Carta à Berta: O Colarinho Branco em Portugal...
Olá Berta,
Tenho uma certa aversão por banqueiros, administrações bancárias e respetivas direções, grandes acionistas e outros golpistas. Desde que a crise da banca deu os seus primeiros sinais que temos ouvido de tudo por parte desta gente educada da mesma maneira, no meu modesto entender, da mesma forma, sem tirar nem pôr, que os líderes da supremacia branca por altura da segunda grande guerra mundial.
Estes senhores julgam-se uma raça à parte da escumalha que pensam que todos os outros constituem. Esta espécie de racismo económico daqueles que de bicos de pés perguntam “- O Senhor sabe quem eu sou?”, como se nos fossem revelar algo de muito especial, incomoda-me e enjoa-me. O desprezo que apresentam, pelas populações que deviam servir, é gritante e ultrapassa todos os limites da tolerância e da boa vontade dos demais.
Quem se esqueceu das palavras de um desses elementos que um dia, perante as queixas populares de que a situação e a crise se estavam a tornar insuportáveis, não podendo o povo aguentar muito mais, declarava: “- Ai, aguenta, aguenta…” tal e qual como quem esporeia um cavalo numa corrida até o animal rebentar de exaustão, a espumar pela boca, porque atingiu o limite.
Em Portugal, a prepotência dos homens do dinheiro começou a ser visível no tempo em que Cavaco Silva era Primeiro-Ministro. Foram os primeiros golpes de ministros e secretários de estado das Finanças, envolvidos em esquemas, em roubalheira, em fugas para países terceiros onde a extradição não é uma opção.
Oliveira e Costa, um dos delfins de Cavaco, foi Secretário de Estado, deputado, representante de Portugal no Banco Europeu de Investimento, Presidente do Finibanco e entre outros encostos e esquemas, chegaria à Presidência do BPN. Cumpre agora uma pena de 15 anos de prisão, quando a mim demasiado leve, tendo em conta os crimes de que foi acusado. Mas este homem, que olhava toda a gente de cima para baixo, com o seu ar vampírico, do alto do seu sobretudo escuro quase até aos pés, foi apenas um dos primeiros a ser apanhado.
Dos amigos de Cavaco haviam de ser muitos os acusados, Duarte Lima até de assassinato foi incriminado, para além de desvio de fundos, venda de obras de arte em leilão, previamente arrestadas pelo Estado, fraudes com o nosso conhecido BPN, e tantas outras maravilhas. Hoje cumpre uma pena de 9 anos cuja punição que, quanto a mim (que sou alegadamente parvo), apenas corresponde a uma pequena percentagem dos seus crimes. Aliás do círculo próximo de Cavaco, que repudiou sempre o ditado popular “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”, quase que somente ele escapou. Não sem ser acusado de ter beneficiado de informação privilegiada e ganho mais de 100 mil euros em ações vendidas à pressa, antes da queda das mesmas, coisa que se fosse hoje em dia não teria, por certo, com a mesma leviandade, caído em saco roto.
Porém, “a Múmia” como é cognominado nos corredores do poder, conseguiu resistir e ainda chegar à Presidência da República e repetir o mandato. Há quem diga que o homem gere, ainda hoje, uma vasta organização mafiosa sediada nas catacumbas do poder, mas isso são especulações que, não sendo sequer investigadas ou, em última análise, provadas, não passam de “Fake News” e enquanto tal não são para aqui chamadas.
Todavia, não estou a conduzir esta carta apenas para acusar cavaquistas, longe disso. As primeiras grandes manchetes sobre o tema começaram no seu reinado, contudo, o legado continuou. BPN, Banco Insular, BPP, Banif, Montepio, BCP e BES, só para citar alguns dos Bancos, tiveram seguidores nos principais ramos da economia, com verdadeiros assaltos de luva imaculada.
Esse “pôr a mão na massa” tem sido um não mais acabar de casos, personalizados e encabeçados por grandes empresários, políticos, dirigentes desportistas, gestores de empresas públicas, os já referidos banqueiros e até sucateiros. Houvesse dinheiro em causa, muito dinheiro, e lá despontava mais um malandro disposto a dele tirar o máximo partido. Há nomes, para além dos referidos, que jamais esqueceremos. Muitos dos quais ainda com processos em curso e alguns ainda por se conhecer o desfecho, outros, infelizmente, prescreveram, como são exemplos disso os casos de Vale e Azevedo ou dos Submarinos de Paulo Portas, só para citar 2 dos relevantes.
Há nomes que entram alegada e diretamente para o ranking do top 100, no qual, se fosse hoje, Alves dos Reis não teria lugar. Quem não se lembra deles? Relembro uns quantos: Vale e Azevedo, José Veiga, João Rendeiro, José Tranquada Gomes, Fernando Teixeira de Almeida, António Neto da Silva, Francisco Canas, José Vaz Mascarenhas, Filipe Nascimento, Luís Caprichoso, Francisco Sanches, Jorge Jardim Gonçalves, Filipe Pinhal, António Rodrigues, Christopher de Beck, António Castro Henriques, Alípio Dias, Paulo Teixeira Pinto, Luís Gomes, Miguel Magalhães Duarte, Telmo Reis, Luís Almeida, Luís Alves, José Monteverde, Rui Costa (não, não é o ex-futebolista), Luís Pacheco de Melo, Alfredo Baptista, Carlos Duarte, Manuel Rosa da Silva, Pedro Leitão, António Franco, Ricardo Santos Oliveira, Comendador Joe Berardo, Ricardo Salgado, Bárbara Vara, Armando Vara, Carlos Santos Silva, José Sócrates, Paulo Portas, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Jardim Gonçalves, José Manuel Espírito Santo, José Maria Ricciardi, Amílcar Morais Pires, José Diogo Gaspar Ferreira, Joaquim Barroca, Hélder Bataglia, Rui Horta e Costa, José Paulo Pinto de Sousa, Gonçalo Trindade Ferreira, Inês Pontes do Rosário, João Perna, Sofia Fava, Luís Ferreira da Silva Marques, José Ribeiro dos Santos, Rui Mão de Ferro, Rui Rangel, Fátima Galante, Santos Martins, Bernardo Santos Martins, Rita Oliveira Figueira, Octávio Correia, Jorge Barroso, Albertino Figueira, João Rodrigues, Fernando Tavares, Bruna Garcia do Amaral, Vaz das Neves e Luís Filipe Vieira.
Destes 71 arguidos a maioria já foi efetivamente condenada e muitos ainda aguardam pelo final dos julgamentos ou pelo próprio julgamento em si. Alguns, poucos, acabarão por ser ilibados e considerados inocentes. Contudo, o importante aqui é a mudança de ciclo. Se pensarmos que apenas referi cerca de um terço dos arguidos ou condenados pelos crimes de colarinho branco, nos últimos anos, tal facto só pode significar que houve uma mudança de paradigma na sociedade e na justiça portuguesa, também ela agora debaixo de escrutínio mais apertado.
É claro que não referi aqui os estrangeiros que usaram Portugal para os mesmos fins, cujas acusações apontam desde Isabel dos Santos a Manuel Vicente. Nem mesmo apontei as dezenas e dezenas de empresas e sociedades envolvidas nestes casos, porque, afinal, o que mais importa são as pessoas.
Com mais de 300 arguidos e cerca de centena e meia de condenados já sem direito a recurso, o colarinho branco está, hoje em dia, bem mais cinzento que branco, mas o ar que se respira parece, pelo menos aparentemente melhor.
Com mais esta pequena saga, que todos os dias, nestes últimos anos, nos tem entrado pela casa adentro, me despeço, minha querida Berta, recebe um beijo deste que não te esquece,
Gil Saraiva