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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta nº. 141: Por falar em Carnaval...

Berta 120.jpgOlá Berta,

Espero que este Carnaval estival te vá encontrar bem e com vontade de ires assistir às folias em Loulé. Acredita que vale a pena. Trata-se, na minha opinião, do maior evento do concelho e tu certamente vais gostar de o ver em primeira mão. Não estou a puxar a brasa para a minha sardinha, só porque vivi uns 27 anos no Algarve. Nada disso. Aliás, se o visitares vais poder julgar por ti mesma.

Acontece que estás perto de um dos melhores do país. Apenas considero que deves aproveitar. O facto de o ter vivido, durante os meus tempos de criança, não influencia em nada a alegria e o entusiasmo, que esse Carnaval transmite a quem o visita pela primeira vez.

Podia, igualmente, recomendar-te o Carnaval de Ovar, mas terias de fazer uma deslocação grande daí até lá. Porém, Ovar tem outro dos melhores carnavais do país. Houve um ano em que consegui juntar-me a um dos grupos que iria participar no desfile, podes não achar normal, mas estive 6 dias sem me deitar.

A folia decorreu 24 horas por dia, durante uma semana inteira. Sei que deixara pouco tempo antes a adolescência, mas nunca mais esquecerei o tempo e as aventuras daquele Carnaval. Foram tamanhas as façanhas e proezas que, para ser verdadeiramente honesto, ainda hoje não sei se não terei deixado descendência na terra do pão-de-ló.

Importa referir que há quem defenda que o Carnaval substituiu, depois da chegada do Cristianismo a Roma, as festas dedicadas ao deus do vinho, Baco. O que é certo, porém, é que a Igreja o registou e oficializou no entrudo, no calendário litúrgico em 590 d.C.

Contudo, tratavam-se de pequenos divertimentos sem grande organização, dispersos e sem existirem propriamente festejos organizados a nível das cidades ou das regiões. No século XI apareceram em Veneza os primeiros sinais de um Carnaval organizado por uma cidade. A ideia era permitir à nobreza que se misturasse, durante uns dias, com a restante população usando máscaras, num convívio que nos pode parecer democrático, mas que tinha mais de boémio do que outra coisa qualquer.

Só em 1296 é que o evento foi oficializado em Veneza, tornando-o por isso mesmo, este Carnaval, enquanto celebração oficial e devidamente denominada, organizada e reconhecida por uma cidade, no mais antigo do mundo. As festividades, e o uso das máscaras, foram balizadas em 10 dias (embora tivessem existido anos em que o seu uso chegou aos 6 meses).

Portugal, minha querida amiga, que bebia culturalmente das fontes francesas e italianas, principalmente a partir do século XV e XVI, iniciou estas festividades por esta altura, principalmente na Madeira onde o evento ganhou rapidamente foros de festa maior.

Durante o século XVI, enquanto maior entreposto comercial do Atlântico de escravos para o Brasil e conhecida como a rainha ocidental da rota do açúcar, a Madeira acabaria por exportar também para o Brasil uma das suas festas maiores, fazendo com que o Carnaval cedo se instalasse em Pernambuco, por volta do século XVII, naquela que era chamada de Festa dos Reis, quando os trabalhadores das Companhias de Carregadores de Açúcar e de Mercadorias, formavam cortejos carregando caixões de madeira e recriando músicas em ritmo de marcha popular, com um travo reconhecidamente madeirense.

Ora, bastaram 100 anos para que esta folia se espalhasse por todo o território brasileiro, ganhando novas formas de festejo, novos adornos e muita cor. Com a instalação da Corte e da família real no Rio de Janeiro em 1808, e com as primeiras tentativas de ordenar as festividades, estava lançado de vez o Carnaval do Brasileiro que, embora com o passar dos anos se tivesse civilizado no que aos festejos oficiais diz respeito, nunca perdeu o seu lado genuinamente popular, livre e quase selvagem, cheio de dança, de festa e de muita cor.

Há quem defenda, com unhas e dentes, que depois de Veneza, o segundo Carnaval organizado e estruturado como festa e folia por altura do entrudo, antes da Páscoa, é o da Madeira. Ora, realmente os registos encontrados sobre a festividade em cidades como Paris, que muito difundiu o conceito moderno de Carnaval pelo mundo ocidental, são realmente posteriores ao da Madeira, o que faz jus da reivindicação do arquipélago. Contudo, o mais importante e curioso é sabermos que, sem querer, demos origem a uma das festas mais populares do mundo, num país que fez do Carnaval a sua maior festa, o Brasil.

Contudo, embora o Carnaval do Rio de Janeiro, tenha maternidade madeirense e paternidade portuguesa, por força da sua exportação para o Brasil pela Madeira e da instalação da corte e da família real portuguesa na cidade, o que é realmente relevante é ele ser atualmente o maior Carnaval do mundo.

Apesar do tema da minha carta de hoje ser o Carnaval, em termos gerais, aquele de que eu queria falar, na realidade, era sobre o Carnaval de Veneza. Não por ser o primeiro e, por isso mesmo, o mais antigo, mas porque, pela segunda vez na sua história está suspenso, cancelado, enfim, não se realiza.

A primeira vez que isto aconteceu o Carnaval de Veneza esteve sem se festejar por quase 200 anos. O motivo foi a proibição da festividade na cidade por parte de Napoleão Bonaparte, em 1797, jugando no ostracismo uma tradição de séculos, que, para quem não sabe, só regressaria oficialmente em 1979, sendo que, a partir de então, se assistiu a um renascimento esplendoroso e magnífico da tradicional festa veneziana.

Agora, este ano, pela segunda vez, o Carnaval de Veneza é cancelado. Desta feita, o novo ditador não vem de França, mas da China e chama-se Coronavírus, mais propriamente Covid-19. Esperemos que, desta feita, a interrupção seja de apenas um ano e que a maldição deixe de pairar sobre esta festa da alegria e do povo.

Com estes votos me despeço, minha querida Berta, solicitando que não leves a mal este desabafo de ver uma tão linda festa cancelada por um motivo tão nefasto, recebe um beijo de saudade deste teu amigo de sempre,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 106: Isabel dos Santos - Uma Saga de Família que vem do Século XVII - Parte I

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Olá Berta,

Hoje, e nos próximos dias, faço um intervalo no que concerne à revista dos eventos do meu bairro em 2019. Mandar-te-ei o segundo trimestre daqui a mais algum tempo, para que a coisa não se torne uma maçada, em vez de uma curiosidade interessante. Possivelmente voltarei ao próximo trimestre algures no mês seguinte.

Este domingo andei a ler e a rever outras coisas sobre o que se anda a passar por este mundo fora. Podia pegar em vários temas, mas vou dedicar esta carta e talvez as próximas apenas a um deles. Nem sequer vou falar das investigações que fiz no passado sobre ele, e que ainda foram algumas, nem na existência ou não das possíveis evidências. Nada disso, vou apenas referir o que me parece por demais evidente. Contudo, e como sempre, nas minhas crónicas mantenho-me no domínio estrito do alegadamente. Estou-me a referir a Isabel dos Santos e às origens que têm sido contadas de um modo que me parece, no mínimo, lírico e bem pouco próximo daquela que, para mim, é a realidade. Esta primeira carta é o início de um tema que divido em 4 atos, ou cartas.

Porém, e para agora, vamos esquecer a princesa de Angola e voltar atrás no tempo. Não são 10 nem 20 anos… imagina-te, querida Berta, num retrocesso longínquo, distante e nublado. Pensa numa época onde prevalecia a lei do mais forte, do mais apto e do hábil em impor a sua vontade, forma de estar e de agir. É nesse tempo que começo.

Em meados de mil e seiscentos a coroa portuguesa contratou um tal de Baltazar Van Dum. Um homem, de origem holandesa, especializado no comércio de escravos. Para muitos um pirata, nome dado aos mercenários e a alguns esclavagistas arrojados da época, que procediam a capturas, transporte e negócios de escravos intercontinentais. O nome de família de Baltazar evoluiu ao longo dos tempos até se tornar Van-Dunem. Mas a origem é toda deste homem que percorreu todos os territórios ultramarinos portugueses da época a que me refiro.

Baltazar Van Dum esteve em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Guiné, no Brasil e em mais algumas regiões que, para a história em causa não são relevantes. O seu acordo com a coroa nacional incluía toda a África Portuguesa e o Brasil. É de assinalar que ele fez o possível e impossível por deixar bem marcada essa responsabilidade.

Diz uma espécie de lenda angolana que Baltazar teve mais filhos do que anos de idade. Filhos da própria mulher, uma negra que se dizia ser o símbolo da beleza africana, de concubinas, de prostitutas e de escravas. Contudo, ao contrário do macho latino, que tenta passar despercebido e tudo fazer à socapa, na sombra, sem assumir grandes responsabilidades, o muito ilustre pirata Baltazar funcionava precisamente ao contrário. Fazia questão de dar o seu nome a todos os seus descendentes, fossem eles filhos de que tipo de mulher  fossem.

É por isso mesmo que o apelido, atualmente “Van-Dunem”, aparece difundido abundantemente por toda a África, América do Sul e Estados Unidos da América, onde o primeiro Van Dunem escravo aportou no século XVII, numa primeira remessa de 20 escravos enviados por Baltazar, tão importante que, ainda hoje, é assinalada nas relações bilaterais entre Angola e os Estados Unidos.

A poligamia estava para Baltazar como o vinho para Baco. Era, mais do que uma imagem de marca, uma questão de princípio. Rogam as histórias de então que não havia mulher negra que passasse na sua presença que não fosse devidamente testada e carimbada com o fálico selo de Van Dum. Certamente um exagero, contudo, bem demonstrativo da “fama cobridora” deste verdadeiro touro ou garanhão dos novos mundos que, então, ganhavam protagonismo para a economia mundial e para o desenvolvimento e enriquecimento da Civilização Ocidental.

Pode-te parecer, querida amiga, que estou a ser exagerado, mas, este meu primeiro herói, foi alvo de um livro de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, sob o famoso pseudónimo de Pepetela, um dos nomes maiores do romance angolano, que sobre ele romanceou,  descrevendo aquilo que eram os filhos legítimos da mulher, que ele chama de Dona Inocência, e os filhos das escravas da casa e não só, os chamados filhos do quintal. O livro tem um nome muito sugestivo que resume muito do que aqui disse e direi, de uma forma romanceada, mais restrita, mas com o mesmo significado; chama-se: “A Gloriosa Família”, e está deliciosamente escrito por um dos grandes escritores angolanos que, em Portugal, foi editado pelas Publicações Dom Quixote.

Mais te poderia descrever sobre este profícuo homem do passado, este Baltazar sem controle de natalidade, porém, para o cerne da questão, o que importa mesmo é saber que não existe na atualidade, em toda a América ou em África um Van-Dunem cuja origem não seja essa, única e comum, aliás, aquela que aqui descrevi.

Espero que estejas a gostar da narrativa, despeço-me com um gigante beijo de carinho, este que será sempre teu amigo enquanto o coração lhe bater,

Gil Saraiva

 

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