Carta à Berta: Alexei Navalny Versus Pudim, digo, Putin
Olá Berta,
Alexei Navalny, o líder da oposição russa a Putin, acabou de ser julgado e condenado na Rússia, após o seu regresso da Alemanha. Foi na capital, Moscovo, que um tribunal russo condenou o líder do movimento alternativo a Putin a dois anos e oito meses de cadeia.
No julgamento ninguém quis saber da razão pela qual Alexei Navalny tinha violado a liberdade condicional, nem mesmo se foi salvo pelos médicos alemães de morte certa, devido ao envenenamento de que tinha sido alvo. Nada disso importou ou foi levado em linha de conta pela justiça moscovita. Alexei foi condenado a dois anos e oito meses de prisão, a ter como verdadeira algumas das agências de notícias internacionais.
No meio de um julgamento a lembrar os tempos da guerra fria e do poder comunista no Leste, o opositor russo foi condenado, porque, alega a acusação, violou os termos da liberdade condicional, a que estava sujeito, pois já tinha sido julgado e condenado anteriormente a cumprir uma sentença de três anos e meio de prisão, à época transformada em pena suspensa, emitida no ano de 2014.
A farsa, digo, a audiência, querida amiga, que decorreu em Moscovo, foi presidida pela juíza Natalia Répnikova, a qual decidiu, imbuída de justiça vermelha, transformar a referida pena suspensa em tempo real de prisão.
Ora, Navalny, e os seus apoiantes, consideram ser esta uma ação apenas motivada pela interferência política na justiça, replicando que todo o processo não passa de uma tentativa vã, e quanto a mim estúpida, mais do que vã, de um Kremlin agarrado a um poder cada vez mais rubro, no pior sentido da palavra. Tudo isto com a finalidade única e última de amedrontar mais de cem milhões de russos à submissão do poder do Pudim, digo de Putin.
O ainda jovem político, um ativista anticorrupção de 44 anos, reconhecido como tal pela comunidade internacional, é ainda acusado, por uma justiça recheada de lapalissadas, de ter violado a "ordem pública em mais de 50 ocasiões", o que "constitui uma violação das condições da sua liberdade condicional", ou seja, Navalny é incriminado por continuar a ser político durante quase todo o tempo da sua liberdade condicional, excetuando o tempo em que esteve hospitalizado devido ao envenenamento provocado por ordem do seu arqui-inimigo Vladimir, o pudim, digo, o Putin que controla o poder na Rússia.
Toda a narrativa do tribunal, recheada de um “nonsense”, que parece retirado de uma série de humor britânica, serve para afirmar que a Alexei tinha sido aplicada uma pena de mais de três anos, mas que a juíza, douta magistrada de uma justiça manchada de vermelho, levou em consideração os dez meses que ele já passara em prisão domiciliária, por causa da anterior acusação, e que, por isso, os mesmos deveriam ser subtraídos da atual pena.
Incrivelmente, o tempo que Navalny passou a lutar pela vida na Alemanha e depois em recobro, a recuperar da tentativa de assassinato por envenenamento, não pode ser considerado no tempo de prisão que falta cumprir, antes de regressar à Rússia no mês passado, porque o acusado se encontrava, na realidade, em incumprimento da sua pena suspensa, fora do país, para onde não lhe era permitido ir por força da referida pena. Se foi para salvar a vida ou não, acha a juíza que isso é matéria irrelevante nos termos do julgamento do processo.
Navalny, num ato de coragem, falou a partir de uma cela em vidro durante o julgamento, qual cobaia de laboratório, e atribuiu a sentença que ontem foi proferida e anunciada, pelo tribunal, ao "medo e ódio" de Putin. Num claro e ostensivo desafio ao poder alegou que o Presidente russo ficará na história como um "envenenador". Um envenenador envergonhado, direi eu, minha querida Berta, que não se assume e não sai do armário à prova de bala.
Navalny chegou ao ponto de acusar publicamente o líder russo e afirmar no julgamento: "Eu ofendi-o profundamente, apenas por sobreviver à tentativa de assassínio que ele ordenou" e ainda acrescentou: "O objetivo desta audiência é assustar um grande número de pessoas. Mas ele não pode prender um país inteiro".
Estranhamente, estas acusações, proferidas por este líder da oposição, não tiveram quaisquer consequências e não se refletiram, por isso, na sentença de que foi alvo, por ter transgredido a liberdade condicional a que se encontrava submetido.
O veredito final, proferido pela juíza Natalia Répnikova, transforma Alexei no prisioneiro político mais proeminente de toda Rússia e passa a representar o facto mais importante até à atualidade, através desta condenação contra um opositor de Vladimir Putin, desde a prisão de Mikhail Khodorkovsky, em 2005, de que o Ocidente parece já não ter qualquer memória.
Aliás, é com isso que o pudim flan, “o cara-de-bom-rapazinho”, o falso czar Putin, conta. Os seus opositores no Ocidente, sedentos de notícias todos os dias, em breve deverão esquecer o calabouço do seu último opositor, entretanto até pode acontecer que Navalny faleça por acidente na prisão.
O partido da oposição, de Alexei Navalny, já convocou, através de mensagens na rede social Twitter, uma nova demonstração de força e oposição, marcando uma manifestação contra a prisão, o julgamento de fantochada e a sentença de prisão absurda do seu líder, numa tentativa, mais uma, de mobilizar os milhares de manifestantes que, nas últimas semanas, protestaram contra o atual regime russo.
Relembro-te, querida Berta que foi apenas há dias que cerca de 4.700 pessoas foram detidas, numa das muitas, mas talvez a maior das manifestações que se têm repetido na busca quase insana de demonstrar solidariedade a Navalny, apresentando-o como uma verdadeira vítima de repressão violenta por parte das forças de segurança russas.
Se a memória internacional não esmorecer e enfraquecer, pode ser que a recente sentença não se fique por aqui e que algo consiga ser feito em prole da liberdade e da justiça na Rússia. Quiçá dar a Alexei Navalny o Prémio Nobel da Paz, embora em tempos de pandemia eu esteja mais a ver a “muito politizada Academia Sueca” a atribuir o galardão a um “mata-moscas”, digo, a um combatente “Covid.
Quando se tratam de casos com a gravidade deste, querida Berta, nem sempre me é fácil ser mais sintético, pelo que peço desculpas, amanhã é capaz de acontecer algo idêntico, pois irei falar-te de Suu Kyi, a Prémio Nobel da Paz e, até este fim-de-semana, líder de Myanmar. Despede-se, com o tradicional beijo, este teu amigo solidário,
Gil Saraiva