Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Hoje é dia de abandonar a minha teoria do Universo e da Humanidade para falar um pouco mais de mim. Afinal, mesmo que faças uma ideia, não me parece mal explicar-te quem sou e porque sou como sou. Não só é honesto, como acho que a franqueza é uma qualidade e não um defeito. Voltamos, pois, a estas Confissões em Português, sem mais delongas:
Memórias de Haragano: Confissões em Português – Parte IX
“Depois deste intervalo, de mais página menos página, está na altura de regressarmos aos temas em aberto. Ora, uma vez que se trata de deixar registadas algumas confissões, e que é sobre elas que se desenrola agora a ação, importa repor a conversa nos carris que lhe são devidos.
Concentro-me imediatamente na educação. Eu sou o último filho de pais que, quando me tiveram, já tinham mais idade para avós do que para progenitores diretos. Não é que com isso me tenham educado mal. Nada disso. Mas a atenção que eu deveria ter exigido, em circunstâncias normais, acabou por não ser a que efetivamente recebi, face aos condicionalismos da sua idade mais avançada, dos compromissos já assumidos na educação dos quatro filhos anteriores, das agendas sobrelotadas, pelo esforço de não deixarem que nada faltasse em casa, dos meus progenitores. Enfim, eles fizeram o que puderam, e como se costuma dizer, a mais não são obrigados.
Mas foi preciso chegar à idade adulta, e mesmo assim só depois de eu próprio ter atingido os quarenta anos de idade, para entender plenamente que não tinha sido um filho menos querido ou menos amado, apenas existira uma imensa falta de tempo, para que a atenção que me fora dispensada tivesse sido igual à que tinha existido com os outros. Mimalhices de filho mais novo dirás tu. Poderia ser, se não me tivesse afetado tanto em termos de feitio, mas pronto, finalmente perdoei o que pensei ser lógico perdoar e relevei o que não tinha qualquer hipótese de ser de outra maneira face às circunstâncias.
De qualquer forma fiquei muito bem comigo mesmo, por saber que, apesar de não ter sido um filho planeado, mas sim fruto de uma celebração, nunca existiu um gostar menos, fosse porque motivo fosse, apenas e só, para meu azar, menos disponibilidade por força dos contextos da própria vida. Foi um dia muito feliz para mim esse em que enxerguei a minha realidade. E fiquei a ganhar no final. Sou o único dos cinco que sabe o dia em que foi concebido. No meu caso dia 31 de janeiro, dia de anos de namoro de meus pais. Posso não ter sido planeado, mas fui de certeza fruto de muito amor. Isso ninguém me tira.”
Com esta Confissão em Português me despeço, querida amiga, desejando-te um dia feliz, pelo menos do que falta dele. Deixo um beijo de saudade, com o carinho e amizade do costume, deste teu amigo,
Desejo-te uma boa quinta-feira. O clima por Lisboa está menos frio e a chuva, prevista para breve, ainda não começou a cair. Escusas de te rir por estares bem mais protegida das grandes diferenças de temperatura aí pelo Algarve. A falta de água nesse bocadinho de Portugal ameaça tornar essa terra num deserto a curto prazo. Fica atenta minha amiga, fica atenta.
Hoje, como ontem, a televisão voltou a noticiar mais uns escândalos ligados ao tráfico de mulheres. Parece que a humanidade não aprende nada com a sua história. As mulheres não são mercadoria de ninguém. Num mundo cada vez mais sofisticado custa-me a aceitar como é que coisas destas ainda podem acontecer. Lembrei-me de um poema que fiz, em 1998, já lá vão mais de 21 anos, sobre uma amiga minha, a Joana, que, por força das circunstâncias, se fez escrava, por vontade própria, do sexo. Foi a única maneira que encontrou para sobreviver dizia-me ela.
Nunca achei que não pudessem ter havido outras alternativas. Mas isso sou eu a pensar. Ela, que por um acidente na vida acabara de perder de uma vez pais e avós decidiu que esse era o único caminho. Neste caso, a escravatura voluntária pode ser menos penosa do que a forçada, mas não deixa de deixar profundas marcas a quem dela sofre. Fica aqui, para que me entendas, amiga Berta, a homenagem que lhe prestei há mais de 20 anos:
"CAÇADORA DE SONHOS"
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Armada de vida,
Carente de presas…
Eu, pela cidade
Procuro a saída
Encontro defesas
Na alma do mundo:
Ninguém se quer dar;
Ninguém sabe amar;
Ninguém quer, no fundo,
Saber encontrar
A paz, no profundo
Calor de um segundo...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
No caminho, na rua,
Entre gente,
Mais gente,
Vestindo essa moda
(Qual festa tardia
Ao néon da Lua),
A gente que mente
E em bares se acomoda...
E ali, nessa esquina,
Eu vejo no dia,
Na noite bravia,
Se vendendo toda,
Uma pobre menina
Que diz a quem passa:
"- Mil paus... tô na moda..."
No meio da praça,
Se vendendo toda
Joana sem caça,
Carente de presas,
Faz contas à vida:
<<- Nem dá “prás” despesas...
Que porra de vida!...>>
E gente infeliz,
Com hora marcada,
Passa e lhe diz:
<<- Dou cem e mais nada...>>
Caçadora de sonhos...
E tão sem saudade...
Eu já vejo agora
O riso da erva
Nos pés dessa serva,
Que vende por hora
O corpo... estragado...
De tão ser usado.
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Buscando, perdida,
A velha igualdade
Do mundo, da vida...
Buscando ilusões,
Conceitos, ideias,
Credos e orações,
Entre cefaleias...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
É assim: no leve sorriso
Dessa erva daninha;
No cato que cresce
Formando uma espinha;
Na espinha que pica
Aquela andorinha
(Coitada, infeliz,
Que sangue já chora),
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
E choro, de mágoa,
O gozo sinistro
De certa gentinha,
Com cara de quisto
Pejado de tinha;
E a cara alegre
De um velho ministro
Que julga esconder
O que já foi visto...
Choro... choro e volto a chorar...
Mas riem as luzes p’la cidade fora...
Riem de mim na noite vizinha;
Riem... riem como quem ri
De uma adivinha prá qual a solução
Não se avizinha...
Riem... riem enquanto meu ser
De novo chora, chora como ontem,
Como hoje e agora:
Chora as meninas
No meio da praça
Se vendendo todas
Ao primeiro que passa...
Caçadora de sonhos
E tão sem saudade...
Como posso caçar
Sonhos no mundo?
Como posso amar
Mais que um segundo?
Não tenho saudades
Da terra maldita,
Onde o direito
Não passa de fita...
Minha alma:
Caçadora de sonhos
É tão sem saudade...
Despeço-me com um beijo, saudoso como sempre, este que nunca te esquece,