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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta nº. 346: E Se Um Desconhecido Te Oferecer Flores?

Breta 341 (1).jpg Olá Berta,

Aqui vai mais uma das cartas que não te enviei em outubro de 2020 devido à pandemia. Ainda são 37 cartas que ficaram por enviar e que agora te remeto sempre com as devidas atualizações temporais.

Na época queria-te contar sobre o dia em que resolvi comprar uma dúzia rosas ali no Jardim da Parada a uma senhora que por ali costuma estar a vender flores. Simpaticamente a senhora ia-me oferecer um arranjo e eu agradeci mas disse que não queria. As rosas eram para oferecer às pessoas que fosse encontrando de preferência senhoras até brinquei com o anúncio dizendo: “Sabe… se um desconhecido lhe oferecer flores isso não é impulse é pancada mesmo.”

Ela riu-se para mim e disse-me: “veja lá, tenha cuidado com isso para não apanhar nenhuma lambada na cara”. A primeira rosa que ofereci foi a uma senhora de alguma idade que estava sentada de olhar perdido no lago dos patos olhando como quem vê mais além, muito para lá do que os olhos revelam.

Com um ar surpreendido indagou? “É para mim?” ao que eu respondi que sim, com um sorriso e de mão estendida. A mão tremeu-lhe ao estender o braço para receber a flor, depois juntou-a ao corpo e inclinou a cabeça para a cheirar: “É fresca e cheira a rosa, sabe menino a última vez que me ofereceram flores foi o meu falecido há 20 anos pelos nossos 50 anos de casados”.

E ficou assim de mão trémula, com a rosa encostada ao peito, perdida no tempo, das memórias passadas. Eu desejei-lhe um resto de bom dia e ela acrescentou, sem me ter ouvido, de lágrima a fugir-lhe pelo canto do olho esquerdo: “Casei nova, aos 18 anos, hoje tenho 85 e estive casada 52 anos, mas ele foi-se embora cedo, deixou-me sozinha, o tabaco levou-o em 3 meses. Obrigado pela flor, o menino tem coração, que Deus o proteja!”

 Acabei por ficar ali à conversa mais uma meia hora. A senhora vivia sozinha, com 85 anos, num rés-do-chão da Rua Ferreira Borges. Tivera 3 filhos que já não a visitavam há mais de 5 anos. Queriam que ela vendesse a casa de família onde morava e que fosse para um lar. Ela obviamente não concordara e eles deixaram de aparecer.

Eles tinham tempo para a vender quando ela se juntasse ao marido, ele costumava ir para o jardim, jogar cartas e ela ficava ali pelos bancos à conversa com as amigas até ele aparecer e voltarem para casa. Gostava muito daquele jardim.

Mas as amigas tinham desaparecido, uma a uma, duas tinham sido despejadas da casa onde viviam há 40 anos e tinham regressado à aldeia perto de Coimbra a pedido do irmão que as queria lá com ele. Despejadas pelos senhorios, uma pouca vergonha. Se não tivessem para onde ir iam para onde? Para a rua? Com a idade delas a viver ao frio?

Aquilo era indecente. Não se fazem maldades daquelas a pessoas de idade. Mas pronto lá foram, as outras tinham morrido uma atrás da outra, e já só restava ela.

Distribui as rosas num instante, as raparigas mais novas olhavam para mim com alguma desconfiança, mas acabavam por agradecer e sorrir. Uma senhora pediu-me duas para colocar num solitário em casa e eu cheguei a casa com três para oferecer à minha esposa.

Foi um dia muito giro e diferente e só uma mulher me disse que não queria flores e que deviam estar drogadas. Acrescentando de seguida que o que eu queria era arranjar uma oportunidade para a roubar. Há gente muito desconfiada nesta vida e algumas delas com razão. Disse que estava enganada e segui o meu caminho.

Tenho que voltar a fazer isto agora que me lembrei. Foi um dia agradável aquele e cheio de simpatia e gente cordata. Por hoje é tudo, minha querida amiga, deixo-te uma rosa do coração embrulhada num beijo saudoso de amizade, este teu amigo de sempre

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta nº. 345: "Os Azares de um Homem de Sorte" - Parte II

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(Legenda: A cara de totó de quem acabou de vir de férias e tem um monte de surpresas à sua espera. Diria Fernando Pessa: "E esta, hein?!")

Olá Berta,

Aqui estou eu de novo para te descrever a segunda parte das desventuras e d’“Os Azares de um Homem de Sorte”. Depois de todas aquelas horas gastas com a limpeza, higienização, desinfeção e aromatização da casa, fruto dos dezanove dias que a minha arca congeladora passou sem eletricidade, resolvi ir relaxar um pouco e sentar-me ao computador para saber das novidades do país e do estrangeiro.

Estava à demasiado tempo sem ler nada de notícias, com exceção das desportivas. Achei que um regresso à normalidade do meu usual quotidiano me faria bem e me aliviaria do stress que encontrara ao entrar no apartamento. Bem… enganei-me novamente. Ao ligar a máquina esta fez um pequeno barulho a indicar que iria arrancar e voltou a desligar-se, remetendo-se a um silêncio tumular.

Tentei mais duas vezes e o resultado continuou a ser exatamente o mesmo. Chateado, e a chamar nomes ao equipamento, que fariam corar uma varina, desliguei os cabos da torre e abri a máquina. O pó de vários anos, normalmente quente porque nunca costumo desligar o aparelho, tinha condensado definitivamente. Em vez de pó tinha agora umas placas de alcatrão (resultado da mistura do pó com o fumo dos milhares de cigarros que aqui fumei) a forrar tudo o que era ventoinhas do interior da torre.

Fui buscar o aspirador e tentei aspirar o máximo possível. Porém o pó e o fumo associados à humidade gerada por uma máquina fria tinham feito blocos em volta de tudo o que era ventilação. Os «cloolers» da placa gráfica e do processador estavam integralmente tapados por uma placa densa e negra de uma pasta estranha e malcheirosa.

Desisti finalmente de tentar resolver o assunto sem a ajuda de um técnico. Liguei o meu velho equipamento de reserva que funcionou à primeira e fui procurar um técnico que viesse a casa. Por fim, depois de várias tentativas e de muitos preços absurdos por uma assistência, consegui um informático particular fabuloso no OLX. O senhor Filipe Costa que se prontificou a dar-me auxílio, sem cobrar deslocação, logo na manhã do dia seguinte.

Ainda desanimado decidi ir ver televisão. Má escolha, o écran da dita cuja não dava sinal. Liguei para o serviço técnico da MEO e passei a hora e meia seguinte com o assistente a mandar-me ligar e desligar cabos, box, router e por aí em diante. Finalmente consegui ver televisão, descansado, no sofá. Tinham passado 8 horas e 15 minutos desde que abrira a porta de casa. No dia seguinte o Sr. Filipe (deixo o contacto para quem se sinta aflito como eu: 968 458 731), um técnico da velha guarda, passou mais de uma hora a limpar-me o computador. Finalmente fiquei com a torre a funcionar. No entanto descobrimos que a placa gráfica estava com problemas e que precisaria de ser substituída brevemente.

Decidi avançar para a reparação e aproveitar para colocar um disco de arranque mais rápido e fazer ainda alguns melhoramentos na minha peça de museu. Resultado: trezentos e vinte euros de upgrade e mais cinquenta de mão de obra. A somar ao prejuízo dos quatrocentos euros da arca no dia anterior, regressei de férias e iniciei um novo ciclo com um rombo no orçamento de setecentos e setenta euros no total. Uma maravilha.

Afinal minha querida amiga Berta, são «Os Azares de um Homem de Sorte”. O técnico foi-se embora e eu sentei-me ao computador para enviar um email para a Segurança Social que não podia esperar. Porém, o correio eletrónico teve de aguardar. Descobri que não tinha internet. Depois de mais quarenta e cinco minutos com a assistência da MEO fiquei a saber que a reconfiguração do dia anterior me desconfigurara a minha rede de internet. Por fim, quase já em desespero, consegui enviar o email desejado.

Como vês minha querida amiga, a Lei de Murphy continua atual e funcional: “quando alguma coisa corre mal, tudo corre mal”. Por hoje é tudo, despeço-me com um beijo saudoso, este teu amigo,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 344: Os Azares de um Homem de Sorte - Parte I

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Olá Berta,

Hoje é o dia de te contar as desventuras do meu regresso a casa. Uma saga inacreditável que demonstra bem os azares de um homem de sorte. A viagem em si decorreu muito bem e estava em casa três horas e meia depois de ter apanhado o comboio na Fuzeta. Contudo, ao subir os últimos dois lances de escada que me conduziam ao meu terceiro andar, fui sendo invadido por um cheiro desagradável que aumentava a cada degrau subido.

Abri a porta do apartamento e fui envolvido por um terrível odor a mortos que me deixou confuso porque a casa deveria estar vazia. Carreguei no interruptor para abrir a luz do corredor e nada aconteceu. Por instinto, abri a portinhola do quadro da luz e o disjuntor geral estava desligado. Foi nesse momento que me lembrei de imediato da arca congeladora. Corri até à cozinha e horror dos horrores o cheiro a carne e peixe podre que vinha da arca era tal que a vontade de vomitar se tornou instintiva.

Abri a janela da marquise, que dá para a cozinha, para deixar entrar o ar fresco. Atravessei de novo o corredor, que liga a frente e as traseiras do piso, e abri todas as janelas da casa. Precisava dos aromas da rua com urgência. Finalmente, ganhei coragem e abri a arca de quatro gavetas, que deveria estar carregada de peixe e carne. O fedor inacreditável fez-me vomitar pela segunda vez.

Enchi 5 sacos com quatrocentos euros de carne e peixe podre e fui colocar tudo no caixote do lixo do edifício, que tive de meter na rua para não empestar o prédio. De regresso ao último andar, perfumei a minha máscara de Covid e fui fazer as limpezas da arca, frigorifico e chão, cheio de um líquido bordeaux com fragrâncias vindas diretamente de um qualquer cemitério milenar.

Levei três horas e meia a higienizar tudo, incluindo o balde e a esfregona no final da festa. Os panos que usei, mais os rolos de papel de cozinha com os vestígios da podridão, encheram 3 sacos, que seguiram caminho imediato para o caixote fora do prédio.

Por sorte tinha bicarbonato de sódio e vinagre em casa que coloquei a absorver o fedor que, no termo das limpezas, ainda se fazia sentir. Acendi vários incensos enquanto tratava da higienização e finalmente senti-me num ambiente mais respirável.

Por hoje fico-me por aqui. Não faria muito sentido dizer-te que, depois desta primeira parte da saga, os «Azares de um Homem de Sorte» não tinham acabado, mas é a verdade. Amanhã conto-te a segunda metade destas desventuras amargas. Recebe um beijo de despedida deste teu amigo de sempre,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 343: O Regresso do Senhor da Bruma

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Olá Berta,

«O Regresso do Senhor da Bruma» quase parece nome de sequela de filme de suspense aos écrans de cinema, contudo, minha querida amiga, é apenas a volta ao contacto entre nós com as habituais crónicas, depois de 19 dias de férias.

Conforme prometido enviarei, nos próximos dias e pela ordem correta, devidamente colocados nos respetivos dias correspondentes, as cartas que ficaram em falta, pelo que, dentro de dias, estará preenchida a lacuna entre o dia 13 de setembro e o dia 2 de outubro. Conforme combinado todas serão colocadas no blog https://alegadamente.blogs.sapo.pt cujo título é Carta à Berta.

Também as colocarei no meu Facebook, pelo que as poderás ler pelo correio eletrónico, pelo Facebook ou pelo blog do sapo em causa, conforme te for mais conveniente. Estranhei, no entanto, que no dia em que chego à Fuzeta tu tenhas resolvido ir de férias cá dentro rumo ao conhecimento do nosso Portugal. Gostava te ter encontrado no Algarve. Ficará para uma próxima vez.

Depois de ter passado dezanove dias numa terra sem qualquer caso ativo de Covid, sem ouvir ou ler notícias, com exceção das desportivas, fez-me confusão ver o salto enorme que ocorreu em termos de infeções no país e no mundo. Mais admirado fiquei por termos sido ultrapassados no ranking por uma série de países que estavam bem longe.

Pela primeira vez abandonámos o top cinquenta dos mais infetados em termos de análise mundial. Ora tendo Portugal apenas 87 países com mais população que nós é de louvar a posição que ocupamos atualmente em termos de Estados afetados pela pandemia. Mais espantoso é se observarmos que em redor do território nacional temos algumas das situações mais graves, nomeadamente a Espanha, o Reino Unido, a França, a Itália e Marrocos.

Quanto às férias foram maravilhosas. Já o regresso foi mais complicado, porém, deixo isso para te contar amanhã. Por hoje despeço-me com um beijo de amizade deste teu amigo de sempre, que nunca te esquece,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Livro - O diário Secreto do Senhor da Bruma - III - Conversas com a Consciência - Os Pensadores - 5) Nicholas Negroponte

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Olá Berta,

Já te deves ter esquecido do meu Diário Secreto, onde no passado dia 27 de julho falei, pela última vez, dos meus pensadores de eleição. É a eles que retomo hoje. O meu próximo pensador é um americano, filho de pais gregos, Nicholas Negroponte.  Trata-se de alguém que eu defendo mais no campo das ideias, do que na realidade prática das suas ações. O que pesou para o incluir nos meus pensadores eleitos e, em última análise, aquilo que mais me interessou foi o seu pensamento avançado e abrangente relativamente à educação e à inovação da mesma.

Nas minhas conversas com a consciência no Diário Secreto do Senhor da Bruma ele ocupa o quinto posto. Embora sendo considerado um cientista e um arquiteto, o que importa, minha querida amiga Berta, no personagem e aquilo que nele mais considero relevante foi a revolução que, quanto a mim provocou no ato de pensar. Em última análise Negroponte é um pensador. Passo, pois, à devida apresentação:

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Conversas com a Consciência

5) Nicholas Negroponte (III – 10)

Maio, dia 15:

"5) Nicholas Negroponte (1/12/1943) - Formação superior em Arquitetura, com seguimento de estudos no MIT, o famoso Massachusetts Institute of Technology onde acabaria por fundar o Media Lab, o Laboratório de Novas Tecnologias de Informação e Media onde também foi professor e se tornou um pensador:

Nicholas nasceu em Nova Iorque e, embora americano, a sua ascendência grega haveria de o ajudar a olhar o mundo de forma diferenciada. Nos anos 90, do século passado, lança um livro considerado brilhante: «A Vida Digital», enquanto, a par com este lançamento, mantém, igualmente, uma coluna regular na revista Wired, passando a ser levado muito a sério no seio do mundo informático.

Maio, dia 16:

Enquanto fundador do Media Lab, Negroponte, consegue o apoio para este laboratório de mais de 105 empresas sendo que, entre elas, estão algumas das maiores corporações americanas e boa parte dos pesos pesados da indústria do entretenimento. Foi neste centro onde ele se especializou em Computer Aided Design (desenho assistido por computador), ou seja, o CAD, sendo o Autocad o programa mais conhecido entre os desenhadores e arquitetos. Por força dos progressos informáticos em que participa torna-se um defensor das novas tecnologias, advogando que estas trarão sempre mais coisas positivas do que negativas às comunidades.

Maio, dia 17:

Esta forma de pensar torna-se numa corrente de abordagem da realidade, a «Tecnofília», à qual se juntam nomes como o de Henry jenkins, Dan Gillmor, Howard Rheingold e George Gilder. Todo este grupo encara o avanço tecnológico e informático como algo de muito positivo e acredita que ele traz mais benefícios do que prejuízos à sociedade. Aliás, para Negroponte haverá um saber estar interativo entre diversas pessoas do mundo, com um grande fluxo de troca de ideias e isso de uma forma cada vez mais participada. Dessa forma o mundo digital irá se adaptar aos usuários, sendo cada vez mais específico e proporcionando abordagens ou trabalhos conjuntos entre pessoas que não se conhecem.

Maio, dia 18:

Nicholas apresenta a diferença entre bits e átomos. Para ele a natureza física, constituída de átomos, passa a ser transmitida e «transformada» em outra realidade, que insiste ser a digital (bits): «É o menor elemento atômico no DNA da informação». Sem matéria física, a informação em bits pode ser transmitida em maiores quantidades num tempo e espaço menores, ultrapassando os limites da informática e entrando cada vez mais na vida humana.

Maio, dia 19:

O conceito de multimédia, como uma interação entre bits informáticos, bits de vídeo e bits de áudio moldada para cada utilizador facilitará, em crescendo, o seu uso, sendo que são estes ditos «sistemas inteligentes» que se terão de adaptar a nós e não o inverso. Enfim, Negroponte mostra como os meios digitais se vão apropriar da nossa próxima era. Disso é já clássico o exemplo do e-mail, que é deveras económico e que tem inúmeras vantagens em relação ao velhinho fax. A globalização e esta nova abordagem obrigará a grandes mudanças no modo de vida nas sociedades modernas.

Maio, dia 20:

Para o pensador, toda a indústria tenderá a beber desta nova abordagem criando novos produtos e diversificando a sua oferta num menor espaço de tempo, o que pode inclusivamente levar ao desenvolvimento de novas e inesperadas descobertas, oportunidades e produtos. Ele acredita que a energia em si mesma e os usos que dela fazemos tendem vertiginosamente para a propagação e desenvolvimento da informática e de toda a tecnologia para a liberdade absoluta do sistema «sem fios».

Maio, dia 21:

José Sócrates bebeu toda a inspiração para a criação lançamento e promoção do computador de 100 euros «Magalhães» no pensamento do Dr. Nicholas Negroponte que lançou no Peru (a 100 dólares por computador) um projeto então apelidado de «Um Computador por Criança» ao abrigo de um programa desenvolvido no MIT, Estados Unidos, pelo respetivo departamento do cientista, apelidado, inúmeras vezes, como o paladino do digital.

Maio, dia 22:

Nicholas esteve em 2006 no Brasil a tentar repetir o projeto lançado anteriormente no Peru, porque o país possuía uma população imensa entre as idades dos 15 e 25 anos. Uma população identificada como justificante da criação de um grande polo de produção de software, até maior do que a Índia. Ele previu inteligentemente um indescritível avanço da internet móvel, em que viria a acertar de forma absoluta, chegando a referir que isso seria o início da «Vida sem Fios», ou seja, a «vida totalmente wireless», com uma fusão entre interatividade, entretenimento, formação e informação. Daqui o salto para uma robótica multidisciplinar e plurifuncional será apenas uma questão de valores e alocações de investimento.

Maio, dia 23:

Os 3 passos da digitalização civilizacional são facilmente identificáveis. Tudo se inicia com a industrialização a que se seguiu a profunda vaga da informação, que irá culminar rapidamente na maré da inteligência artificial já iniciada e em progressão geométrica.

É a Nicholas Negroponte que se deve a correta previsão de que o cd de música seria um dos primeiros a ser ultrapassado por sistemas de serviços digitais, o que aconteceu mesmo.

Maio, dia 24:

Em resumo, Nicholas Negroponte vê a digitalização associada à robótica, ao wireless e à inteligência artificial como uma nova forma de existir em sociedade e, até ao momento, mesmo em tempos de pandemia, nenhum dos seus prossupostos está posto em causa.”

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Espero que te tenha agradado este meu regresso às «Conversas com a Consciência» e aos meus pensadores de eleição do Diário Secreto do Senhor da Bruma. Despeço-me, querida Berta, com as saudades concentradas num beijo, este teu amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Campo de Ourique: Um Incêndio à Porta de Casa...

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Olá Berta,

Ontem, à hora de almoço, quase às 13 e 30, tive o fogo a aquecer um início de tarde, já por si quente, embora arejado por uma brisa que se sentia na pele. Por outras palavras, um incêndio no terceiro andar, umas águas-furtadas, da minha rua, a Francisco Metrass. Por baixo, no rés-do-chão, ficam a Cervejaria Europa e, ao lado no mesmo prédio, a Farmácia Porfírio.

Relativamente à proximidade do edifício onde vivo distam uns 30 metros, mais coisa menos coisa, mas existe uma rua (a Almeida e Sousa) a separar-me do ocorrido. Foi perto, mas não demasiado próximo de mim. Não tendo o meu terceiro andar sido sequer penalizado pelo fumo intenso provocado pelo incêndio e, muito menos ainda, pelo trabalho dos Bombeiros Sapadores de Lisboa, coadjuvados pelos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique.

A fotografia que te envio ilustra a minha perspetiva do local do incêndio e foi tirada já quase no final dos trabalhos a meio da tarde. Não me perguntes porquê, mas optei por não colocar imagens do incêndio propriamente dito. Não sei se é devido à proximidade e vizinhança, se por outro motivo que agora não discorro, mas poderás ver online, se tal te interessar, bastantes fotografias ilustrativas do fogo e até vários clips, com pequenos filmes, descrevendo o que se passou. Eu preferi só incluir a imagem que te envio.

Reconheço que, mesmo sendo jornalista, a cobertura de um evento que me é próximo me tira algum discernimento e lucidez, mas vou tentar dar-te uma ideia aproximada dos acontecimentos.

Pese embora o facto de saber o nome da pessoa residente no sótão onde o incêndio teve início, não pretendo aqui crucificá-lo, nem nada que se pareça, pelo que vou utilizar o nome fictício de Manuel.

O senhor Manuel é um ancião do bairro. Vive sozinho, nas águas-furtadas de um prédio sem elevador, que corresponde a um terceiro andar. A sua idade, que já ultrapassou as 80 primaveras dá-lhe o direito de se achar sabedor das coisas da vida e de rejeitar conselhos de vizinhos atrevidos e metediços na vida privada e alheia, com que nada tem a ver, muito menos a comentar.

Na realidade o senhor Manuel já fora advertido, vezes sem conta, pelos vizinhos do seu prédio e pelos outros do prédio das traseiras do edifício, que assar sardinhas ou fazer grelhados, na varanda oposta à fachada da casa, era perigoso e que um dia ainda causaria um problema qualquer. Contudo, pensava o nosso ancião, ele não estava xexé nem sequer para lá caminhava, sabia perfeitamente aquilo que fazia. O problema deste raciocínio é que os imponderáveis acontecem, independentemente da idade dos protagonistas, e muitas vezes sem nada ter a ver com a sua atenção ou falta dela relativamente ao que estão a fazer.

Foi o caso de ontem. O ancião desta narrativa, afastou-se por uns minutos do almoço que estava a grelhar na varanda, quiçá para ir ver se os acompanhamentos já estavam confecionados e o desastre aconteceu. Poderia ter acontecido a qualquer um, porém, para azar do senhor Manuel foi a ele que lhe calhou a fava.

O incêndio espalhou-se rapidamente e o discernimento do protagonista, aflito com a situação, não foi suficiente para que reagisse em tempo útil. Tanto que, quando foi retirado das águas-furtadas, quase meia hora mais tarde, ainda andava, no meio de um fumo imenso, à procura do telemóvel e da chave da entrada para fechar a porta antes de abandonar a habitação. Com algum esforço acabou por entender que a porta teria de se manter aberta para que os bombeiros pudessem atuar e foi conduzido, atordoado e confuso, à saída do prédio.

Foram quatro as vítimas de inalação de fumo e as duas águas-furtadas do edifício ficaram sem cobertura e com estragos avultados. Até o prédio vizinho, mais recente, foi afetado pela água utilizada para apagar o fogo. Também os andares imediatamente anteriores às habitações do topo se viram afetados pela água, como não poderia deixar de ser. Quando às 18 horas vim para casa para escrever esta carta, amiga Berta, ainda os homens da Companhia do Gás, tentavam aferir se as condutas do prédio teriam ou não sido afetadas pela tragédia. Não cheguei a saber o resultado.

Conforme já dei a entender a pronta atuação dos bombeiros do bairro e dos sapadores da capital impediu uma tragédia de maiores dimensões. Contudo, embora seja fácil colocar a culpa no senhor Manuel, eu acho que se trata apenas de um retrato menos bonito da situação social em que vivemos desde finais do século passado. Todos sabemos que por toda a cidade e pelo país fora temos anciãos a viver sozinhos em suas casas sem a mobilidade necessária e muitas vezes o discernimento requerido, para que situações trágicas possam ser evitadas.

Deveria existir algum mecanismo social que ajudasse a prevenir estas situações. Mas entre dever e haver vai muito mais do que a diferença dos verbos. Aliás, recordo-me que no prédio onde habito, já lá vão umas dezenas de anos, vivia um casal de reformados no rés-do-chão (e ainda hoje vivem). O homem estava ausente e a senhora resolveu ir ao mercado municipal, situado no início da rua, fazer uma pequena compra. Porém, esqueceu-se da comida do cão ao lume.

O incêndio que se gerou foi igualmente debelado, atempadamente, pelos mesmos corpos de bombeiros que atuaram hoje e também não houve consequências de maior a relatar, exceto na referida cozinha. Hoje o casal vive com uma neta, o que me deixa muito mais descansado, ainda mais porque a memória e o discernimento da senhora se têm vindo sempre a degradar.

O que eu quero dizer, amiga Berta, é que o caso de hoje não é, nem será proximamente único e excecional. Na mesma situação aflitiva estão centenas de anciãos no nosso querido Bairro de Campo de Ourique (já para não falar do país). Muitos deles sem a totalidade e plenitude das suas capacidades. Algum tipo de acompanhamento e aconselhamento deverá ser alargado, pois já existem algumas iniciativas neste sentido, por forma a se poder ajudar a prevenir futuras situações trágicas desnecessárias e que nalguns casos podem até mostrar-se fatais.

Quanto ao incêndio de hoje não me posso esquecer de deixar demonstrada a minha solidariedade para com a Cervejaria Europa e para com o seu gerente, o senhor Paulo, que não só perdeu hoje a receita dos 19 clientes, que a quando do incêndio se encontravam a almoçar, mas que, quando me vim embora, ainda não sabia se poderia voltar a usar o gás proximamente.

Hoje foram 400 euros perdidos num almoço que até estava a correr melhor do que o costume, para os tempos de pandemia que vivemos. Porém, no momento a situação para ele e funcionários ficou mais incerta e insegura. Os mesmos votos deixo à farmacêutica, a Doutora Graça, e a todos os funcionários da Farmácia Porfírio que hoje se viu obrigada a fechar portas. Que as coisas corram pelo melhor a ambos é o que desejo. Despeço-me com um beijo amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Fumar ao Ar Livre (Excerto - V do Diário Secreto do Senhor Da Bruma - Capítulo IV)

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Olá Berta,

Ontem, em Espanha, o Governo Espanhol lançou mais uma medida de combate ao Covid-19, com o apoio das regiões autónomas e do poder local do país. Voltam a fechar os bares e as discotecas e, à boleia da desculpa de melhorar a saúde, decidiram proibir a população de fumar ao ar livre.

Estamos a chegar à ditadura das democracias, apoiada em desculpas como a da segurança nacional e da saúde pública dos cidadãos. Pela primeira vez, abre-se um precedente na Europa, ou seja, à boleia da pandemia, implementam-se proibições, que já nada têm a ver com a sua propagação pela população.

Poderemos dizer que nada disso se passa em Portugal, mas a Ministra da Saúde, Marta Temido, não deixou os portugueses descansados com as suas declarações sobre o assunto. Pelo contrário, afirmando que o Governo não pondera ainda proibir de fumar ao ar livre, deixa descaradamente em aberto a possibilidade de tal poder vir a acontecer.

O paternalismo nacional dos países ditos civilizados avança para níveis impensáveis desde há 50 anos para cá. As primeiras manifestações deste tipo começaram nos Estados Unidos da América, onde o poder sempre tratou o povo como gente que precisa de regras e proibições para aprender a conviver em público.

A perseguição, imposta pelos lóbis, ao tabaco e ao álcool, no caso da Europa, não visam, nem nunca visaram, proteger a saúde pública. Basta ver a percentagem de verbas que os Estados ganham com os impostos sobre este tipo de consumos, se lhe somarmos ainda as receitas cobradas em taxas e derivados, sobre os combustíveis fósseis, estamos a falar da maior fatia de receitas de um setor do dito mundo civilizado, relativamente a todas as outras.

A hipocrisia é descarada, frontal e agora começa a entrar no foro da arrogância pura. Os mais de 10 mil milhões de euros de receitas em impostos, taxas e impostos especiais sobre estes produtos demonstra bem a importância dos mesmos no orçamento do Estado. Só os impostos sobre o tabaco e o álcool representam, juntos, quase 50% desse valor. Mas o que mais impressiona é que este conjunto restrito de produtos é responsável por mais de 13% das receitas anuais do Estado.

Em resumo, recriminam-se aqueles que mais contribuem para o PIB nacional. É realmente admirável. Marta Temido que esqueça o ainda, relativamente à possibilidade de vir a privar os portugueses do direito a fumarem ao ar livre. É que se o povo se cansa depois é difícil acalmá-lo. Fica num beijo simples na despedida de hoje deste teu amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: O Novo Banco de Cimento (Excerto - IV do Diário Secreto do Senhor Da Bruma - Capítulo IV)

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Olá Berta,

Não sei se viste as notícias ontem, se, por acaso, as acompanhaste sabes, como eu, que Portugal tem um novo banco. E não, nada tem a ver com o já velho Novo Banco pois que este se trata de um novo banco novo. O Estado volta a meter-se no campo pouco digno (a acreditar no que tem acontecido nos últimos anos no país) do setor bancário, sem pensar nas consequências.

Desta vez (uma vez mais) para agilizar a economia nacional e fazer chegar mais rapidamente às empresas e ao investimento os apoios, os fundos europeus e os incentivos económicos agilizados pela dispensa de um outro banco que, metido no meio da equação, apenas sirva de intermediário, com interesses e decisões próprias, que possam ser tendenciosas, ajudando principalmente a sua respeitada clientela fiel e, em muitos casos, amiga.

Na teoria tudo isto é muito bonito. Mas, depois de em 2019 termos injetado na CGD (do dinheiro dos contribuintes) mais 3,5 mil milhões de euros. Criar mais um banco estatal não me parece ser a mais sensata das soluções. Armando Vara foi condenado por que motivo? Ainda alguém se recorda? E vamos lançar mais um banco? Uma instituição que negoceia diretamente com as grandes empresas, o capital e os investidores, os fundos que devem chegar a Portugal nos próximos anos e mais as verbas geradas no próprio país…

Vamos com isso simplificar a burocracia? Num banco do Estado? Vamos avançar com mais 50 ou mais pessoas, entre direção e cargos de topo, encarregadas de distribuir e negociar biliões de euros com os grandes grupos e outros não menos grandes investidores? O tal novo Banco de Fomento, virá mesmo agilizar o setor? E será dirigido por gente impoluta, disposta a desenvolver ou ajudar a dinamizar a economia nacional sem burocracia, nem corrupção?

Pode ser que sim, vivemos num tempo em que (no “America’s Got Talent”) já vi uma galinha a tocar o hino nacional americano ao piano e em que, para manter os exemplos no mesmo país, um “galaró” é eleito Presidente da República. Vivemos igualmente num país em que BPN, BPP, Banif, Montepio, BCP, CGD, BES, Novo Banco, (e devo estar-me a esquecer de outros) já nos demonstraram quão fiável é o nosso setor bancário e quão sérios e idóneos são os nossos banqueiros.

E este novo Banco de Fomento vai trabalhar com e para os portugueses? Ajudar a erguer projetos fruto da nossa brilhante criatividade? Incentivar a cultura que se arrasta numa mendicidade de fazer corar Pessoa e Camões? Promover a Língua Portuguesa? Não, não, não e não. Isso são meras filosofias dos sonhadores e dos intelectuais de esquerda. A boa cultura é, para estes senhores, genuína apenas se nascida do seio do miserabilismo nacional.

Aliás, quanto muito, apoiarão hipoteticamente possíveis novos eventos e cimeiras às quais vestirão pomposamente o manto dourado da cultura. Uma capa conhecida, essa dos criadores (pelo eufemismo) de uma dita “Pseudocultura”. Um campo vasto criado para desviar fundos dos sempre marginalizados e despojados criadores nacionais de real mérito e valor. É muito mais fácil apoiar uma escola de samba do que uma de música. Disso não restam dúvidas, nem questões.

Eu cá, que não tenho que ser levado em consideração na matéria, uma vez que não passo de mais um simples e ingénuo popular, acho que, em vez de se criar um novo Banco de Fomento, se deveria fazer nascer um novo Banco de Cimento.

As vantagens seriam imensas. Um novo Banco de Cimento seria mais sólido, mais duradouro, mais estável e menos corrompível (é claro que teríamos de ter em atenção a quem encomendávamos a obra, não fosse o construtor aldrabar o banco trocando o cimento necessário por areia baratinha, desregulando as devidas proporções).

Enfim, amiga Berta, tenho dúvidas que tudo isto seja mais do mesmo e que, daqui a algum tempo, alguém venha dizer que era impensável imaginar que o que referi pudesse acontecer. Despede-se com um beijo, este teu grande amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Livro - O diário Secreto do Senhor da Bruma - III - Conversas com a Consciência - Os Pensadores - 4) Agostinho da Silva - Parte II

(continuação – III – 9)

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Olá Berta,

Mesmo tentando resumir tudo o que me move em Agostinho da Silva, seria impossível ter enviado uma única carta, para ti, sobre um homem que durante 88 anos nunca parou. Mesmo estas 2 deixam por referir imensas e importantes facetas do Professor. O espaço que ele ocupa no meu Diário Secreto do Senhor da Bruma é muito pequeno para a dimensão do homem em causa.

Contudo, o que mais importa no Diário é a influência que Agostinho teve na criação e desenvolvimento da minha própria consciência e pensamento. Esse é o papel, de uma importância que ultrapassa facilmente a relevância dos outros 8 filósofos do pensar, a que também me refiro nas minhas conversas sobre a consciência.

Afinal, ele foi, na realidade, um dos pensadores mais influentes na minha formação enquanto ser pensante. Importa, pois terminar a presente apresentação deste homem de pensamento em permanente ebulição:

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III

Conversas com a Consciência

4) Agostinho da Silva

 Parte II

(continuação – III – 9)

Maio, dia 7:

A partir de 1944 e por mais de 10 anos, manteve um contacto estreito com o filósofo, lógico e matemático brasileiro Vicente Ferreira da Silva e com a poetisa Dora, esposa de Vicente. Em 1954, a convite de Jaime Cortesão, colabora ativamente na organização da Exposição do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo. Escusado será dizer que o evento, programado por esta dupla foi um tremendo sucesso na época e ainda hoje é lembrado como um dos melhores já criados em São Paulo.

Maio, dia 8:

Agostinho da Silva não sabia estar parado, nem muito tempo no mesmo lugar, tinha, como costumava dizer a minha mãe, bicho carpinteiro, por isso torna-se em Florianópolis um dos fundadores da Universidade Federal de Santa Catarina. Em seguida cria o Centro de Estudos Afro-Orientais e ensina Filosofia do Teatro na Universidade Federal da Bahia. Ambos com um impacto notório na vida cultural e criativa entre os agentes culturais do Estado e os próprios criativos, onde a cultura nativa tem direito a um destaque até então nunca assumido a nível dos estudos superiores, ajudando, desta forma, ao desenvolvimento e entendimento da cultura baiana.

Maio, dia 9:

Entre os seus notáveis alunos, alguns nunca mais o esqueceriam, pelo papel marcante que Agostinho teve nas suas vidas, entre eles, dizia, estão muitos criativos, artistas, músicos e cantores como, por exemplo, os irmãos Caetano Veloso e Maria Betânia, que ainda hoje o recordam com saudade. Para o Professor a interatividade do pensamento levava ao progresso e era fundamental o choque de ideias e filosofias para que se conseguisse progredir com sucesso quer a nível cultural, filosófico, intelectual e fundamental criativo, sendo este último a génese de todos os restantes, pois sem criatividade não há pensamento que consiga evoluir saudavelmente.

Maio, dia 10:

A influência de Agostinho da Silva no desenvolvimento e divulgação da vasta cultura brasileira estende-se, ao longo de 25 anos de Florianópolis ao Nordeste, passando pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, numa época culturalmente muito criativa e plena de atividade no Brasil. Aliás, o Professor torna-se, em 1961, assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros. O político vê em Agostinho alguém com uma perfeita visão global da cultura e intelectualidade brasileira em particular e da difusão da língua portuguesa como veículo primeiro para a afirmação positiva do Brasil no mundo, com especial incidência no Hemisfério Sul.

Maio, dia 11:

Agostinho é um dos fundadores da Universidade de Brasília e do seu Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, já em 1962. Com esta Universidade bem lançada, parte para a Bahia onde leva a cabo mais um grande projeto, criando, de raiz, a Casa Paulo Dias Adorno em Cachoeira. Pela mesma altura idealiza o Museu do Atlântico Sul, em Salvador da Bahia. A ideia era destacar a importância e o relevo do triangulo lusófono entre Portugal, América do Sul e África, um destaque que explica bem porque a língua portuguesa é, de longe, a língua mais importante e mais falada em todo o Hemisfério Sul.

Maio, dia 12:

Agostinho da Silva volta ao seu país natal em 1969, após a morte de Salazar e depois da sua substituição por Marcello Caetano, facto que o leva a pensar haver mais alguma abertura política, intelectual e cultural no regime e a convite do Estado Novo, porém é preso à chegada pela PIDE porque o Governo se esquecera de anular a sua ordem de prisão, ainda ativa na polícia secreta. Sanada a confusão é solto e mantendo-se fiel à sua criatividade continuando a escrever e a dar aulas em diferentes universidades lusas, gerando e desenvolvendo o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e tornando-se consultor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa designado, atualmente, por Instituto Camões.

Maio, dia 13:

Mário Soares a 12 de março de 1987, atribui-lhe a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Em 1990, a RTP convida-o para uma série de treze entrevistas, denominadas Conversas Vadias. Várias delas tornam-se memoráveis, sendo que algumas sofrem interpretações, no mínimo duvidosas, como a relativa ao estudo histórico sobre o culto do Espírito Santo, que foi publicada pela editora Zéfiro em 2006. Agostinho da Silva faleceu no Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, no ano de 1994.

Maio, dia 14:

Todavia, de todo o seu vasto pensamento, as 3 coisas que contribuíram definitivamente para a formação da minha consciência. Aliás, elas definem, em si mesmas, o seu percurso de vida, porque apresentam as noções absolutamente claras de: liberdade, criatividade e defesa da língua portuguesa. Um triângulo que faz de Agostinho da Silva, o maior defensor do património linguístico nacional, depois de Camões e Fernando Pessoa, também o terem feito sem a mesma certeza e consciência global.

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É na despedida e homenagem a este imenso ser, um inigualável Agostinho da Silva, que me despeço de ti, amiga Berta, com um beijo e um abraço dentro da virtualidade dos nossos dias, sempre pronto para o que der e vier, este teu amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: Livro - O diário Secreto do Senhor da Bruma - III - Conversas com a Consciência - Os Pensadores - 4) Agostinho da Silva - Parte I

(continuação – III – 8)

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Olá Berta,

Espero que esta carta te vá encontrar bem e feliz com as férias que estás a usufruir. Hoje, por estranho que te possa parecer, o meu filosofo e pensador é português. Se eu te falar no George Agostinho Baptista da Silva talvez isso te diga pouco. Porém, se te disser que vou falar de Agostinho da Silva, o meu quarto pensador de eleição, no Diário Secreto do Senhor da Bruma, já tudo fica bem diferente. Ora, isso acontece contigo e com a maioria das pessoas. Poucos são os que o reconhecem pelos nomes de George e Baptista, muito poucos.

Estou a referir-me a um dos grandes da cultura portuguesa do século XX, mas não só. No que concerne ao pensamento, a propósito da importância do Professor, ele está entre os maiores de toda a história do país. Por isso entro diretamente no tema, sem mais delongas:

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III

Conversas com a Consciência

4) Agostinho da Silva

Parte I

(continuação – III – 8)

Abril, dia 28:

4) Agostinho da Silva (13/02/1906 – 03/04/1994) - Formação superior em Filologia Clássica, Doutoramento com a apresentação da tese: “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas”, filólogo, filósofo, professor e pensador:                     

Sobre Agostinho da Silva há muito a dizer, seria relativamente fácil citar os seus cadernos editados periodicamente, os livros que publicou, as Universidades em Portugal e no Brasil onde lecionou e que ajudou a formar. Como também é fácil descrever a inovação que trouxe ao ensino em Portugal e no Brasil, a nível universitário, bem como a imensidão de gente a quem conseguiu tocar com o seu raciocínio e brilhantismo genial.

Abril, dia 29:

Há quem o considere um adepto praticante do panteísmo, do milenarismo e da ética da renúncia, contudo, ele é sim, a meu ver, o primeiro defensor da deontologia do ser em oposição às tendências do ter, ou seja, o poder e a riqueza não está no que se tem ou possuí, mas, inversamente, no que se conhece e absorve na plena posse de um estro livre de dogmas e preparado para se desenvolver sem contingências, ou seja, é na livre inteligência emocional que o ser humano se supera a si próprio.

Abril, dia 30:

Poderia falar da sua luta contra os regimes ditatoriais em Portugal e até no Brasil, descrever porque foi preso pela PIDE ou reportar a sua influência no meio intelectual e cultural nestes 2 países e nos outros Estados de Língua Oficial Portuguesa, mas não só. Seria até entediante apontar todos os países que visitou e onde fez questão de deixar a impressão marcante do seu pensamento. Não foi em vão que Agostinho criou os vários Centros de Estudos no Brasil e em Portugal. Em todos eles a intenção era a mesma: Reforçar o papel da língua portuguesa.

Maio, dia 1:

Fosse o Centro de Estudos Afro-Orientais, o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, ambos em terras de Vera Cruz ou o Centro de Estudos Latino-Americanos em território Luso, todos tinham, no seu conjunto, a defesa da nossa língua como vetor primário. A formação em Filologia Clássica, que examina os sistemas linguísticos da Antiguidade Clássica, com especial incidência no latim e no grego antigo, marcou, em Agostinho, a verdadeira importância da língua na história dos povos e das civilizações.

Maio, dia 2:

Agostinho da Silva considerava o trabalho uma excrescência social que os Estados tinham inventado para formatar e moldar os espíritos dos seus cidadãos, de acordo com as suas normas e interesses próprios. Para ele, quem fazia o que gostava, nunca trabalharia na vida, pois que, na sua definição desta labuta estava implícita a obrigação de se fazer diariamente o que se não gosta, com vista a poder-se sobreviver, num determinado contexto comunitário. Por outro lado, cumprir um papel numa qualquer área da qual se gostava, fosse tratar do lixo ou desenhar um edifício, não era trabalho, mas sim uma atividade criativa.

Maio, dia 3:

Formado no Porto com a classificação máxima de 20 valores e doutorado com louvor, no ano seguinte, em 1929, ainda com 23 anos de idade, Agostinho passou posteriormente pelo «Collège de France» e pela Sorbonne, na qualidade de bolseiro, absorvendo as luzes de Paris. Foi professor do ensino secundário em Aveiro, por pouco tempo. O Estado queria que os funcionários públicos assinassem um documento vinculativo ao regime, coisa que ele recusou.

Maio, dia 4:

Aproveita, então, uma bolsa do Ministério das Relações Exteriores de Espanha e ingressa como investigador no Centro de Estudos Históricos de Madrid. Em 1936 regressa a Portugal devido à probabilidade de deflagrar uma Guerra Civil em Espanha, como veio a acontecer. De volta ao seu país, cria o Núcleo Pedagógico Antero de Quental em 1939, e em 1940 lança em fascículos a Iniciação: Os Cadernos de Informação Cultural.

Maio, dia 5:

Entre outras coisas são os cadernos que o levam a ser preso pela polícia política em 1943. Libertado, decide abandonar o país e, no ano seguinte, ruma em direção à América do Sul, passando pelo, Uruguai, Argentina e o Brasil, como consequência da sua clara oposição a Salazar e ao seu Estado Novo. Em 1947, decide-se a ficar a residir no Brasil, onde viverá até 1969. Passando, a partir de certa altura, a ter dupla nacionalidade.

Maio, dia 6:

Começou por escolher São Paulo, como ponto de partida e, mais tarde, muda-se para Itatiaia, onde funda uma comunidade. Contudo, em 1948, começa a colaborar com o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde estuda entomologia, enquanto se mantém, simultaneamente, como professor na Faculdade Fluminense de Filosofia. Por essa altura, junta-se ao seu amigo Jaime Cortesão, com quem colabora nas pesquisas sobre Alexandre de Gusmão. De 1952 a 1954, ensina na Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa e também em Pernambuco.

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Para Agostinho da Silva é mais interessante conhecer e conversar com alguém que discorde da sua opinião, e que fundamente uma outra qualquer, do que ser simplesmente acompanhado nas ideias e na sua maneira de ver o mundo. Segundo o professor é do debate e do diálogo que o mundo evolui e se desenvolve.

Esta revelação serve de fecho para a carta de hoje, este teu amigo, minha querida Berta, despede-se com um beijo de imenso carinho e saudades, como alguém sempre ao dispor e ao serviço dos que lhe são queridos,

Gil Saraiva

 

 

 

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