Carta à Berta nº. 312: O Ser da Noite
Olá Berta,
Raramente te envio poesia nas cartas que te escrevo, mas já aconteceu e voltará, por certo a acontecer. Espero que te agrade. Não julgues que me esqueci que também tu gostas da noite.
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“O SER DA NOITE”
Para um vagabundo dos limbos,
Um haragano, o etéreo,
Um Senhor da Bruma,
A menina, enquanto mulher,
É a fragrância que lhes tolda a mente,
Fundindo-os a todos
Num ser ímpar que vive da sombra,
Buscando o odor feminino que,
Com a noite,
Lhe invade a razão,
Fazendo-o sonhar que o impossível
Apenas demora mais tempo.
Uma amálgama de sensações odoríferas
Onde a higiene, o perfume e sexo
Se transmutam num só cheiro,
Que embriaga o cérebro
E lhe desperta o corpo,
Tornando o mais pacato dos homens
Em predador feroz,
Sedento de uma presa que se anuncia
Na diáspora das sombras
E da bruma.
Tudo se desfoca na neblina da Lua,
Até a razão, a inteligência e o ego,
O instinto consegue fundir-se,
Em harmonia com o sentimento,
O amor com o sexo,
O animal com o racional,
Gerando aquela coisa estranha
A que se chama homem,
Esse urbano selvagem
Que busca insano
Pela alma gémea que o entenda,
Nessa demanda,
Consagrada pelos poetas,
A que muitos chamam de amor.
Enquanto mulher,
A presa torna-se armadilha,
Flor singular num jardim de espinhos,
Capaz de fazer sangrar a alma
Do mais empedernido predador.
Tornando-o escravo da demanda,
Doce vassalo e jardineiro
Que não teme os espinhos,
Os venenos, os caminhos sinuosos,
Da noite onde a bruma
Faz o papel de manto da Lua,
No jardim da essência emocional,
Rendida à paixão
A que simplesmente chama de sentimento.
A prosa de uma resposta
Transfigura-se em poema,
O sonho ganha moldes de imperfeita realidade,
O pensamento identifica-se como emoção,
O paradoxo vira quotidiano
E a mulher significa felicidade…
Para o ser da noite
A luz chega com o crepúsculo,
Na janela perdida,
Na bruma efémera de um luar.
Gil Saraiva
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Hoje, foi dia de poesia neste espaço de cartas e narrativas que normalmente te escrevo, querida Berta. Haverá, por certo, outros dias assim, nunca sei quando chegam, nem quando se vão. Por agora, vou-me eu. Recebe deste teu amigo o habitual beijo terno,
Gil Saraiva