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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta: O Novo Confinamento na Rua Francisco Metrass em Campo de Ourique - Conclusão

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Olá Berta,

Não estava à espera de voltar ao tema de ontem logo no dia seguinte. Com efeito, por ontem ser sábado pensei que o fenómeno de gente aglomerada a tentar ir às compras tinha tido o seu pico nesse final da manhã, início de tarde. Contudo, hoje, eram 11,30, ainda a uma hora e meia do confinamento cheguei à janela e pasmei. Em pouco mais de um minuto contei mais de 223 pessoas na rua.

Mesmo com a cafetaria Metrass fechada e julgo que o “take-away” Dez para a Uma também (não consegui ver bem para ter a certeza), esta manhã tinha mais gente a circular do que ontem que, segundo o senhor António Silva que ontem comentou a tua carta num grupo de Campo de Ourique, tinha o interior do Pingo Doce cheio pelas costuras, o que obrigou o gerente de loja a pôr na ordem o segurança que controlava as entradas. Como estará a situação hoje, pergunto-me eu…?

Já não fui a correr para apanhar a máquina fotográfica para te ilustrar a manhã. Podia facilmente acontecer como ontem e já não apanhar o mesmo movimento, porém, envio-te mais uma panorâmica de como a rua estava, neste sábado passado, numa parte diferente do trajeto.

Continuo a achar que a culpa não é de quem precisa de se abastecer. Sinceramente acho que as pessoas estão a fazer o melhor que podem fruto das circunstâncias.

Hoje, por exemplo, não vi um único individuo sem máscara. Nem mesmo um grupo de 4 crianças que atravessavam a rua com a mãe e cuja mais nova deveria ter cerca de 4 anos de idade. Todavia, o que também não presenciei foi a presença de uma autoridade que desse uma ajudinha no ordenamento e na manutenção da distância social. Garanto-te, minha querida amiga que teria sido bastante importante nessa hora.

Afinal, a esquadra da PSP fica a cerca de 500 metros, nem sei se tanto do ponto em que me encontro. Acho que não era logisticamente impossível que pudessem ter vindo dar um apoio na organização da multidão. Se a situação se mantiver nos próximos dias espero sinceramente que alguém se lembre de atuar. Posso ter dúvidas quanto à forma com que o Governo definiu este confinamento, mas, apesar de tudo, julgo que estão com boas intensões a tentar abrandar a evolução da pandemia. Não é assim tão escandaloso que a autoridade possa e deva colaborar.

Não me alargo mais com este assunto, minha querida Berta, espero que o teu domingo tenha sido tranquilo. Despeço-me com abraço saudoso e cheio de carinho,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: O Colecionador de Beijos - CONCLUSÃO - Parte II - VII/VII (Última)

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Olá Berta,

Acaba aqui a segunda parte da conclusão do ensaio sobre o beijo do livro “O Colecionador de Beijos” que editei pela Chiado Books em 2019. Espero como dizes que te tenhas divertido a ler os meus porquês. Hoje, envio também a Bibliografia. Não é para a leres obviamente. Apenas serve para o caso de teres interesse em ver uma ou outra fonte de que me servi na elaboração do ensaio. Assim, e sem mais demoras aqui vai:

 

“Conclusão

 

Enfim, beijar gera tranquilidade, conforto físico e psicológico, age neurologicamente proporcionando bem-estar e acelera o metabolismo. O beijo combate a impotência masculina e lubrifica os genitais femininos, promove o apetite sexual no homem e o desejo na mulher, aumentando significativamente a líbido em ambos os sexos. Em resumo, a ciência defende que o beijo prolonga a vida.

Os 435 beijos que aqui foram apresentados são dedicados ao público em geral e a todos os casais que, por um ou outro motivo, se sintam agradados por alguma das descrições apresentadas de maneira a que com isso, se tal lhes apaladar o apetite, possam recriar uma ou outra cena ou até adquirir uma renovada capacidade de inovação inspiradora.

Enquanto estrutura de apresentação decidi usar a ordenação alfabética por forma a facilitar a procura rápida e eficaz de cada beijo. Como curiosidade o número 435 poderia representar os 366 beijos que podem ser dados dia a dia, em ano bissexto, a que ainda se podem juntar mais os 52 ósculos semanais e, inevitavelmente, os 12 referentes aos meses, os devidos às quatro estações e o do ano em si. Porém, se somássemos aqui os beijos considerados equivalentes, como o Beijo de Afinismo que se equipara ao Beijo das Almas Gémeas então, seriam muitos mais, mas isso são contas de outro rosário que não deste ensaio.

 O Colecionador de Beijos, enquanto ensaio jornalístico e literário, de matriz sociológica, do ato de bem beijar, embebido da vertente cultural e não perdendo as suas raízes históricas e a composição literária e humanista é, de facto, na minha opinião, um trabalho que ajuda a demonstrar a importância do ato de bem beijar, na senda de uma melhor qualidade de vida da humanidade, tendo em conta que cada ser humano consome, em média, durante toda a sua existência, considerando uma expetativa de 70 anos de sobrevivência, cerca de 20.000 horas a beijar. Beije bem, se tiver a quem.

 

Bibliografia

 

As Loucas Curiosidades Sobre Sexo, 2007, Sintra, Portugal, Impala Editores, S.A.

Beaty, Erin, 2017, O beijo Traiçoeiro, SP, Brasil, Editora Seguinte (Companhia das letras).

Bismarck, Artelho, 1991, Nova Enciclopédia Portuguesa, Volume 3, Lisboa, Portugal, Editora Ediclube

Brayer, Menachem M., 1986, The Jewish Woman in Rabbinic Literature, New York, USA, KTAV Publishing House

Cane, William, 1991, The Art of Kissing, London, GB, Macmillan

Cole, Tillie, 2016, mil beijos de garoto, SP, Brasil, Outro Planeta (Planeta).

Campos, Luís, 1984, Bêabá da Malandragem, Lisboa, Portugal, Europress

Crawley, Ernest, 2006, Studies of Savages and Sex, Wuitefish, Montana, USA, Kessinger Publishing (revised and reprinted)

Couto, Mia e Wojciechowska, Danula, 2006, O beijo da Palavrinha, Maia, Portugal, Wook

Cruz, Melissa de la, 2012, O beijo da Serpente, Rio de Janeiro, Brasil, ID Editora

Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, 1992, Volume 1, Lisboa, Portugal, Seleções do Rider’s Digest

Dicionário da Lingua Portuguesa Contemporânea, Vol. 1 e 2 Lisboa, Portugal, Verbo

Dicionário Mais da Ideia às Palavras, 1997, Lisboa, Portugal, Lisboa Editora

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Tomo III, Tomo XIII, 2005, Lisboa, Portugal, Temas e Debates

Dicionário de Sinónimos, 1985, Porto, Portugal, Porto Editora

Dicionário de Sonhos, IV Ed., 1963, Rio de Janeiro, Brasil, Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, S.A.

Dyer, Tristeleton T.F., 1882, "The History of Kissing", The American Magazine, USA

Florand, Laura, 2012, O beijo de Chocolate, SP. Brasil, Editora Gente

Focus, Enciclopédia Internacional, 1964, Lisboa, Portugal, Livraria Sá da Costa Editora

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume 3, Lisboa, Portugal, Editorial Enciclopédia Lda.

Grimal, Pierre, 1992, Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Lisboa, Portugal, Editora Difel

Guimarães, Ruth, 1983, Dicionário da Mitologia Grega, SP, Brasil, Editora Culterix

Hamilton, Edith, 1979, A Mitologia, Lisboa, Dom Quixote

Harris, Ali, 2013, O primeiro último beijo, Rio de Janeiro, Brasil, Verus (Grupo Editorial Record).

https://pt.wikipedia.org/wik/beijo, outubro 2017

Ioga, O Caminho da Harmonia, 2009, Barcelona, Espanha, Black Dog & Leventhal Publishers

Jaf, Ivan, 1996, Beijo na Boca, Rio de Janeiro, Brasil, Moderna

James, Eloise, 2017, Um beijo à meia-noite, SP, Brasil, Editora Arqueiro

Johnson, Anne,2002, O essencial do Sexo Tântrico, Lisboa, Editorial Notícias

Kama Sutra, O Caminho da Sensualidade, 2009, Barcelona, Espanha, Black Dog & Leventhal Publishers

Kuraweil, Arthur. 2008, The Torah for Dummies, New Jersey, USA, Wiley Publishing,

Machado, Ana Maria, 1996, Beijos Mágicos, SP, Brasil, Editora FTD

Machado, José Pedro, 1990, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 6ª. Ed., Lisboa, Portugal, Livros Horizonte

Machado, José Pedro, 1981, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Sociedade de Língua Portuguesa, Tomo II, Tomo VIII, Lisboa, Portugal, Amigos do Livro

Magonet, Jonathan, 1995, Jewish Explorations of Sexuality, New York, USA, Berghahn Books

Mead, Richelle, 2017, O Beijo das Sombras, Rio de Janeiro, Brasil, Editora Nova Fronteira Participações, S. A.

Melyan, Gary G. & Chu, Wen-Kuang, 2009, I-Chig, O Caminho da Sabedoria, Barcelona, Espanha, Black Dog & Leventhal Publishers

Mitologia, Mitos e Lendas de Todo o Mundo, 2011, Sintra, Portugal, Caracter Entertainment

Moning, Karen Marie, 2001, O Beijo do Highlander, Lx, Portugal, Saída de Emergência

Nova Enciclopédia Larousse, Volume 3, (Dir. Edit. Oliveira, Leonel de),2001, Lisboa, Portugal, Círculo de Leitores, S.A.

Nyrop, Christoper, 1901, The Kiss and its History, London, GB, Sands & Co.

Os Mais Belos Contos de Fadas, 1961, Lisboa, Portugal, Seleções do Reader’s Digest

Pereira, Aldo, 1881, Dicionário da Vida Sexual, Volume 1, SP, Brasil, ABZ Ltda.

Perkins, Stephanie, Anna e o Beijo Francês, 2013, Lisboa, Portugal, Quinta Essência

Popozuda, Valesca, 2013, Beijinho no Ombro, Rio de Janeiro, Brasil, Pardal Records

Praça, Afonso, 2001, Novo Dicionário de Calão, Lisboa, Portugal, Editorial Notícias

Prontuário da Língua Portuguesa, 2005, Porto, Portugal, Porto Editora

Réage, Pauline, 1954, Histoire d’O, Paris, França, Jean-Jacques Pauvert

Rodrigues, Nelson, 1961, O beijo no asfalto, Rio de Janeiro, Brasil, Editora Nova Fronteira Participações, S. A.

Rosa-Limpo, Berta, 1997, O Livro de Pantagruel, 72ª. Ed., Lisboa, Portugal, Círculo dos Leitores

Rutkosky, Marie, 2017, O Beijo do Vencedor, SP, brasil, Plataforma 21 (V & R).

Silva, António de Morais, 2002, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Volume 1, Matosinhos, Portugal, QN – Novas tecnologias de Informação, Lda.

Steel, Danielle, 2008, O Beijo, Lisboa, Portugal, Bertrand Editora

Stott, Bill, 2001, Sorria com… Piadas de Sexo, 2ªEd., Lisboa, Portugal, Texto Editora

Trevisan, Dalton, 2014, O Beijo na Nuca, SP, Brasil, Record, Grupo editorial

Vilhena, José, 2005, O Beijo Como Aperitivo para Outras Comidas. Lisboa, Portugal, Dom Quixote

Ward, J. R., 2015, Beijo de Sangue, SP, Brasil, Universo dos Livros Editora

Zen, O Caminho da Verdade, 2009, Barcelona, Espanha, Black Dog & Leventhal Publishers.”

Assim termino este ensaio sobre o beijo enquadrado no livro “O Colecionador de Beijos”. Foi um prazer repartir contigo esta minha viagem sobre o ato de bem beijar em toda a boca ou “quase” em todo o lado. Despeço-me com um beijo amigo e franco,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: O Colecionador de Beijos - CONCLUSÃO - Parte I - VI/VII

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Olá Berta,

Chego hoje, por fim, à conclusão do livro: “O Colecionador de Beijos”. Amanhã termino os textos que rodeiam os beijos propriamente ditos e espero com isso que fiques com a noção do que significou elaborar este ensaio sobre o beijo e, se possível, quais eram as minhas intensões ao realizá-lo. Mas chega de conversa, querida amiga, aqui vai a primeira parte da conclusão.

 

“Conclusão

 

À pergunta “É ou não relevante o beijo no contexto do comportamento humano em sociedade?” a única resposta que consegui encontrar é de que ele é primariamente essencial. Mais do que relevante ele é conjugado com o humor, um dos mais importantes fatores do quotidiano para a manutenção de uma vida saudável e feliz.

Para os desportistas e para todos aqueles que gostam de manter a forma física ou até emagrecer. É interessante informar que um beijo pode movimentar até 29 músculos só na boca e língua e mais de 50 músculos, apenas considerando também o rosto e o pescoço. Já o número de calorias consumidas durante um beijo, por minuto, varia, dependendo da intensidade, entre as 4 e as 42 calorias, o que significa, por exemplo, que 8 beijos muito intensos, e com o envolvimento da língua, queimam as calorias de uma garrafa de cerveja. Já uma refeição de lasanha exigira uma frenética meia hora do ato de bem beijar. Por falar em gastar calorias, o Kama Sutra defende cerca de 30 diferentes maneiras de se partilhar um beijo.

Mas o beijo tem outros poderes ocultos. Ele é responsável, durante todo o seu percurso, pela libertação de hormonas e endorfinas ou neurotransmissores, entre as quais a serotonina, que aumenta o humor, e a ocitocina, que instiga os vínculos entre participantes, tal como a sua produção liga um bebé à sua mãe na amamentação, a feniletilamina, esta diretamente relacionada com as sensações de amor e a dopamina, que se conecta diretamente com as emoções amorosas, para além das diversas endorfinas associadas ao prazer.

Destaca-se ainda a capacidade extra do beijo de fazer disparar o batimento do coração de uma média na casa das 70 batidas por minuto para as 150 ou, até, um pouco mais acima disso, fazendo afluir bastante mais sangue a toda a cara o que estimula a produção de colagénio, contribuindo, com isso, para uma melhor elasticidade da pele, dando firmeza, suavidade e ajudando a rejuvenescer a pele do rosto.  Este aumento cardíaco, oxigena o sangue e diminui drasticamente sintomas de dor, retrai dores de cabeça e enxaquecas, minimiza o risco de doenças cardiovasculares, evitando até o aparecimento de ataques cardíacos.

O beijo diminui o cortisol e tem ainda a capacidade de reduzir a tensão arterial alta, regulando a pressão sanguínea. Aliás, ele possui outras capacidades. A partilha de bactérias, que no caso de um beijo intenso pode atingir números na ordem dos milhões, provoca uma redução acentuada da imunoglobulina E, responsável pelo desenvolvimento de alergias, criando anticorpos, fortalecendo o sistema imunológico.

Este facto, associado ao aumento que beijar provoca na produção de estamina, elimina espirros, congestão ocular, secreção nasal e combate a acumulação da placa bacteriana na boca. Na verdade, o beijo relaxa, alivia os processos traumáticos e de stress, aumenta a autoestima e a confiança.”

Com mais esta achega fico a uma carta de terminar este tema. Grato por me teres deixado à vontade para te enviar estas deixas importantes sobre o livro e por me teres encomendado um com a devida dedicatória personalizada e assinado. Assim farei. Recebe um beijo de até amanhã do teu amigo,

Gil Saraiva

 

 

 

Carta à Berta: A Peça do Chinês - Parte VI- O Depois...

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Olá Berta,

Cá estou eu para terminar a novela da peça do chinês. Pese embora o principal já ter sido dito, falta relatar-te como tudo ficou concluído. Até porque já foi este ano de 2020, que a história finalmente chegou ao fim.

Depois da saída do hospital e apenas o ano passado, já tive outros episódios e chatices, mas que nada tiveram a ver com a narrativa da pedra na vesícula. No caso do último ano foram 9 AVC que me abalaram um pouco, mas que ficaram controlados um pouco depois do verão, sem terem causado grandes danos irreversíveis. Apenas um dedo da mão esquerda se mantém permanentemente dormente. O que é uma gota de água no vasto oceano de chatices que me podiam ter acontecido.

Só que desta vez recorri aos serviços da CUF, porque um seguro de saúde, que mantenho já há uns anos, me permitiu aceder, sem custos demasiado elevados a esse hospital. Tive sorte, não me descobriram a origem dos AVC, mas pelo menos, conseguiram controlá-los. Vistas bem as coisas já não foi nada mau.

Mas, voltando à vaca fria, é hora de escrever sobre a conclusão. Embora todo o problema tenha levado um pouco mais de 3 anos para ficar concluído, não teve o final esperado. Vamos à parte VI, da minha aventura, em torno da peça do chinês, com o epílogo a que chamei: o depois…

No meu regresso ao hospital, para ir buscar os exames e análises que não me tinham sido entregues, passados quase 4 meses, aproveitando o facto de o Bonifácio estar de regresso, devido a mais uma crise, acabei por visitar, por mera coincidência, a mesma enfermaria onde estivera internado.

Um novo paciente, que agora ocupava a cama onde eu estivera quando fora internado, acabou por se meter na conversa entre mim e o meu amigo. Parecia um sujeito um pouco amargo e de mal com a vida. Uma daquelas pessoas que, amiga Berta, nunca está satisfeita com tudo o que lhe calhou ou, pior ainda, que foi escolhendo ao longo do seu próprio percurso. O facto de estar mais falador devia-se, disso tenho absoluta certeza, à disposição alegre e contagiante do Bonifácio. O homem consegue fazer uma pedra sorrir.

Depois de um curto preâmbulo, após ter percebido que eu estivera ali, devido a um problema de pedra no canal biliar, para fazer uma CPRE, é que a sua expressão ganhou mais vida e vontade de interagir connosco. Por fim, lá me informou que o pai tinha morrido em 2005, devido a uma CPRE. Ele e a família até tinham posto o hospital em tribunal e, só não tinham ganho, porque aquela malta está toda feita uns com os outros. Era uma vergonha. Então não tinham decidido operar o pai sem consultarem a família? Tinham mesmo e trataram-no à balda, relatava revoltado.

O Bonifácio que já devia ter escutado aquela história, pelo menos umas 3 ou 4 vezes, ainda perguntou, com jeito, se o pai tinha autorizado ou não a operação. Tinha sim, respondia o outro, mas o homem estava velho demais para poder decidir, afinal estava quase nos 80 anos. Podia até estar lúcido, mas já não era admissível que tomasse uma posição daquelas sozinho.

O paciente insistia no tema. Mas não fora por causa disso que o tribunal não dera razão aos familiares? Fora, fora sim, mas o juiz estava era comprado. Pois eles tinham conseguido provar que o pai não sabia os riscos que corria e, mesmo assim, não tinha sido feita justiça. Não se podia mandar um homem daquela idade, assim sem mais nem menos, para uma intervenção delicada daquela envergadura, com anestesia geral e quase 2 horas de operação, sem lhe serem descritos os riscos inerentes a um tal procedimento, que ainda por cima era extremamente delicado.

Dizia ele que 10 por cento das intervenções com o CPRE derivavam para pancreatite aguda e em morte do paciente. Mas havia muitos mais problemas associados, como septicémias, perfurações, inflamações diversas, o homem não se calava, a coisa era grave e, segundo ele, apenas metade dos intervencionados passava pelo processo, sem riscos ou complicações de maior. A investigação do advogado concluíra que, se as consequências do pós-operatório fossem atribuídas à CPRE as mortes aumentariam mais 30 por cento.

Não acabara ele de me ouvir contar que o hospital se tinha esquecido de avaliar o meu estado, depois da CPRE, e que passara 4 meses com uma crise de fígado, provocada por falta de tratamento ao contraste, que me tinha sido administrado na operação? Confirmei, uma vez mais, que era verdade, mas acrescentei que talvez eu devesse ter ido mais cedo ao Egas Moniz, tentar descobrir o que é que se passava. A culpa do calvário de 4 meses era tanto minha como deles. Quem estava mal era eu.

Sim, sim advogava o sujeito, mas a culpa, o erro inicial, era do gastroenterologista que fora negligente. E se eu tivesse morrido? Sim, porque ele sabia de casos em que a reação ao contraste tinha provocado a morte do paciente. Eu devia era pôr o hospital em tribunal e pedir uma choruda indeminização. Isso mesmo, era o que aquela malta precisava para ver se aprendiam.

Afinal, não se brinca com a saúde das pessoas. Era verdade, confirmei eu a tentar conformar o revoltado individuo, contudo, eu nunca o faria, pelo simples facto de também eu ter sido descuidado e não ter ido saber porque é que me sentia tão mal. Mas não era alguém que se sente mal e que, ainda por cima, que está com receio de ter alguma coisa na vesícula ou no canal biliar, que tem de ser culpado por não ter agido. Eu era médico? Não era! A culpa era sempre do médico. Por causa das pessoas agirem como eu é que aquela malta ainda não tinha sido posta na ordem, afirmava.

Tendo falado isto, o homem concluiu que eu não era digno de perdão. Acabara de arranjar mais um culpado para a morte do pai, muitos anos depois do homem ter morrido. Eu! Bem, ou pessoas como eu, aquela gente que não faz queixa e não avança com as devidas ações para pôr fim às injustiças. Ainda a resmungar entre dentes, virou-se de costas e abandonou o diálogo connosco. E é assim, minha querida Berta, que uma pessoa se vê acusada de um crime que nem sabia ter existido. Está tudo na forma de raciocinar e naquilo que vai na cabeça de cada um.

Eu e o Bonifácio ainda ficámos na conversa mais uma boa meia hora e fomos juntos até ao snack-bar na saída do hospital. Nenhum de nós parecia na disposição de voltar a ouvir o revoltado paciente que à data ocupava a minha antiga cama, o que poderia muito bem voltar a acontecer se, no entretanto ele fizesse mais algum raciocínio distorcido como os anteriores. Foi engraçado rever aquele local, sem cadeira de rodas, e poder fumar um cigarro a um nível bem mais elevado do que sentado.

Para além disso, eu fiquei aliviado por me ver fora de um sítio que me fazia suar frio e que me causava náuseas e tonturas. Ele tomou um chá, feito com uma erva qualquer que forneceu à paisagem que nos atendeu ao balcão e eu bebi uma cola fresca. Estávamos ambos aliviados de nos termos livrado do queixoso paciente do terceiro piso. Finalmente despedimo-nos e eu regressei a casa.

Durante os seguintes 2 anos e oito meses e pouco, recebi mais umas 4 marcações para terminar a intervenção que ficara por concluir e também, pelo mesmo número de vezes, a mesma foi cancelada por, sem qualquer surpresa, nova avaria na peça do chinês. Só que, cada vez a avaria levava mais tempo a ser reparada, e cada vez também, a peça demorava mais a ser encomendada à China. Os cortes crescentes e bem pesados no Serviço Nacional de Saúde, asseguravam que assim tinha de ser e pouco havia a fazer em relação à situação.

Finalmente, no passado dia 3 de janeiro deste ano, 2020, recebi a tão aguardada chamada. A minha operação para remoção da vesícula e colocação do stent no canal biliar estava marcada para dali a 3 semanas. A médica que falava comigo informava-me que dificilmente se correria o risco de novo adiamento, porque o hospital optara, depois de um difícil consentimento da tutela, por mandar vir a peça, para o equipamento da CPRE, da Alemanha. A nova peça estava a funcionar em pleno, sem problemas há mais de um mês, pelo que achavam que a marcação era segura.

Já ia concordar quando algo despertou em mim um alarme. Tirar a vesícula? Mas eu não queria tirar a vesícula. Estava já há 3 anos sem problemas e, na época, nem se descobrira a origem da formação da pedra. O que eu tinha marcado era, apenas e só, a colocação do tubo, que ficara por pôr, devido à avaria do equipamento durante a minha CPRE.

Do outro lado fez-se silêncio por alguns segundos, a mim pareceram-me minutos, mas nestas situações o tempo é sempre mais psicológico do que real. Finalmente a voz da médica fez-se ouvir. Não, não, eu estava enganado. O que sempre estivera marcado fora a remoção da vesícula e a colocação do stent. Ela estava a consultar todas as marcações e respetivos adiamentos e era isso que constava na minha ficha.

Fui obrigado a contar que, após uma conversa com a cirurgiã, antes da minha intervenção, eu não tinha concordado com a remoção da mesma de forma preventiva, porque o hospital nem sequer conseguira concluir o que causara o aparecimento da pedra. Aliás, o médico concordara, embora tivesse insistido que já que iam ter de mexer podiam matar 2 coelhos numa só cajadada. Afinal, nada me garantia que não voltaria a ter outro calhau. Ao que eu rebatera que também nada me garantia que voltaria a acontecer, coisa com que ele concordara.

Portanto, concluía eu, ficou decidido, desde antes da CPRE que não haveria remoção de vesícula. Eu até podia ter toda a razão do mundo, informava-me a médica, mas não era isso que ali constava. Se eu não quisesse tirar a vesícula, 3 anos depois também já não fazia sentido colocarem o stent. Ficaria tudo anulado. Concordei e despedi-me da doutora.

Como vês minha querida amiga Berta, a peça do chinês andou comigo às voltas por 3 anos, para, quando finalmente foi trocada, me deixar de mãos a abanar sem concluir o procedimento começado. O depois, nunca é aquele que esperamos quando ainda estamos no antes. A vida é mesmo assim. Dá as voltas que entende, pelos caminhos que escolhe, e nós, apenas temos de conduzir com cuidado para evitarmos acidentes.

Despeço-me com um alegre até amanhã, acrescido de um beijo pleno de saudades, este teu amigo de sempre, que nunca te esquece,

Gil Saraiva

 

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