Carta à Berta n.º 590: Algoritmos e as Notícias do Verão
Olá Berta,
Hoje, por estes dias que vimos atravessando, existem quatro tipos de notícias. As primeiras, que nos chateiam porque somos impotentes para lhes pôr um fim, são as que se referem à invasão da Rússia à Ucrânia.
O país não deixou de ser solidário, amiga Berta, nem de estar do lado dos mais fracos, de apoiar os oprimidos e detestar os opressores, nada disso, o país está é farto de notícias miseráveis que exploram a guerra até ao tutano, uma guerra a que apenas podemos assistir de sofá.
Ouvimos dizer que a Europa está unida. O que une estes povos, contudo, minha querida, pouco tem a ver com solidariedade e muito deve à necessidade de manutenção dos níveis de vida de cada um dos países em si mesmos. É cínico? Muito. Mas é verdade. Tudo o resto é espetáculo mediático. No entanto, para as pessoas, a coisa tem elevados padrões solidários e é disso que todos os governos se aproveitam, embora ninguém o assuma publicamente, porque, no mínimo, seria egoísmo.
O segundo tema destes tempos quentes são as alterações climáticas, a seca, os fogos, o calor extremo. A comunicação social pela-se por colocar um bom bosque a arder na sua magnificência. Se aparecerem umas casas a arder e umas velhotas a chorar então, Berta, a cereja é colocada no topo do bolo. Até parece que lhes agrada a desgraça dos outros.
E nós, o povo, genuinamente solidário, engolimos todas as notícias sem sequer nos apercebermos que são exploradas até ao tutano, em prole de audiências ou de maiores tiragens de jornais nos pasquins deste nosso mundo.
O terceiro assunto envolve política. Este é, aliás, um tema, minha querida Berta, que dura todo o ano e que é algo de que todos estamos fartos, mas que afeta o nosso dia-a-dia. Sejam as tomadas de posição dos diferentes partidos políticos, sejam os atos dos dirigentes de outros países ou dos nossos, a comunicação social raramente informa sobre o que de bom acontece no mundo, mas vende facilmente a informação do que correu errado ou foi corrompido ou que possa vir a acabar de forma menos boa.
O quarto grande assunto estival é o desporto, nesta altura com imenso destaque para o futebol, com o mercado das transferências aberto e os clubes a formarem as equipas que apresentarão já em agosto próximo, minha amiga. Mas tudo sempre muito manipulado, cheirando a desgraça alheia, como se o povo a quem a comunicação social se dirige não estivesse já farto de desgraça em todo o lado.
Pois é Berta, a matemática de hoje é usada para estudar o que nos move e comove e nos faz consumir qualquer porcaria que nos queiram impingir. Claro que tem de vir devidamente embrulhada. Nós, infelizmente, aderimos ao processo calculado em computadores caros que acedem ao nosso modo de vida sem pedirem licença.
Um conjunto de coisas, mais ou menos abstratas para o cidadão comum, como matemática, estatísticas, rankings, algoritmos, padrões, comportamentos, psicologia emocional, probabilidades, perfis, e mais uma parafernália de ferramentas são interligadas e trabalhadas por forma a conseguirem, em última análise, influenciar o nosso comportamento, sem que nós mesmos demos conta de que estamos a ser manipulados por um produto ou algoritmo, traduzido em uma qualquer aplicação, publicidade, produto ou apresentação.
Ás vezes penso no que diriam as grandes mentes da história da humanidade, que viveram antes da revolução industrial se pudessem comentar o nosso quotidiano e atualidade. Tenho a certeza que de Platão a Camões e até a outros pensadores bem mais recentes, seriamos apelidados de idiotas ou de algo muito parecido com isso. Por isso, minha querida Berta, o meu conselho, antes de me despedir, é: antes de fazermos algo ou comprarmos algo, pensarmos se realmente isso ou aquilo nos interessam realmente ou se nos estamos apenas a deixar levar… fica com um beijo,
Gil Saraiva