gilcartoon n.º 1070 - Miga, a Formiga: Série "Dah!" - Luz na Endesa com Mais 40%
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Olá Berta,
Lembras-te dos “Vampiros” de Zeca Afonso? Rezava assim: “No céu cinzento sob o astro mudo, batendo as asas pela noite calada, vêm em bandos, com pés veludo, chupar o sangue fresco da manada. Eles comem tudo, eles comem tudo… eles comem tudo e não deixam nada… eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada. Se alguém se engana, com seu ar sisudo, e lhes franqueia as portas à chegada, eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada… eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada…”
A letra continua, minha querida amiga, mas o sentido, até ao final, não muda, apenas se agrava. É o que eu sinto com algumas das nossas instituições e com certas empresas de prestação de serviços e bens essenciais. Vêm, “com pés de veludo” prometendo defender o consumidor final, os utentes que deveriam servir e ajudar, mas é tudo uma grande farsa, pois, podendo, “eles comem tudo, eles comem tudo… eles comem tudo e não deixam nada”.
A imprensa escrita avançou ontem que a EDP foi condenada a pagar três milhões de euros a cinco câmaras, pelo uso dos postes de eletricidade, utilizados para permitir a passagem de cabos de comunicações, cuja propriedade é autárquica. Assim sendo, de acordo com os contratos, a EDP está obrigada a obter autorização das autarquias.
Ainda de acordo com esta contratação entre o poder autárquico e a EDP, esta é obrigada a negociar repartição de receitas, quando as infraestruturas são usadas para outros fins que não os da concessão inicial, ou seja, a distribuição de eletricidade em baixa tensão.
O que está em causa é a concessão de infraestruturas camarárias, com os tribunais a reconhecerem a obrigação da EDP repartir receitas provenientes do uso de postes de eletricidade, para passagem de cabos, por terceiros. Até porque, diga-se em boa verdade, a EDP cobra-se bem pela permissão do uso dos postes por parte das empresas de comunicações.
Desde dois mil e quinze já houve cinco condenações, com decisões de indeminizações ás Câmaras de Santo Tirso, Alcácer do Sal, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira e Gaia. Contudo, o número tende a aumentar substancialmente e os pagamentos poderão, com relativa facilidade, ultrapassar os cinquenta milhões de euros, numa primeira fase.
Porém, a EDP tem vindo a recorrer e a perder os casos, confirmando-se as condenações proferidas. Plena de “chico-espertismo” a elétrica argumenta que é obrigada, por lei, a ceder as infraestruturas às empresas de telecomunicações e que as receitas arrecadadas se destinam a compensá-la pela construção e manutenção dos equipamentos, como se (coitadinha da EDP) ela não tivesse sempre de o fazer.
A incompreendida fornecedora de energia elétrica defende ainda que os valores são abatidos aos custos de exploração das redes e que os benefícios revertem a favor dos consumidores. Uma ação tão benemérita que eu te pergunto, querida Berta, quantas vezes viste tu o teu custo da mensalidade de eletricidade baixar por força do altruísmo da EDP?
Em resumo, a EDP aluga, às escondidas e sem negociar com as autarquias, conforme a lei obriga, a passagem dos cabos ás empresas de comunicação pelos postes das câmaras, de uma forma totalmente ilegal, roubando o poder autárquico e depois vai para tribunal armar-se em vítima de injustiça, arrastando as decisões com todos os recursos que os gabinetes jurídicos, ao seu serviço, lhe conseguem arranjar, sem a mínima preocupação de honra, deontologia ou brio profissional próprios de uma empresa séria.
Esta atitude era igual a eu arrendar um casarão enorme para minha habitação, esquecer que o contrato com o senhorio me obriga a avisá-lo de qualquer outro fim que eu dê ao imóvel, e alugar ao dia, quarto a quarto, a turistas, todos os quartos e salas da habitação, ocultando os factos, não pedindo autorização e, ainda por cima, não pagando qualquer montante por isso ao verdadeiro proprietário. Porém, ao ser descoberto, em vez de reconhecer o erro, argumentar que a limpeza da mansão me fica muito cara e que a vítima sou eu, coitadinho de mim…
Haja paciência. Não restam dúvidas, minha querida Berta, que a justiça tem de arranjar um procedimento mais célere e sumário na resolução deste tipo de esquemas. Antigamente nós tomávamos este tipo de companhias e grandes empresas como gente de bem. Ora isso é, cada vez mais, algo que pertence ao passado. No caso da EDP, aqui em foco, a única parte a quem hoje se exige que seja “de bem” é ao consumidor final.
Não fosse a EDP ter o poder de me cortar o fornecimento de energia, dava vontade de gritar, como naquela velha canção da banda dos “Trabalhadores do Comércio”: “Chamem a polícia, que eu não pago!” Por hoje é tudo querida Berta, recebe um grande abraço e um beijo de despedida, deste teu velho amigo,
Gil Saraiva
Olá Berta,
Estou a pensar em ti, “yéh, yéh, nanana, na yéh”! Desculpa lá a brincadeira, mas a música da “olá nina” dos “Da Weasel” veio-me à cabeça. Continuando a saga de ontem, sobre a minha rua no Bairro de Campo de Ourique, chega hoje a vez de falar do Pingo Doce, pertencente ao Grupo Jerónimo Martins, depois da carta passada ter sido dedicada ao Go Natural da Sonae.
Ouvi na televisão o nosso primeiro-ministro chamar de inadmissível e repugnante a atitude dos líderes holandeses, na reunião dos dirigentes governamentais europeus, pela forma como estas cabeças que, para além de serem contra a mutualização da dívida dos países na Europa, e opondo-se à criação dos chamados “eurobonds” (uma forma de dividir igual e solidariamente por todos a despesa conjunta no confronto com o coronavírus), ainda tinham referido que o importante era inspecionar o modo como Espanha estava a gerir o dinheiro. Ouvi e gostei. A expressão repugnante de António Costa se pecou por alguma coisa foi apenas por contenção.
De realçar que se tratou de uma observação deveras grotesca perante a realidade atual. Depois disso, começo a pensar que está na altura da Galp, a Jerónimo Martins e todas as empresas do PSI-20 da Bolsa Nacional abandonarem os holandeses à sua sorte e regressarem a Portugal, mesmo que, para isso, tenham de pagar alguns impostos a mais.
Questiono-me se a honra e a decência são coisas a que se possa atribuir um preço de mercado, ou seja, estará, hoje em dia, a honra à venda? Estou a imaginar o mercado de ar livre chinês, de venda de alimentos e animais vivos e mortos, em Wuhan, onde (ao lado das bancadas de ratazanas peladas, de cobras, de cães e de gatos, cujo abate se faz ao vivo, de bidões a transbordar de morcegos mortos) poderiam existir bancas imaculadas com os representantes máximos de algumas empresas nacionais (como são os casos da Galp, da EDP, da EDP Renováveis, da REN, do Pingo Doce da Jerónimo Martins, do Grupo Sonae, dos CTT e da Navigator, entre outras mais) a vender honra, às postas, bem ao lado do pernil de cachorro ou do gatinho descabeçado pronto a ir para o forno.
É que, depois desta tomada de decisão, dos representantes holandeses e da sua total falta de respeito e solidariedade para com todos os europeus, eu não consigo entender como é que as principais empresas do nosso mercado bolsista conseguem manter a face, continuando sediados num país que mantém a descriminação dos povos do Sul da Europa. Não só demonstra falta de honra, como de total ausência de vergonha na cara. Se Costa, embora contido, esteve bem, os donos disto tudo mereciam uma lição idêntica de ética e moral por parte dos portugueses.
E se todos nós deixássemos de frequentar o Continente e o Pingo Doce e passássemos para o Minipreço ou para os pequenos mercados e simultaneamente trocássemos a Galp e a EDP pela Endesa ou a Iberdrola? Eu já o fiz, evito ao máximo que posso utilizar empresas com sede ou com os negócios a rodar pela Holanda, país que não é à toa que é chamado de Países Baixos, eles estão mesmo, abaixo de cão, e nem mesmo esta expressão é a mais feliz. Contudo, eu sou só um.
Se eu fosse político e tivesse a habilidade de Costa, a ponderação de Rui Rio, a garra de Catarina Martins, a teimosia de Jerónimo de Sousa, o impulso voluntário do Chicão e o descaramento arrogante de Ventura, talvez conseguisse criar um movimento que levasse os portugueses a agir nesse sentido, infelizmente, porém, sou apenas um jornalista e um escritor editado maioritariamente nas gavetas do meu escritório, enfim, um poeta, que, ainda por cima, está fora de moda nesta que é a era da imagem. É uma pena.
Pronto, acabo de reparar, que deixei a minha análise ao Pingo Doce para trás. Desculpa lá, Bertinha. A minha energia para refutar estas coisas absurdas fez-me desviar da finalidade desta carta. Mas regresso agora ao tema. Mais vale tarde do que nunca. A foto de hoje é uma montagem da Rua Francisco Metrass, onde podes ver bem a quantidade de gente que agora inunda a minha rua e só vês o Pingo Doce.
Mesmo fechando às 5 da tarde, este supermercado, continua a ser a principal referência de compras alimentares desta zona ou não fosse o eleito pela classe média para as aquisições gerais. Por isso mesmo é normal, agora que as pessoas não se podem acumular no interior, que a rua tenha decuplicado em indivíduos espalhados pelo passeio.
Fico até hesitante se hei de chamar filas ou bichas ao que vou vendo por aqui. Seriam filas se efetivamente todas as pessoas mantivessem os 2 metros da distância de segurança, conforme o recomendado pela DGS, contudo, partes há em que a proximidade é por demais evidente. Ora, nesse caso, talvez seja mais correto empregar o termo bichas, pois aquela gente parece realmente querer pegar de empurrão. O que te parece, minha amiga?
Sei que não é a melhor das imagens para terminar uma carta, mas fazer o quê? Aconteceu. Despeço-me carinhosamente. Se não aparecer nada mais urgente, nas próximas cartas falarei do Minipreço e da Farmácia Porfírio. Recebe um beijo sorridente do teu amigo,
Gil Saraiva
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