Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Numa altura em que o Brasil festeja os seus dois séculos de independência, esta carta, minha querida, chega a ti a propósito do circo montado em torno da viagem do horrível coração de D. Pedro IV de Portugal e, simultaneamente, D. Pedro I do Brasil, enfiado num frasco de formol, que atravessa o Oceano Atlântico, que separa Portugal do Brasil, para ser exposto, bizarramente, durante uns dias no nosso país irmão.
Só o facto de terem enfiado o coração do ex-monarca em formol, transformando-o numa relíquia, já é, por si só, um facto arrepiante e de um mau gosto atroz (embora fosse uma vontade expressa do monarca). Depois, minha amiga, o facto de duas repúblicas se prestarem a este ritual ainda torna tudo mais gótico, desconcertante e macabro.
Conforme tu sabes, Bertinha, eu nunca fui um fervoroso adepto de Lula da Silva, mas, e isso importa, perante a presidência de Jair Bolsonaro, faria a minha escolha eleitoral facilmente à esquerda, se fosse brasileiro.
Podes pensar, minha querida, que eu não gosto de Bolsonaro por ele ser um tipo de direita, na linha de Trump, Ventura, Orbán, Putin, entre outros, mas é mais do que isso, muito mais. Bolsonaro tem tiques de ditador e mistura religião e política de um modo que considero abjeto e intolerável. A somar a isso as suas atitudes no poder demonstram uma cultura racista e xenófoba inaceitáveis neste século XXI.
Como já te contei, por variadíssimas vezes, eu tive casa no Brasil durante vários anos. Aliás, foram duas, primeiro, uma fazenda em Eusébio, perto de Fortaleza e, depois, um apartamento em Natal. Não fosse a degradação do nível de vida em Portugal e, minha doce amiga, eu ainda teria ambas. Porquê? Porque adoro o Brasil enquanto país e os brasileiros e brasileiras enquanto pessoas e enquanto povo. Só não consigo gostar de fanáticos religiosos e de radicais de direita ou de esquerda, sejam eles de que país forem.
Tenho amigos no Brasil há mais de 37 anos, minha querida. Gosto da alegria de um povo, que consegue rir sempre, mesmo quando sofre na pele a violação constante da amazónia, a falta de cuidados de saúde para uma grande fatia da sua população e o abuso dos poderosos. Contudo, tenho orgulho de termos dado a independência ao território numa época em que ainda nem se falava de independência de colónias em lugar algum do mundo.
Porém, Berta, não alinho em espetáculos deploráveis, como o envio do coração de um monarca, enfiado em formol, como se fosse algum relicário religioso e sagrado. Só o facto, por si mesmo, é capaz de gerar, observações deploráveis de governantes, como as de Bolsonaro que, ao receber a relíquia no Palácio do Planalto, em Brasília, proferiu, logo após o hino, a frase fascista gasta por Salazar: “Dois países, unidos pela história, ligados pelo coração. Duzentos anos de Independência. Pela frente, uma eternidade em liberdade. Deus, pátria, família! Viva Portugal, viva o Brasil!”, uma formulação a lembrar o antigo regime português.
Este salazarento “Deus, pátria, família…” é que envenena todo o discurso de Bolsonaro e revela intensões históricas de tirania, intolerância, racismo e xenofobia. Ora isso, Bertinha, é mesmo inaceitável. A celebração da Independência do Brasil, devia ser uma festa de inclusão, liberdade, tolerância, direitos humanos e de esperança dos dois povos no futuro e jamais servir como um difusor distorcido de más práticas do passado e de ideias bolorentas que se desejam arquivadas nos anais da história. Aqui fica o meu protesto, contra esta trasladação gótica, assustadora e macabra de gosto muito duvidoso, recebe um beijo deste teu amigo,
Para se poder viver é preciso sonhar, sonhar seja a dormir seja acordado porque o sonho comanda a vida e “sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida por entre as mãos de uma criança…” já dizia António Gedeão na sua Pedra Filosofal. Foi a sonhar que se inventou o mundo e se fez progresso. Do sonho se criou a roda e o dentista enquanto profissão, uma profissão de dar pesadelos a muita gente.
Para se criar algo é preciso e fundamental poder sonhar. Foi pelo sonho que a vida evoluiu que se criaram carros e motores, foguetões para ir à lua e telescópios para melhor ver o universo.
Sonhar dá esperança e vontade de viver, sem esperança a vida é letra morta, é desespero, é mágoa e é tortura. Um homem que não sonha não tem ambições e não luta por chagar a algum lado.
Quem não sonha não luta, não acredita e não tem fé. Deus é o sonho último da fé, seja ela muçulmana, budista, tauista, semita ou católica. Sem sonho Deus é uma inexistência e a filosofia uma página em branco num livro sem vida.
Todos sonhamos com uma vida melhor, com uma companhia para a vida e com amor. Sem sonho o Euromilhões é retórica e sem prémio nada se conquista. Até o cético sonha para poder existir enquanto gente, sonhar com um banho de água quente em dia frio aquece a alma e conforma a gente porque sonhar é imperativo e é urgente.
Nunca tive medo de sonhar acordado, sonhar deu-me a poesia e o imaginar pois que imaginar nada mais é do que sonhar acordado.
Quem não sonha está condenado à extinção e à inexistência. Pois viver sem sonhar não é viver, que ninguém tem objetivos sem sonho. A inveja é sonhar que se chega mais alto e mais além do que seja quem for que lá chegou.
Por isso amiga Berta, sonha, sonha muito, sonha com o impossível por que o impossível apenas demora mais tempo a atingir. Por hoje, fico-me por aqui e despeço-me com um beijo, e um poema sobre o sonho:
Folgo em saber que gostaste dos 6 episódios da história que te contei nas últimas cartas. Com que então estiveste em Faro, a passear no Jardim Manuel Bivar, junto à doca. Gosto que ele te tenha feito lembrar o Jardim da Parada, de Campo de Ourique. Eu sei que não são parecidos, apenas ambos têm um coreto, as árvores daqui dão lugar às palmeiras dai, ambos têm bancos e ambos têm pombos. Contudo, é ternurento saber que ligaste os 2 por causa dos velhotes que viste espalhados pelos bancos do jardim.
Porém, se olhares pelos jardins de todo o país, vais ver sempre essas imagens. Uns poderão não ter coreto, mas todos, sem exceção, terão velhos sentados pelos bancos, muitos deles olhando a mesma coisa, onde quer que os encontres: a solidão. Vou-te enviar um poema, à laia de balada, que fiz sobre o assunto, já tem algum tempo, pois eu, como sabes, também já vivi em Faro, foi há muitos anos, mas vivi. Espero que gostes:
OS FILHOS DA SOLIDÃO
(balada de um tempo que passa)
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro nos bancos do Jardim Manuel Bivar
Eu fecho os olhos para não olhar...
Caras rugosas, com idade de avô,
No Jardim, sentadas, na Doca,
Ou perto do Lago,
Formas sombrias onde o tempo parou…
Bocas que apenas provam o vago,
Rostos que já ninguém foca...
Olhando o vazio...
Silêncios de arrepio...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Caras dos filhos da Solidão,
Avôs, avós,
De tantos como nós,
Rostos reformados,
Sem compreensão...
E vozes, berros e gritos calados
Nos olhos perdidos,
Pelos filhos esquecidos...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Na calçada eu vejo migalhas de pão
Para os pombos, por certo,
Alimentar...
Mas para os filhos da Solidão
Não vejo por perto
Uma esperança a pairar...
Filhos que agora são avôs, avós,
De gente que já os esqueceram,
Perdendo os olhares, os laços, os nós,
Daqueles para quem eles viveram…
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
E passam os dias,
Os meses, os anos,
E mudam os rostos da solidão...
Novos enganos,
Outra geração,
Mas a forma de olhar não vai mudar,
Não...
As mesmas rugas parecem ficar
Em outros olhos pregados no chão...
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
E ao olhar os filhos da solidão,
Escuto o cantar da brisa cansada
Cantando a balada do tempo que passa,
Escuto de inverno, primavera, verão,
Escuto o outono no Jardim da Parada,
Escuto a balada perdendo a raça,
E vejo, no Jardim Manuel Bivar,
A doca de lágrimas sempre a brilhar…
Em Campo de Ourique, no Jardim da Parada,
Eu desvio o olhar para não ver nada…
Em Faro, nos bancos do Jardim Manuel Bivar,
Eu fecho os olhos para não olhar...
Com o refrão me despeço, minha amiga Berta, obrigado por me fazeres recordar. Recebe um beijo saudoso deste teu amigo que não te esquece nunca,