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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta nº. 342: Imigrantes - Parte II - E Agora É Assim...

Berta 342 (1).jpg Olá Berta,

Bem-vinda a “Imigrantes - parte II – E agora é assim...”. Esta carta atualizada da que te escrevi em 2020 e que não te pude enviar por estares incomunicável nos idos da pandemia, a 2 de outubro, continua a falar de migrantes, todavia, caríssima, se a primeira falou de emigrantes portugueses no estrangeiro deste os anos 60 do século passado, esta fala dos imigrantes, logicamente estrangeiros, em Portugal.

Antes de mais aproveito para te relembrar, doce confidente, que no início da década de 70, já lá vão 44 anos, o número de imigrantes no país era considerado nulo, devido a números muito pouco relevantes no país. É claro que sempre existiram estrangeiros a viver em Portugal, por exemplo, os Franceses têm uma escola em Lisboa desde finais do século XIX e o Liceu Francês Charles Lepierre existe na atual morada desde 1952, sob a alçada direta do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês.

Porém, foi depois do 25 de Abril de 1974 que as coisas se alteraram significativamente. Primeiro instalaram-se uma imensidão de consulados e embaixadas em Portugal, depois foi o regresso de meio milhão de retornados portugueses vindos das ex-colónias, muitos com uma mão atrás e outra à frente e, hoje em dia, amiguinha, no final do primeiro quartel do século XXI, já no próximo ano, deverão estar perto de chegar aos 2,5 milhões.

Em resumo, e para pôr as coisas em termos simples, estamos à beira de 2 em cada 10 residentes no país serem estrangeiros. Podemos dizer, minha querida, que o padrão se inverteu. Na verdade, a sua presença é já tão importante que, sem eles, a nossa Segurança Social já tinha implodido sem qualquer forma de salvação.

Contudo, não temos apenas um único tipo de imigrantes. Os atuais fluxos têm 4 origens distintas. Em primeiro lugar, minha amiga, temos os imigrantes originários da CPLP, ou seja, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em que o Brasil lidera. Cerca de metade destes emigrantes são pessoas de raça negra ou mestiços, tendo muitos destes um nível de instrução bastante limitada. A maioria vive junto das grandes cidades e dedica-se a trabalhos ligados à mão-de-obra indiferenciada.

Seguem-se, menina, os imigrantes vindos das ondas migratórias da atualidade, a que se juntam refugiados, exilados políticos e trabalhadores indiferenciados recrutados no estrangeiro como mão-de-obra barata. É gente de várias raças e etnias, ainda pouco adaptada à realidade em Portugal, com muito poucas condições de subsistência e de habitação. A exceção aqui são os ucranianos e mais alguns imigrantes de Leste, que possuem geralmente bons níveis técnicos ou mesmo universitários, e os brasileiros, das últimas levas de migração, o que pertencem à classe média ou alta.

Depois, caríssima, temos os comerciantes, muitos deles chineses, indianos e de outras proveniências, que se dedicam a serviços técnicos ou tecnológicos e ao comércio de bens e serviços, muitos deles importados através dos seus países de origem.

Por fim, Bertinha, temos os ricos e o pessoal qualificado, sendo que os primeiros vieram para Portugal por intermédio dos vistos Gold, e os outros se instalaram porque muitas grandes empresas internacionais abriram sucursais no nosso país, que neste momento é atrativo porque, mesmo os quadros de topo, são pagos abaixo das tabelas reais da Alemanha, do Reino Unido e de muitos outros países desenvolvidos, pelo que compensa trabalharem a partir de Portugal. Ainda neste grupo temos os que veem para Portugal estudar ao abrigo de programas de permuta internacional como o Erasmus.

A divisão que faço destes imigrantes em 4 grupos não é totalmente correta porque há outros motivos, origens e proveniências, ainda mais complexas e se que entrecruzam muitas vezes. Basta pensar que o Algarve, por exemplo, tem uma grande comunidade de estrangeiros reformados, que aqui residem de forma permanente, principalmente ingleses, porque o custo de vida por cá, lhes potencializa as pensões e reformas. Para além disso, amiga, é preciso não esquecer que, em comparação com o resto da Europa e outras partes do mundo, o clima ameno do país e a paz lusa ajudam muito.

De um momento para o outro, em Portugal, passámos de um país onde quase só viviam lusitanos para um país onde as culturas de mais de 130 países se misturam de uma forma já bem notória e acentuada. Na verdade, Berta, se a tudo isto juntarmos o turismo, e o seu crescimento astronómico, com a abertura de milhentos hotéis e alojamentos locais, etc., somos capazes de ter regularmente em terras lusas mais de 3 milhões de estrangeiros, ou seja, 3 em cada 10 habitantes, e isso nota-se imenso.

Ora, atualmente no seio do povo luso, cara companheira de desabafos, 2 em cada 3 portugueses é gente com mais de 60 anos. Tendo em conta esta realidade como é possível pedir aos lusitanos que se adaptem a uma mudança de hábitos e vizinhança tão rápida e radical? Não é de espantar que a população envelhecida se sinta invadida na privacidade e hábitos do seu quotidiano. Numa alteração tão abrupta do dia-a-dia os fenómenos do racismo, da xenofobia, da discriminação e muitos outros pululam e alastram como fogo em seara seca.

Seremos nós más pessoas porque nos tem custado, e muito nalguns casos, a fazer esta transição? Não, não somos. Também não somos mais racistas e xenófobos, ou seja lá o que for, do que o resto dos povos do planeta. Gente parva ou exagerada nos preconceitos existe em todo o mundo. Todavia, Berta, se derem tempo à população lusitana esta terá mais facilidade em se acostumar do que a maioria dos povos. Neste mundo global em que vivemos, o povo lusitano é dos mais tolerantes e adaptável. Deixem passar mais 20 anos e tudo terá voltado à normalidade. A única coisa que precisamos é de tempo e este não se vai acabar já amanhã. Por hoje é tudo, fica com um beijo amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta nº. 341: Emigrantes - Parte I - Antigamente era assim...

Berta 341.jpg Olá Berta,

A um e dois de outubro de 2020, ainda durante o tempo em que estiveste incomunicável, minha querida, escrevi-te duas cartas seguidas, parte um e dois sobre imigração e emigração, temas que hoje em dia voltam a estar na moda. Essas cartas nunca chegaram até ti, por isso agora volto a enviar-tas, com a devida atualização, todavia, mantendo a ordem cronológica em que foram originariamente escritas, tentando manter-me fiel ao que já tinha escrito.

Portugal, durante grande parte da segunda metade do século XX foi um país de emigrantes. Era difícil viver condignamente, doce amiga, numa ditadura que se esforçava por manter o povo inculto, pobre, iletrado, sem grandes condições de saúde, com um muito limitado sistema de saneamento básico, num país onde as mulheres eram propriedade masculina, não podiam votar, nem podiam viajar sem autorização escrita dos pais ou dos maridos.

Na verdade, minha cara, nem sequer podiam ter opinião ou voto em matéria de propriedade, nem mesmo podiam votar, pese embora o facto de as eleições serem uma farsa até abril de 1974.

Lutando para sobreviver, no seio de um regime fascista o povo optou por emigrar. Em 1961, quando eu nasci, residiam em Portugal 9 milhões de pessoas. Dessas, Bertinha, 3 milhões não tinham a quarta classe.

Em apenas 9 anos, 500 mil portugueses emigraram. Ao chegarmos à década de 70, amiguinha, eramos apenas 8,5 milhões de residentes. Muita gente mudou de ares para o Brasil, Venezuela, Angola, Moçambique, Estados Unidos da América, e, em geral, para toda a Europa, com grande relevância da França, Suíça, Alemanha, Holanda e Luxemburgo, como destinos de eleição.

Os emigrantes a residir em Portugal rondavam os 27 mil estrangeiros e em 1970 eram já tão poucos que desapareceram das estatísticas. Uma vez no estrangeiro, os nossos emigrantes ocuparam-se, maioritariamente, dos trabalhos não qualificados, dos serviços menores ou da agricultura. O preconceito estrangeiro para com os portugueses era dominante e eramos considerados um povo de segunda categoria, minha querida.

A falta de cultura era deveras gritante e apenas 250 mil pessoas tinham o curso dos liceus completo e somente umas 50 mil possuíam uma licenciatura. Existiam 2,7 milhões de habitações, mas apenas 32% delas tinham banheira ou duche. Hoje existem quase 6 milhões e apenas 115 mil têm falta dessas condições, sendo a maioria habitações ilegais e improvisadas. A vida era dura no nosso país para os portugueses, minha cara confidente.

Hoje, amiga, calcula-se que Portugal ultrapasse os 3 milhões de emigrantes. Embora atualmente Portugal exporte, contrariamente ao passado, uma população qualificada.

A explicação para serem tantos emigrantes é simples. Quem saiu instalou-se e criou raízes lá fora, poucos decidiram voltar porque ganham lá fora quase o dobro, e nalguns casos mais, pelo mesmo serviço, do que aqui. Ora, é fácil de entender, minha querida, porque se dizia que o povo português não era racista, nem xenófobo, nem nada dessas coisas agora tão em voga. Eramos nós quem vivia na mó de baixo e afinal, nem tínhamos imigração que nos incomodasse fosse porque razão fosse.

A primeira vez em que o povo português se sentiu seriamente invadido e em que o preconceito pareceu existir como um facto problemático foi, amiguinha, quando, após a independência das nossas ex-colónias, recebemos, em poucos anos, meio milhão de retornados.

A vida em Portugal melhorou muito nos últimos 50 anos. Mas o povo tem memória curta. Bastam meia dúzia de anos para darem como direito absoluto o que levaram décadas a conquistar. A educação e um outro nível de vida também os ajudou a ver a realidade de outra maneira e a exigirem mais. É normal. Todavia, agora, a história é outra porque a vida é assim... falarei sobre ela já na próxima carta, na segunda parte deste tema. Por hoje, Berta, recebe um beijo de despedida deste teu eterno amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: A População Portuguesa – Perspetivas

A População Portuguesa – Perspetivas.jpg

Olá minha querida Berta,

Acabei de reparar que esta já é a vigésima carta que te escrevo. Sabes o que isso significa? Quer dizer que te foste embora há já duas dezenas de dias. Não ligues aos arrufos deste que sente a tua falta. O importante é que estejas bem e feliz.

A novidade de hoje é a divulgação dos dados do INE, Instituto Nacional de Estatística, relativos a 2018, no que à evolução da população diz respeito. A conclusão continua desfavorável uma vez que a população existente continua a decrescer. As estatísticas do organismo são claras, Portugal perdeu mais 14 mil habitantes, face a 2017.

Não sou muito daqueles que gosta de jogar com os números para dizer barbaridades, uma vez que estes podem ser usados e interpretados de forma a ajustarem-se áquilo que defendemos. Porém, por estar curioso, resolvi comparar os dados dos últimos 20 anos. Estava com interesse em saber realmente o que se passou com a população desde os últimos 2 anos do século passado até 2018. Afinal, 20 anos é um quinto de século. Uma boa amostragem para podermos avaliar tendências. Fiquei satisfeito por saber que, arredondando as contas na casa dos milhares de pessoas, temos mais 58 mil residentes em 2018 (face a 1999). Infelizmente a minha satisfação ficou por aqui, todos os outros números são desastrosos seja qual for a perspetiva.

Atualmente, dos zero aos 24 anos, tendo o país mais 58 mil habitantes do que há 20 anos, perdemos 705 mil crianças e jovens. Uma verdadeira tragédia geracional. Passámos de 3 milhões e 74 mil jovens para 2 milhões 508 mil jovens abaixo dos 25 anos de idade, ou seja, em apenas 20 anos, desapareceram 22,4 porcento das crianças e jovens do país, em linha consonante com o que aconteceu entre 74 e 99..

Se este número se vier a repetir nos próximos 20 anos, chegaremos a 2038 com apenas 1 milhão 377 mil crianças e jovens até aos 24 anos, ou seja, em idade escolar. O que implicaria uma redução superior a 43 porcento desta faixa populacional. Agora se extrapolarmos isto para um igual período de tempo até 2078, a população escolar dos zero aos 24 anos existente em Portugal seria de apenas 459 mil indivíduos dos 0 aos 24 anos e estaríamos à beira da extinção enquanto povo.

Mas a coisa não melhora quando olhamos para a terceira idade, ou seja, para a população com 65 ou mais anos. Em 20 anos, até 2018 esta faixa etária aumentou em 601 mil idosos, qualquer coisa como mais 27 porcento de idosos do que em 1999. Isto aponta, se a tendência não se alterar no próximo ciclo de 20 anos, para mais um milhão e 202 mil seniores, um aumento de 52 porcento face a 1999, passando a constituir esta faixa etária um terço da população nacional em vez de um quinto que representava em 1999, ou seja, se nada for feito em 2078 os habitantes em Portugal seniores serão mais de 2 terços da atual população, atingindo o número absurdo de 6 milhões 912 mil.

Esta barbaridade absoluta colocaria a população ativa entre os 25 e os 64 anos com apenas 2,45 milhões de pessoas, tudo isto tendo em consideração que a população se mantem na casa dos 10 milhões de residentes, como nos últimos 20 anos, ou seja, o mesmo seria dizer que cada pessoa a trabalhar teria de suportar, com os seus impostos e com o seu vencimento 1 jovem a estudar e 3 pensionistas reformados. Algo absolutamente impraticável.

Pois é Berta, e este é o cenário favorável em que a população envelhece, mas se mantém estável em termos globais, porque, se a dada altura começar a decrescer face à constante diminuição de população jovem, então tudo se precipitaria não para daqui a 60 anos, mas para daqui a 30.

Não penses, minha amiga, que entre o 25 de abril de 1974 e 1998 a situação foi diferente, a única diferença foi que crescemos nesses anos quase 2 milhões em população por força do regresso dos emigrantes e graças aos retornados das ex-colónias. Mas nem isso mascarou o cenário horrível que tem assolado Portugal. Em 74 quase 50 porcento da população estava em idade escolar, eram perto de 4 milhões de crianças e jovens até aos 24 anos para 8 milhões e picos de população. Agora são 2,5 milhões na casa até aos 24 anos para mais de 10,275 milhões de habitantes, ou seja, perdemos 50% da nossa juventude em 44 anos.

É prioritário que o Estado tome medidas efetivas imediatamente, é impossível que eu seja o único a olhar para estes números. Aliás isto requer como nunca, a união esmagadora dos partidos com acento parlamentar numa política concertada de combate ao envelhecimento sem a contrapartida de um aumento gigantesco da natalidade. A gravidade dos números aponta para que sejam tomadas medidas ontem, porque amanhã poderá já ser demasiado tarde para reverter a situação.

Deixo-te um beijo saudoso, deste teu grande amigo que não te esquece,

Gil Saraiva

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