Carta à Berta nº. 282: DGS - Livro - O diário Secreto do Senhor da Bruma - II - Abordagens Sobre a Burrice (continuação - II - 7)
Olá Berta,
Hoje apetece-me desabafar. Tu sabes que eu sou jornalista há várias dezenas de anos. Isto para te dizer, minha querida amiga, que é difícil convencerem-me a aceitar tapar o Sol com a peneira, como se tudo estivesse bem e fosse normal. Efetivamente assim não é.
Este meu desabafo vai ocupar um pouco mais esta carta e, por isso mesmo, peço desculpa por deixar menos espaço do que o costume ao Diário Secreto do Senhor da Bruma. Com efeito assim será nos próximos dias. Depois de deitar cá para fora o que me vai na alma, fica descansada que retomarei a normal publicação do diário.
Deves estar-te a perguntar sobre que tema é que eu sinto necessidade de dizer algo. Pois bem, Berta, estou a falar da transparência. A famosa regra de verdade do Ministério da Saúde e da Direção Geral de Saúde é uma total fraude, quer o Presidente da República ou o Primeiro-Ministro digam o inverso, quer não.
O que se passa é que a DGS anda, desde o primeiro momento, a esconder os factos à população geral. Tratando-se de uma pandemia, a importância da presença dos médicos e dos organismos de saúde pública deveria ser primordial. Contudo, quando observamos os apoios reforçados pelo orçamento retificativo ao setor da saúde pública a realidade não chega sequer ao milhão de euros.
Contrariamente outros setores foram reforçados na ordem das dezenas de milhões. Mas o que é que isto significa na prática? Significa que continuará a ser deficiente em larga escala o reforço do pessoal encarregado de fazer o mapeamento das cadeias de rastreamento dos contaminados, quanto a novos focos e às suas possíveis ramificações na sociedade.
Mas há mais. Porque é que o povo, toda a população, não tem acesso aos dados por freguesia se os mesmos estão acessíveis na DGS? Eu sou tentado a apostar que a razão tem a ver com a manipulação da informação. Repara que só hoje, depois dos protestos de várias autarquias, foi feito um novo acerto global ao número de mortos e dos contaminados em Portugal. Pedimos prudência aos cidadãos, mas não os informamos com clareza como vão os casos na sua própria freguesia de residência, como defendem os especialistas de saúde pública.
Marta Temido, Graça Morais, Jamila Madeira são apenas 3 dos rostos da dissimulação na DGS e no Ministério da Saúde. Atualmente deixaram de se revelar o número de testes feitos ao dia. Revelam-nos uma ou duas vezes por semana, continuamos sem saber como a pandemia se desenvolve na nossa porta, não nos explicam, nem assumem, o fracasso total das medidas de desconfinamento, nem sequer nos dizem porque falhou o rastreamento dos novos focos. Globalmente a transparência só existe nas palavras.
Esperemos que este setor endireite rapidamente as políticas que tem vindo a seguir e que corrija, a tempo, os erros do passado de uma vez por todas. O que se passou até aqui já não importa mais. Como se diz no diário que tenho vindo a revelar-te, minha amiga, para trás mija a burra. Importa é que realmente se chegue a uma política de verdade. Desabafo feito, regressemos à análise da burrice:
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II
Abordagens sobre a Burrice (continuação - II - 7)
Março, dia 13:
Mas há outras explicações dentro do largo espetro da aprendizagem, inteligência e sabedoria dos asnos. Analisemos mais uns quantos destes provérbios de 4 patas, relativos ao tema. Mais vale burro vivo do que sábio (ou letrado) morto, ou seja, o animal prefere não saber, ou fazer de conta que não sabe, e, com isso, sobreviver, inversamente a correr riscos por mostrar que até sabe umas coisas, o mesmo explica o dito: antes burro vivo que doutor morto. Pondo a conversa no domínio dos humanos é o mesmo que dizer: mulher sem emprego, do marido não conhece amantes, ou seja, bem-aventurados sejam os que passam por pobres de espírito, que é a velha máxima da igreja levada a um outro nível.
Março, dia 14:
Já o ditado: burro velho, mais vale matá-lo que ensiná-lo, parece significar que não vale a pena ensinar um animal depois de este já ter os hábitos formados. Enquanto, este outro: o burro do meu vizinho só sabe o que lhe ensino, o que diz bem da manha do jumento em seu proveito próprio. Porém, burro carregado de livros é um doutor, explica como se pode tentar viver de aparências para subir de estrato social. Contudo, há quem refira que este provérbio é dedicado a Miguel Relvas e à sua formação académica, certamente um boato infundado que nada tem a ver com o dito cujo ou com qualquer outro lambe-botas da política, tipo aquele fulano que tornou o queijo limiano conhecido de todos os portugueses.
Março, dia 15:
Burro calado, sabido é (ou por sábio é contado), é algo bem mais profundo, trata-se da velha máxima do segredo ser a alma do negócio, umas vezes, ou, em outras, o silêncio ser de ouro, enquanto a palavra é de prata apenas. O caso de Tancos e o que Ministro da Defesa, à época, sabia ou não sabia sobre a manhosa devolução das armas é disso bom exemplo. Todavia a expressão burro velho não aprende (ou não aprende línguas), aponta outros caminhos. Veja-se o caso humano passado com Cavaco Silva, o homem viveu os seus 20 anos de poder rodeado de corruptos, malandros, ladrões e vigaristas, contudo, apesar disso, já não estava em idade de aprender os ofícios, pelo menos a crer na sua própria palavra. Já a citação: burro que a Roma vá, burro volta de lá é o mesmo que dizer que ver o papa não torna ninguém santo, muito menos se estivermos a falar de Pinto da Costa, pois que, apesar de tudo o burro não é tão burro como se pensa.
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Por hoje, minha querida amiga, fico-me por aqui. Espero que estejas bem agora que entraste em férias e estás no local ideal para as aproveitar bem. O Algarve é um excelente local para se estar no verão. Despeço-me com um beijo amigo, este que está aqui para o que der e vier,
Gil Saraiva