Carta à Berta nº. 293: Ai, Como Eu Gosto da Minha Alegre Cozinha...
Olá Berta,
Não gosto de interromper as minhas deambulações filosóficas quando estou a meio, contudo, hoje será o segundo dia seguido sem acabar o meu pensador, Chris Anderson. Prometo-te que o enviarei amanhã. O diário Secreto do Senhor da Bruma terá de esperar mais um dia sem continuação. Por outro lado, até é bom, porque assim não te cansas de me ler a filosofar.
Hoje estou ansioso pelo calor da noite, mais fresco que o do dia, onde a janela aberta e a ventoinha ligada me dão a sensação de que estou num ambiente mais fresco. Pura ilusão, mas um logro bom.
Ontem passei o dia sem vontade de escrever. Tinha feito uma encomenda ao Pingo Doce e a entrega estava marcada para algures entre as 5 e as 7 da tarde. Chegaram às 6 e 10, quase a meio dos tempos de marcação. Como eram muitas compras fui para a cozinha fazer as arrumações. E se eu demoro a arrumar. Por exemplo, se mandei vir mais uma lata de um tipo de feijão, porque dessas me restavam apenas 2, tenho que a colocar atrás das outras ou por debaixo destas.
Sou complicadinho a esse nível. Tem de ficar tudo arrumado por tipo de mercadoria e por ordem de entrada cá em casa. O mais antigo fica sempre na frente. O mesmo se passa com aquilo que vai para o frio ou para o congelador.
Mas a um nível ainda mais elevado. No caso da carne, exemplificando, tenho que a separar por doses, ensacá-la direitinho e acomodá-la devidamente junto da gaveta da carne que já se encontra congelada. Porém, o acesso ao que já estava congelado tem de se manter operacional.
Mas os congelados estão divididos por gavetas ou setores. Eu explico. No congelador do frigorifico estão as cuvetes do gelo, 2, no mínimo, os gelados, se os houver, um máximo de 18 bolinhas de pão, um saco de 3 quilogramas de ameijoas e os legumes congelados cujas embalagens já foram encertadas. Nestes enquadram-se os grelos congelados ou os espinafres, as favas, a cebola previamente picada, as cenouras baby, os cubos de abóbora para fazer sopa e o melhor alho picado congelado do país, uns saquinhos perfeitos e baratos do minipreço. Caso seja uma altura em que tenha miolo de camarão congelado, se existir algum saco aberto, também é aqui que se encontra. Tudo isto acondicionado, com acesso às diferentes coisas, nas 2 prateleiras do congelador do frigorifico.
Quanto à arca congeladora de 4 gavetas, 3 grandes e uma mais pequena, a arrumação tem outra disposição. Na primeira ficam as diferentes batatas congeladas. As primeiras aos cubinhos que podem ser fritas, estufadas ou usadas para tortilhas, as de palito para fritar e as de rodelas excelentes assar, fritar ou estufar. Depois ainda há as pequenas inteiras para assar ou cozer.
Às batatinhas ainda se juntam as castanhas descascadas. Na segunda gaveta fica o peixe congelado. Normalmente no fundo encontram-se as sardinhas e a solha às postas, seguidas dos bifes de atum, dos lombos de salmão e de bacalhau. Depois vêm os mimos de pescada da Pescanova e no topo, divididos por doses, as tiras de pota e o miolo de camarão por encertar. Ah! Amiga Berta, nunca compres peixe congelado da Iglo. Simplesmente não presta, muito melhor é a marca própria do Pingo Doce ou do Continente. O peixe fresco não entra aqui, é comprado e consumido no dia da sua aquisição.
A terceira gaveta é a da carne, onde o entrecosto e o piano ocupam o fundo, cortados previamente osso a osso e embalados por doses. Os bifes de vaca, altos, ocupam as traseiras da gaveta e nunca dá para guardar mais de 14 doses. Na frente, também já cortados e divididos por doses estão a carne de porco do cachaço, as febras também do cachaço, os bifes de peru e às vezes uns bifes de peito de frango. Mas, normalmente, a carne com osso de aviário ou do campo, é comprada e consumida no próprio dia, o espaço que ocupa não compensa qualquer congelação.
A quarta gaveta, mais pequena, tem os molhos congelados que eu faço, os tubos de massa congelada para as empadas, seja a folhada ou a quebrada. Aqui um conselho, a massa pode ser congelada sem problema, mas não convém ficar mais de 2 meses na arca, pois perde qualidades e, depois de retirada da congelação, para ser confecionada tem de passar 24 horas no frigorífico e ficar, pelo menos, 4 horas fora dele antes de ser utilizada. Esta gaveta guarda ainda os pacotes de cebola e de alho por abrir e mais alguma coisa extra que não esteja prevista para as outras divisões, por exemplo, miolo de ameijoa, calamares, lulas, esparregado e outros extras, mas não muitos, que sempre aparecem para me tentar desafiar a imaginação.
Entre temperos em pó ou secos em folha, picantes, vinagres, azeites e outros produtos para temperar a comida, como vinho branco ou tinto, água de mel ou de anis, tenho, à vista na cozinha, em pequenas prateleiras brancas de PVC, ou nos armários, 175 tipos diferentes de temperos. Não te rias, querida Berta, eu uso todos. Quanto ao sal só uso 3 tipos diferentes. A flor de sal ou o sal dos Himalaias quer o grosso, quer o fino, quase em pó.
Os outros produtos estão divididos por setores e arrumados por detrás das 8 portas dos armários para produtos, na cozinha. Do arroz, ao café moído, que misturo em doses de 2 para um entre o da marca Pingo Doce com o da Delta e que me dá um café muito cremoso e delicioso. Ainda lá se encontram as pequenas caixinhas de pudim Mandarim, as tiras de gelatina Davis ou as embalagens de gelatina normal, até ao ananás de lata, passando pelas massas, salsichas, conservas de peixe, de polvo ou de pota, sem esquecer as de feijão, de 4 tipos diferentes, e as de grão.
O vinho tinto está junto ao chão, nuns armários que mandei fazer por baixo da grossa pedra de calcário antigo, absolutamente protegido do calor, com uma capacidade até 100 garrafas. As bolachas, tostas, tisanas e chás têm uma porta só para elas. As latas grandes de polpa de tomate (os frascos deste produto simplesmente não prestam, estão guardadas junto aos garrafões de azeite e do vinho branco. Pronto, assim está tudo à moda do cozinheiro, ou seja, eu.
Tudo isto para te dizer algo que ainda não disse. Desculpa, Bertinha, mas hoje é um dia assim, nada a fazer. Ia-te contar que chegou a encomenda do Pingo Doce e que a carne (2 quilogramas e tal de bifes de peru) em vez de vir fria vinha congelada. Resultado, fui obrigado a desconfinar e a ir ao supermercado fazer a troca. Não devo ter demorado mais que 12 minutos, mas fui a medo, confesso.
Só no regresso é que pude começar as arrumações e como deves calcular demorei umas horas. Daí a falta de vontade de falar em pensadores e filosofias. Espero que tenhas achado piada à minha paranoia na cozinha, mas adoro cozinhar, desde que as coisas estejam ao meu jeito, preparadas para ser utilizadas.
Antes de me despedir aproveito para te dizer que a foto que te envio a ilustrar a carta de hoje é de parte da minha cozinha. Recebe um beijo franco deste teu amigo de sempre,
Gil Saraiva