportados.

Sim, sim, os docentes não precisavam dos pais para baterem nos alunos ou para colocar a criança num canto da sala com orelhas de burro enfiadas na cabeça, minha cara, já para não falar em outros tipos de repressões autorizadas pelo Estado.

O bizarrismo do dia-a-dia antes de ABRIL de 1974 tinha, minha amiga, coisas que nem lembram ao diabo. Vou dar um exemplo: se uma pessoa viajasse num comboio, e alguém se descuidasse e desse um daqueles traques fedorentos de fazer levantar os mortos em protesto, ela só podia abrir uma janela se todos os outros passageiros estivessem de acordo, ou seja, se o dono do traque discordasse, a solução era o incomodado sair da carruagem.

Antes de ABRIL até histórias aos quadradinhos ou qualquer banda desenhada, vinda do estrangeiro estava proibida. Mesmo as que eram adaptadas para português, com visto da censura, não podiam mostrar armas, falta de decoro, como decotes, e os nomes dos heróis eram passados para português. Por exemplo, minha querida, o Flash Gordon, era o Capitão Relâmpago.

Estavam proibidos em Portugal, antes do ABRIL das nossas vidas, mendigos, vadios e as pessoas atualmente designadas por “sem abrigo”. A pena de prisão de seis meses era a penalização mínima que esta gente arriscava se fosse apanhada pela polícia. Aliás, minha querida, os bufos, aqueles que denunciavam outros cidadãos por atos ou porte de objetos proibidos à PIDE ou à Polícia tinham direito a recompensa monetária regulada por uma tabela criada para o efeito.

Em resumo Berta, não te vou descrever mais sobre a miséria que era a vida antes do 25 de ABRIL de 1974 durante o antigo regime, se quiseres saber mais aconselho-te um livro lançado em 2019, “Era Proibido” de António Costa Santos que se dedicou ao assunto. Isto já para não falar da repressão política e social, da PIDE, das prisões sem mandato e de muito, muito mais. Mas é por isso que eu “Atualmente, no 26 de ABRIL, Celebro Todos os Dias Depois do 25 de ABRIL de 1974.” Deixo um beijo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta n.º 605: Portugal - Brasil - A Viagem de um Coração

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 Olá Berta,

Numa altura em que o Brasil festeja os seus dois séculos de independência, esta carta, minha querida, chega a ti a propósito do circo montado em torno da viagem do horrível coração de D. Pedro IV de Portugal e, simultaneamente, D. Pedro I do Brasil, enfiado num frasco de formol, que atravessa o Oceano Atlântico, que separa Portugal do Brasil, para ser exposto, bizarramente, durante uns dias no nosso país irmão.

Só o facto de terem enfiado o coração do ex-monarca em formol, transformando-o numa relíquia, já é, por si só, um facto arrepiante e de um mau gosto atroz (embora fosse uma vontade expressa do monarca). Depois, minha amiga, o facto de duas repúblicas se prestarem a este ritual ainda torna tudo mais gótico, desconcertante e macabro.

Conforme tu sabes, Bertinha, eu nunca fui um fervoroso adepto de Lula da Silva, mas, e isso importa, perante a presidência de Jair Bolsonaro, faria a minha escolha eleitoral facilmente à esquerda, se fosse brasileiro.

Podes pensar, minha querida, que eu não gosto de Bolsonaro por ele ser um tipo de direita, na linha de Trump, Ventura, Orbán, Putin, entre outros, mas é mais do que isso, muito mais. Bolsonaro tem tiques de ditador e mistura religião e política de um modo que considero abjeto e intolerável. A somar a isso as suas atitudes no poder demonstram uma cultura racista e xenófoba inaceitáveis neste século XXI.

Como já te contei, por variadíssimas vezes, eu tive casa no Brasil durante vários anos. Aliás, foram duas, primeiro, uma fazenda em Eusébio, perto de Fortaleza e, depois, um apartamento em Natal. Não fosse a degradação do nível de vida em Portugal e, minha doce amiga, eu ainda teria ambas. Porquê? Porque adoro o Brasil enquanto país e os brasileiros e brasileiras enquanto pessoas e enquanto povo. Só não consigo gostar de fanáticos religiosos e de radicais de direita ou de esquerda, sejam eles de que país forem.

Tenho amigos no Brasil há mais de 37 anos, minha querida. Gosto da alegria de um povo, que consegue rir sempre, mesmo quando sofre na pele a violação constante da amazónia, a falta de cuidados de saúde para uma grande fatia da sua população e o abuso dos poderosos. Contudo, tenho orgulho de termos dado a independência ao território numa época em que ainda nem se falava de independência de colónias em lugar algum do mundo.

Porém, Berta, não alinho em espetáculos deploráveis, como o envio do coração de um monarca, enfiado em formol, como se fosse algum relicário religioso e sagrado. Só o facto, por si mesmo, é capaz de gerar, observações deploráveis de governantes, como as de Bolsonaro que, ao receber a relíquia no Palácio do Planalto, em Brasília, proferiu, logo após o hino, a frase fascista gasta por Salazar: “Dois países, unidos pela história, ligados pelo coração. Duzentos anos de Independência. Pela frente, uma eternidade em liberdade. Deus, pátria, família! Viva Portugal, viva o Brasil!”, uma formulação a lembrar o antigo regime português.

Este salazarento “Deus, pátria, família…” é que envenena todo o discurso de Bolsonaro e revela intensões históricas de tirania, intolerância, racismo e xenofobia. Ora isso, Bertinha, é mesmo inaceitável. A celebração da Independência do Brasil, devia ser uma festa de inclusão, liberdade, tolerância, direitos humanos e de esperança dos dois povos no futuro e jamais servir como um difusor distorcido de más práticas do passado e de ideias bolorentas que se desejam arquivadas nos anais da história. Aqui fica o meu protesto, contra esta trasladação gótica, assustadora e macabra de gosto muito duvidoso, recebe um beijo deste teu amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: O Rapper Pablo Hasél

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Olá Berta,

Pablo Rivadulla Duró, no mundo da música conhecido pelo nome de Pablo Hasél é um rapper originário do país vizinho. Poderíamos dizer que é um espanhol, mas o seu nascimento em Lérida em 9 de agosto de 1988, coloca-o como natural da Catalunha e ele considera-se um catalão e não um espanhol.

Aos 32 anos caiu sobre ele aquela que é, para já, a sua segunda sentença da balança da justiça espanhola, e que se traduz em nove meses de prisão efetiva. Mas andava armado este rapper? Gerou desacatos e provocou tumultos tais que interferiram na ordem pública? Não! Pablo Hasél apenas escreveu. Concretamente escreveu contra a monarquia, a dependência de Espanha e o direito da libertação da Catalunha daquilo que ele considera ser o jugo espanhol. Na escrita usou palavras fortes, ofensivas dirão muitos e instou ao terrorismo acusarão outros.

Eu, pessoalmente não gosto, de Rap. Aqui ou ali, aparece uma composição dentro do estilo que vem mais ao encontro do meu gosto, mas essa é uma situação muito rara. Mas não é o meu gosto que está em causa. O Rap funciona exatamente como um estilo provocador, ofensivo e corrosivo contra os padrões sociais instituídos. É parte do ADN deste espectro musical a agressão verbal, sendo que o Rap deve ser, tanto quanto possível for, chocante e incomodo.

Não é à toa que nas américas já foram assassinados quase uma dúzia deles nos últimos anos. Dizem as más línguas que foram liquidados pelo sistema, o qual, não querendo fazer dos músicos vítimas da liberdade de expressão, os silenciou prematuramente de forma definitiva, imputando culpas a terceiros ou a guerrilhas e rivalidades entre gangues e outros grupos. Todavia, nada disso se encontra provado e, até prova em contrário, deve ser considerado como «fake news».

Eu, amiga Berta, que abomino fascistas, leninistas, maoístas, terroristas, nazis e outros desgovernados mentais de direita ou de esquerda ou de fanatismo religioso, continuo a pensar que não se podem proibir textos, livros ou músicas ou panfletos que, em caso de incumprimento de qualquer regra, possam levar os seus autores à prisão. Não é preciso nada disso, basta esperar pelos atos em si para, aí sim, punir quem atentar contra a liberdade.

A única exceção que considero possível de legislar e que acho que devia ser punível com cadeia são as «fake-news». Porque a distorção da realidade não tem nada a ver com a liberdade de expressão, mas sim com a criação de falsas verdades que podem atentar contra a dignidade dos próprios factos.

Mas uma coisa é uma notícia manifestamente falsa, outra bem diferente, é alguém ter uma interpretação desses factos, fora do senso comum e, mesmo assim, defendê-la como sua verdade. Isso pode ser idiotice, mas nunca poderá ser crime, por mais inverosímil que seja a interpretação.

Regressando a Hasél, que se afirma como um rapper político, de consciências, poético e alternativo, um artista da palavra oral, condená-lo e mantê-lo preso só lhe traz mais força e lhe amplia uma razão que pode nem ter. Nem é preciso ir muito longe para entender que o Estado tomou a opção errada, basta ver o caos que se tem gerado em Madrid, na Catalunha e atualmente já em outras zonas de Espanha, como Sevilha, por exemplo, devido à sua condenação e prisão efetiva.

Como pode a Europa defender a libertação do líder da oposição russa, Alexei Navalny, se permite que um país da União tenha presos políticos, como é o caso de Espanha, só para falar apenas do caso em análise? Existem ou não uma série de ex-líderes catalães presos por defenderem a independência da Catalunha? Pode ser difícil de aceitar a desagregação de um país, mas não se pode obrigar, pela força das armas, escondida numa justiça que apenas pende para o lado do opressor, a manutenção dessa união.

Eu, se os espanhóis viessem agora defender a integração do antigo condado portugalense, e consequentemente, por tabela, de Portugal, na sua área territorial, seria por certo mais um terrorista da palavra contra o domínio espanhol das terras lusas. Se nós, há quase nove séculos, impusemos a nossa independência, é natural que a Catalunha tente fazer o mesmo, ainda que com 878 anos de atraso relativamente a nós. Ou só é justo o que nós fizemos?

Eu posso ser um romântico, mas o Sol, quando nasce, é para todos. Para finalizar, sobre Hasél ou outros artistas que usam o palavrão como linguagem, é mais simples proibir genericamente o uso indevido de linguagem obscena, pornográfica ou violenta em determinados suportes, como os musicais ou outros, o que, apesar de tudo e quanto a mim, não adiantaria muito porque a palavra sempre encontra um jeito de se manifestar. Agora, prender alguém, por contestação política ou social, praticada apenas por palavras, é algo profundamente errado.

Chegado que sou ao fim desta temática, e já indo eu adiantado no texto, resta-me, minha muito querida Berta, deixar aqui expressa a minha saudade e despedir-me até à próxima carta que será, por certo amanhã, recebe um beijo deste amigo de todos os dias,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: 25 de abril... Quando a Polícia me Bate à Porta.

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Olá Berta,

Hoje, 25 de abril de 2020, sábado, feriado, pelas 18 horas da tarde, fui impedido, à minha porta, pela polícia, de continuar a emissão de música, comemorativa do 25 de abril, para a Rua Francisco Metrass, em Campo de Ourique.

É inacreditável que 46 anos depois da implantação da liberdade, a polícia se ache no direito de impedir um festejo coletivo entre pessoas do mesmo bairro, na tarde em que se comemora a liberdade confinada que o país vive.

Segundo a descrição da autoridade houve uma pessoa que apresentou queixa. Mas estiveram os 3 agentes que me visitaram, e intimaram com um auto se teimasse em manter a música, em casa da queixosa a medir o índice de ruído que lá chegava, como manda o regulamento geral do ruído? Nada disso, nem lá foram. Tomaram como certa a declaração da senhora. Violando de forma grosseira os meus direitos e os de todos os que nas janelas e na rua aplaudiam e celebravam na sua condicionada forma de liberdade, a própria liberdade nacional. Nem mesmo foram a casa dessa pessoa identifica-la, como fizeram comigo, não registando, por isso mesmo, oficialmente, nenhuma queixa formal. O telefonema, ao que parece foi o bastante para agirem.

O outro argumento foi de que existem pessoas que trabalham por turnos e que têm o direito ao descanso e ao silêncio a meio do feriado de 25 de abril, a um sábado, às 6 da tarde. Sim, como se as músicas de abril fizessem mais ruído do que as cargas e descargas que acontecem nesta mesma rua, todos os dias, incluindo, sábados, domingos e feriados, com os respetivos carrinhos metálicos a ecoarem por todo o lado, entre as 6 da manhã e as 21 horas, para abastecerem os 3 supermercados que aqui se encontram concentrados num espaço de 30 metros.

Estou tentado a apresentar queixa por abuso de autoridade na esquadra de Campo de Ourique. O problema é que não sei quando serei operado e quando acaba o meu confinamento. Já liguei para a esquadra para lhes dar conhecimento de que pretendo apresentar queixa pela forma como tudo se passou e por aquilo que penso ter sido um claro abuso de autoridade, indevidamente balizada em argumentos não comprovados de uma queixosa não identificada devidamente. Contudo, não sei ao certo se conseguirei, em tempo útil, apresentar a devida queixa.

É uma pena que estas coisas continuem a acontecer. É triste, minha amiga, ver a polícia, que deveria estar atenta a tantas outras coisas, vergar perante a queixa de alguém sem verificarem os prossupostos da mesma. Pelo que entendi a queixosa é uma pessoa influente, não entendi a que nível, mas deve ter sido isso que terá dispensado a verificação dos factos.

É com um profundo pesar que hoje me despeço de ti, minha querida amiga, recebe um beijo deste amigo,

Gil Saraiva

Carta à Berta: A Greve em França e os "Black Blocs"

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Olá Berta,

Espero que por esse Algarve, para onde te mudaste, o frio seja menor do que por aqui em Lisboa. Nem quero pensar como estará o norte do país, e muito menos as terras altas ou até o Alentejo, durante as noites e madrugadas. Para mim é frio a mais e ponto final. Prefiro a chuva, não sou fã do vento, e, minha querida, adoro o Sol.

Hoje estou aqui para te falar da Revolução Francesa, não a que acabou com a monarquia no país, mas a que não mais se calou, daí para cá, no país da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Já tivemos de tudo em terras de Napoleão, as últimas grandes ocorrências, após os horrendos ataques terroristas, foram, quer o aparecimento das manifestações dos famosos “Coletes Amarelos”, quer esta última, que hoje ocorreu, derivada de uma greve geral que colocou quase um milhão de pessoas na rua, até mais, segundo os sindicatos, e um pouco menos segundo o Estado.

Macron está no centro de toda a polémica. O homem pode dar graças aos céus de a guilhotina estar agora apenas exposta em museus e de já não ser um objeto utilitário para afastar os líderes do poder. É que os franceses não brincam quando se manifestam, para desespero do setor do turismo francês, que tenta a todo o custo inverter o afastamento dos turistas para países periféricos e insignificantes como Portugal.

A greve no setor público, hoje iniciada, vai continuar até à próxima segunda-feira e as 90 detenções efetuadas até ao momento, prometem aumentar significativamente nos próximos dias. Aliás, se somarmos o número de manifestantes presos só desde o aparecimento dos “Coletes Amarelos”, facilmente se conclui que o Governo já deve ter construído, no mínimo dos mínimos, 2 novas prisões para albergar os tumultuosos agitadores.

Em causa, desta vez, estão as novas medidas introduzidas por Emmanuel Macron, sobre as pensões de reforma em França. É que para os franceses não basta o “quem dá e tira, ao inferno vai parar”, eles fazem questão de trazer o caos, as trevas e o próprio inferno até às portas do infeliz governante, que passa a vida a ver-se envolvido nestes tumultos agitadíssimos, que em nada contribuem para a estabilidade nacional segundo a opinião do próprio Estado.

Fica provado que este Emmanuel, no masculino, não goza da popularidade da sua homófona feminina, a Emmanuelle dos filmes nos idos de 1974. A popularidade pode até ser semelhante, mas em sentido totalmente oposto.

Combóis, autocarros, metro, aeroportos, escolas, tribunais e os mais variados serviços públicos estão a ser severamente afetados. Por todo o lado há carros e contentores do lixo a arder, mobiliário urbano e montras partidas, veículos capotados, num quadro que Dante adoraria por certo retratar.

O Governo francês, está a unificar 42 regimes de pensões, num único sistema de pontos, que põe termo a uma imensidade de direitos laborais, há muito instituídos em França. Os sindicatos em revolta já anunciaram a continuação da greve até segunda-feira, com um pequeno detalhe, é que acrescentaram um “pelo menos” o que significa obviamente, caso não haja um recuo evidente do Governo, da existência de um “pelo mais”, ou seja, da continuidade da greve, que, sendo uma greve geral, pode continuar a parar o país.

Cada vez mais grave é, também, a proliferação dos chamados “Black Blocs”, bandos de indivíduos totalmente mascarados e vestidos de preto, que geram a destruição por onde passam. Ao contrário dos seus primos, os “Coletes Amarelos”, que apenas se manifestavam evitando, na sua grande maioria a violência, estes meninos, que ao coro nada ficam a dever, adoram deixar a sua marca destruidora bem registada por onde passam.

Pobre do polícia que seja apanhado por um bando, o hospital será certamente a sua melhor esperança. A coisa é de tal forma grave que o gás lacrimogénio começou a ser usado logo no início das manifestações, por imperiosa necessidade das forças da ordem.

É por estas e por outras, minha querida Berta, que eu adoro os brandos costumes portugueses. Passos Coelho meteu-nos o dedo no ânus durante 4 longos anos e Centeno, ao bloquear a eficácia do SNS, o Serviço Nacional de Saúde, impediu-nos de tratar a violação por sodomia convenientemente, todavia, mesmo assim, ainda agora aguardamos em harmonia a reposição geral das coisas e o regresso à normalidade. Mas isso somos nós. Podemos ser latinos como os franceses, mas o sangue na guelra não faz parte do nosso ADN.

Fica com um beijo deste teu amigo em mais esta despedida, como sempre ao teu dispor,

Gil Saraiva

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