Carta à Berta: Campo de Ourique - A Morte da Galinha dos Ovos de Ouro - Parte II/II
Olá Berta,
Continuando a minha história de ontem sobre a saída prematura da ave rara da minha aldeia, ou seja, de Campo de Ourique e a chegada da Corte Real do Oriente Lusitano, repito, Oriente porque a origem é a Índia e Lusitano porque a família é originária de Goa, cumpre-me hoje falar, precisamente, desse sucessor, que tantas boas coisas augura para este burgo.
Campo de Ourique: A Morte
da Galinha dos Ovos de Ouro
- Parte II/II
Conseguirá o Infante ajudar o bairro a manter a sua identidade? Esperemos que sim, a ave rara que agora só voa lá para os lados do parlamento, diziam, estava disposta a vender-nos o coração ao turismo e aos interesses imobiliários. Certamente más línguas de quem nada sabe. Contudo, pelo sim pelo não, ainda bem que levantou voo. Paz no seu ninho é o que lhe desejo.
Todavia, é preciso que Dom Pedro Costa Segundo ao Quadrado, consiga manter o segredo de Campo de Ourique seguro, para que este permaneça um bairro com identidade própria, que pouco tem mudado com o correr dos anos, devido ao facto de ter conseguido, até aos dias de hoje, manter o metropolitano pelas margens da freguesia. Tal como no espaço restrito de uma capoeira as aves se deslocam a pé e se conhecem umas às outras, mantendo do outro lado da rede os predadores como a raposa, também o bairro tem conseguido usar o seu planalto para se deslocar a pé, convivendo entre si, alegremente. Manter isso é agora a tarefa do Príncipe Pedro Costa II.
É que a chegada de um transporte de massas ao interior de Campo de Ourique, vai trazer magotes de gente nova ao bairro, aumentar a pressão sobre a população idosa, doente ou mais desfavorecida, obrigando-os a largar as casas onde viveram toda uma vida, importar mais crime, gerar menos segurança e menos conhecimento do próximo. O turismo terá níveis de crescimento na casa dos 50 a 100% e o bairro, que não tem as ruas estreitas de Alfama, Bairro Alto ou de outros típicos de Lisboa, perderá, em poucos anos, as caraterísticas que o tornam singular, especial e único. Um cenário a evitar porque, tal como numa capoeira nenhum galo quer magotes de falcões, doninhas, furões, águias e outros predadores com acesso facilitado à capoeira, no bairro acontece o mesmo. Nenhum! Também aqui o Príncipe do Oriente Lusitano tem de ajudar a manter a ameaça pela periferia.
Se querem mesmo trazer o metropolitano para Campo de Ourique, ao menos continuem a fazê-lo pelas margens. Uma estação quiçá junto ao Shopping das Amoreiras, outra talvez na praça João Bosco. Porém, pelos anjinhos, não coloquem nenhuma estação dentro ou no meio do bairro.
A beleza desta aldeia está precisamente na proximidade entre as coisas e as pessoas, já nos debatemos hoje em dia com alguma descaraterização de habitantes, porém, ainda dentro dos limites do controlável.
Abrir um Metro no centro de Campo de Ourique seria matar a Galinha dos Ovos de Ouro, acabando com o que o carateriza. O progresso pode chegar, mas com regras, com respeito pelo que somos. Afinal, nunca mais me esqueço de como era a Avenida Almirante Reis antes do Metropolitano e daquilo em que se transformou depois. Espero que a juventude e agilidade do Príncipe Pedro Costa Segundo consiga levar a bom porto esta tarefa fundamental para que este bairro se mantenha com as caraterísticas que sempre lhe reconhecemos.
Despede-se com carinho, querida Berta, e a penar com este problema de avicultura, o teu amigão do peito,
Gil Saraiva