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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta n.º 571: Crónica de um Apelidado Terrorista Falhado - Parte II/II

Berta 571.jpg Olá Berta,

Escrevo-te hoje para concluir a minha crónica de um apelidado terrorista falhado, segunda parte. Não sei se o desenrolar dos acontecimentos ainda dará origem a um epílogo, mas, para já, a crónica fica por aqui.

Conforme eu te dizia ontem, e com os novos dados que já se sabem hoje, continuo a pensar que não é transparente que o ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, por parte do aluno da Batalha, de nome João, alguma vez fosse acontecer.

Afinal, já se sabe que o rapaz sofre do Síndroma de Asperger (ou para simplificar SA), o que é, como patologia, uma forma de autismo. Há comportamentos variados em quem padece deste síndroma, mas também existem muitas caraterísticas comuns. Não sei quando lhe foi diagnosticada a doença, mas, o diagnóstico em adultos, requer uma cuidadosa avaliação clínica e um minucioso historial clínico do indivíduo.

No entanto, toda a planificação e transcrição do seu plano de ataque fica absolutamente justificada pelo SA. Também se enquadra na doença a sua obsessão e fixação num tema, a repetição de procedimentos, uma atenta organização de todos os detalhes e do modo compulsivo com que trata da arrumação pormenorizada do seu espaço envolvente. O paciente com SA é reservado, muito pouco sociável e não tem noção de que uma sua fixação possa ser errada.

Para além disso, nem se quer se consegue aperceber que o seu interesse por algo possa ser desconfortável para os demais. Há muito mais sintomas e consequências do Síndroma de Asperger, mas é bem possível que o foco deste estudante, embora este o descreva como finalidade, não seja realizar o atentado, mas provar a si mesmo que o conseguiria levar a cabo.

Vai uma grande diferença para quem sofre de SA entre a planificação e a realização de algo. É por isso absolutamente compreensível que tenha abortado o atentado de segunda e remarcado o mesmo para sexta-feira. Aliás, o mais normal, seria isto voltar a acontecer e a repetir todo o ciclo mais uma vez, e outra e ainda outra. Porém, uma qualquer alteração à sua rotina, como descobrir que estava a ser vigiado, poderia levá-lo a levar até ao fim os seus intentos.

Uma coisa é, no meu entender, absolutamente certa. O João, esse estudante de engenharia informática que veio de um pequeno meio do interior, mais propriamente de uma aldeia perto da Batalha, é tão culpado como eu pelos seus atos. Trata-se de um doente e não de um terrorista e devia estar a ser tratado como tal.

Uma coisa é um ato terrorista, planeado a sangue frio, de uma pessoa que até dá a vida para infringir baixas pesadas e morte aos alvos escolhidos, por uma qualquer convicção fria e calculista. Outra bem diferente é não ser capaz de sequer se aperceber que se está a praticar um crime e tratar a morte, a sua e a dos outros, como se de mais um jogo se tratasse. Se o autismo do João foi descoberto ainda na infância, então foi tratado de forma muito negligente, e isso continua a não fazer dele culpado pelos seus atos, isto pondo a hipótese que alguma vez ele concretizaria o ataque.

Para o João, um jogo de guerra ou de combate em que os personagens vão morrendo, está ao mesmo nível do seu plano de consciência com o atentado e possível, ou não, eventual concretização. Trata-se de ganhar o jogo e não de algo criminoso. No meu entender, por isso mesmo, o João é inimputável e não um terrorista, por muito que isto nos possa custar a aceitar. O ato do João, em si mesmo, é sem margem para dúvidas um ato terrorista, porém, se praticado por si, não passa da concretização de uma obsessão gerada por uma doença, que neste caso se chama Síndroma de Asperger.

Por isso, e para terminar, acho que o João devia era ser internado, tratado e, se alguma vez atingisse um nível suficiente de controlo sobre o seu autismo, posto em liberdade ou mantido internado se isso nunca se concretizar. Por hoje, terminei, querida Berta, despeço-me com mais um beijo saudoso, este teu amigo do coração,

Gil Saraiva

 

 

 

 

 

 

Carta à Berta n.º 570: Crónica de um Apelidado Terrorista Falhado - Parte I/II

Berta 570.jpgOlá Berta,

Escrevo-te hoje para te enviar a minha crónica de um apelidado terrorista falhado, primeira parte. E a que propósito te envio eu uma carta a falar sobre um assunto em que toda a gente já deu um parecer sobre o tema?

Para mim, que não sou nenhum especialista, já vejo muita gente tentando cavalgar na sua área de influência, de bicos de pés, opinando, sem quase nada se saber sobre a matéria. A razão é óbvia, são pessoas que, para se destacarem no ranking da importância que ambicionam ter face ao seu lugar na sociedade, resolvem cavalgar às costas de mais um tema mediático.

A meu ver, querida amiga, existem duas hipóteses igualmente revelantes, uma segue a linha adotada por todos os comentadores do nosso espaço mediático, a segunda apresenta uma alternativa tão digna de análise como a primeira.

No primeiro caso pode tratar-se, efetivamente, de um jovem com uma aduela a menos que, face a um qualquer complexo de inferioridade, baseado numa pequena deficiência física que o menoriza e, talvez até, no facto de eventualmente ser vítima de “bullying”, se decide vingar atacando os seus pares, demonstrando a sua inteligência e superioridade, na senda de uma vingança que poderá fazer dele o primeiro terrorista português.

No segundo caso podemos estar perante um pretenso vilão, como poderia ser um pretenso herói, armado em supervilão da Marvel, qual fanfarrão que procura na darknet dar azo à sua fantasia de vingança, sobre aqueles que, de uma forma ou outra, o minimizam ou ridicularizam.

Em ambas as situações estamos perante alguém que procuraria ser credível para quem o lê na darknet. Em ambos os casos, faz sentido haver um plano escrito, colecionar as armas e os apetrechos para a prática do crime. No primeiro acontecimento, as armas e o plano servem o objetivo da efetiva prática do ato. Na segunda situação, as mesmas coisas são usadas para provar a quem o segue, nos confins da obscura internet, que pretende mesmo praticar o crime, podendo demonstrá-lo com imagens dos objetos adquiridos ou fotografias do plano, tiradas no seu próprio quarto.

No presente momento podes, querida Berta, estar a pensar que, na dúvida, a Polícia Judiciária, agiu muito bem e preventivamente. Porém, eu penso precisamente o contrário. Acho até que, na incerteza entre estas duas possíveis explicações, a PJ agiu antes do tempo devido, para poder ficar com os louros de ter apanhado o primeiro terrorista português antes do crime ser praticado.

Aliás, estando o suspeito a ser vigiado e seguido há já alguns dias, porque não esperou a Polícia Judiciária que ele saísse do seu quarto da residência universitária, de mochila às costas, com o equipamento necessário para a prática do ato?

A forma e a dimensão da própria mochila seriam suficientes, porque diferentes dos dias anteriores, para o desmascarar e o apanhar efetivamente em flagrante delito. Assim que o sujeito, pusesse um pé no passeio, mesmo à saída da residência, comprometido pela posse das armas, gasolina e sei lá que mais, não existiriam quaisquer dúvidas quanto às suas reais intensões.

Ao agir por antecipação, entrando pelo quarto do jovem adentro, ganha credibilidade a hipótese da Judite ter preferido os louros de ter apanhado um pretenso terrorista, que pode não ser mais que um fanfarão da darknet. Julgo igualmente que será esta a futura tese da defesa, mas, cara Berta, posso estar, evidentemente, enganado na minha análise. Só que, graças ao timing da PJ, nem eu nem tu, e acho que nem ninguém, nunca o saberá ao certo.

Primeiro crucifica-se o possível meliante, preventivamente, quando, talvez apenas, seja um rapazito com um complexo de inferioridade que, num local virtual e obscuro, dá largas à sua sede de revolta e desejo de vingança. Ora se esta segunda hipótese fosse verdadeiramente a real, a sociedade nunca o poderá saber porque a PJ escolheu um alvo fácil, para em qualquer das hipóteses poder capitalizar, por antecipação, uns louros que pode, ou não, merecer. Quantos portugueses não usam a internet e um “nickname” (um pseudónimo) para assumirem o papel daquilo que não conseguem realmente ser na realidade?

Nos meus trinta anos de uso da rede, posso confirmar que conheci “contentores”, “paletes” ou “himalaias” desses heróis ou vilões, tão completamente distintos daquilo que são na vida real. Aliás, o desvio comportamental do jovem pode ser tal que este desejasse ser apanhado e acusado como terrorista sem ter de fazer mal a quem quer que fosse. Mas isto sou eu a pensar, minha amiga. Pena que a Judite não tenha esperado por ele por o tal pé no passeio, se isso alguma vez acontecesse… amanhã envio-te a segunda parte, por hoje fico-me por aqui, querida Berta, despeço-me com um beijo saudoso, este teu amigo do coração,

Gil Saraiva

 

 

 

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