Carta à Berta: Nasceu o Jornal Online "Setenta e Quatro" - Cai o Medo
Olá Berta,
Muito recentemente o jornal online Setenta e Quatro (www.setentaequatro.pt), lançou o seu primeiro número com muitas rúbricas dedicadas a uma análise da extrema direita em Portugal e no mundo. Para além disso, publicou ainda outros artigos e crónicas sobre fascismo, descriminação, racismo, homofobia entre outros fenómenos característicos desse extremo político.
Estou a tentar ver se a minha colaboração pode ser do interesse de ambas as partes ou não e, para isso, já enviei um cartoon a propósito da temática da investigação do primeiro número. Hoje resolvi incluir esta carta como hipotética participação, se disso houver interesse por parte dos editores.
Contudo, pelo que já foi dito no Setenta e Quatro, pareceu-me excessivo mandar mais uma crónica de opinião a bater na extrema direita. Em vez disso, e totalmente enquadrado no tema, decidi incluir nesta carta, minha querida Berta, um poema que faz parte do livro “O Próximo Homem” publicado lançado à estampa pela editora “Poesia Fã Clube” em junho de 2021, de minha autoria. Aqui vai:
"CAI O MEDO"
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe noite.
Porém,
O Sol sorri ao Povo intimidado,
Mas para os que tremem
No calor
O eclipse aparente não existe
Pois, pura e simplesmente
Já estão cegos...
E para todos eles
As Trevas são reais...
Cegos de medo,
Sedentos de conforto e segurança,
Amantes do estável e do firme
Porque nada mais há de tão hipnótico...
Eles:
Cegos, sedentos e amantes,
São os condutores
Da noite eterna...
"- O Sol só queima o corpo,
Eu nunca o vi brilhar
Na minha alma..."
Parecem dizer as bocas mudas,
Fechadas na noite,
Cariadas de vontade própria...
Cai o medo na cidade
E chamam-lhe silêncio...
Ninguém ouve, ali, agora,
Os gritos dos amordaçados,
Calados pelo estômago,
Apagados no marasmo da noite
E do silêncio...
Cai o medo na cidade
Mas ninguém, ninguém,
Mesmo ninguém
O parece sentir...
No fundo
Todos somos autistas,
Na noite e no silêncio,
Do vil quotidiano...
O medo não vem no dicionário
É mero gene transmitido...
"- Antes sobreviver do que viver..."
Pensamos todos nós
Sem repararmos
Que o nosso pensamento é viciado...
Somos filhos da noite
E do silêncio...
Cai silenciosa a noite na cidade
E ninguém,
Mesmo ninguém repara
Pois só caiu de noite
E em silêncio...
Gil Saraiva
Espero, querida Berta, que o poema te tenha agradado. Voltarei certamente às nossas cartas brevemente, recebe um beijo saudoso deste teu eterno amigo de todos os dias,
Gil Saraiva