Carta à Berta nº. 149: Quando o Covid-19 chegar a Campo de Ourique Parte III/III
Olá Berta,
Hoje, por fim, fecho o tema daquilo que poderá ser, a título de exemplo, o impacto do coronavírus no meu bairro, ou seja, em Campo de Ourique. Se, na última carta, te referi os piores e mais alarmantes cenários, e quais as suas consequências, em termos da saúde pública do bairro, está na altura de regressar áquilo que será o mais espectável e normal de poder vir a acontecer. Não estou a tentar sequer fazer futurologia, mas a usar, porém, da mesma lógica que me trouxe até aqui. Apesar de tudo, o valor daquilo que é coerente e mais provável de acontecer, tem um peso muito mais significativo do que qualquer quadro de catástrofe ou de situações dramáticas, pouco realistas.
Importa falar igualmente nas medidas mais óbvias, a ter em linha de conta, quando existirem pessoas efetivamente contaminadas, consoante a sua proximidade com o bairro, e, talvez mais relevante que tudo o resto, os impactos económico e social, depois de ultrapassado o referido perigo de saúde pública, que, por estes dias, ainda apenas se antecipam.
Há uma série de sectores em que será o Estado a decidir sobre a sua manutenção em funcionamento ou a sua eventual suspensão de atividade. Provavelmente, e a par com o Governo, a Câmara Municipal de Lisboa tomará, também ela, decisões de relevo nesse campo.
Outras empresas e instituições, depois de aconselhadas pelo SNS, também farão as devidas adaptações necessárias, suspendendo ou mantendo abertos os seus negócios e espaços, consoante os locais e a gravidade de cada situação. Todos estes procedimentos são, no seu conjunto, o lado para o qual eu durmo melhor. Por outras palavras, naquilo que competirá ao SNS, ao Governo e às mais variadas instituições, eu estou convencido que as experiências adquiridas nestes 2 últimos meses, dão garantias reais de uma adequada e pronta resposta institucional.
Aliás, foi o que aconteceu hoje de manhã, com a conferência de imprensa, que terminou pelas 11 horas, dada pela Ministra da Saúde, Marta Temido, com a Direção Geral de Saúde, na pessoa da sua Diretora-Geral, Graça Freitas, depois do primeiro caso confirmado no Porto, ironicamente um médico, de certeza muito “inteligente”, acabadinho de regressar de férias do norte de Itália. Um médico que ou teve umas enormes férias ou não acatou as recomendações sobre viagens para zonas infetadas recomendadas pela Direção Geral de Saúde. Se calhar por achar que o facto de ser médico lhe conferia imunidade especial.
Um segundo caso provém de Valência, também se encontra internado no Porto e é um homem de 33 anos, este apenas foi confirmado ao princípio da tarde de hoje. Trata-se de um português que trabalhava no país vizinho e que retornou a Portugal.
Regressando a Campo de Ourique e à vida social no bairro, agora que já temos infetados no país, tudo se manterá mais ou menos como até aqui, a menos que apareçam novos casos, mas, desta vez, em Lisboa. É no cenário do aparecimento de várias confirmações, precisamente na capital, que eu vou pegar para manter a minha tese.
Assim, se a situação na cidade se tornar de risco elevado, mas apenas nessa situação, é provável que o Governo encerre os estabelecimentos de ensino e que os privados lhe sigam o exemplo. A duração dessas medidas terá um pouco a ver com o evoluir da situação, contudo, a acontecer, seria uma medida a ser tomada algures no final da terceira ou quarta semana do corrente mês, o que implicaria a antecipação, em cerca de uma semana, das férias da Páscoa.
No bairro, isso afetaria o fecho do polo universitário da Universidade Autónoma de Lisboa, a paragem no funcionamento da Escola de Hotelaria e Turismo, a suspensão da Redbridge School e dos 4 ou 5 centros de explicações instalados, acresceriam ainda as pausas na atividade das 2 escolas de condução do bairro, bem como a interrupção do funcionamento letivo no Grémio Instrução Liberal, nos Salesianos e da Fundação Maria Ulrich, bem como nas 2 escolas secundárias e na cerca de dezena de infantários, creches e escolas primárias do bairro, ou seja, cerca de 25 estabelecimentos de ensino encerrariam por alguns dias as suas funções letivas.
Portanto, tendo em conta o calendário escolar, qualquer possível impacto provocado pelo agravamento dos casos positivos de Coronavírus, será minimizado pela proximidade das referidas férias. Aliás, basta que estes cenários se atrasem em cerca de uns dias ou uma semana, para nem sequer existirem encerramentos de estabelecimentos de ensino na capital.
Contudo, outras atividades já seriam mais afetadas, no caso da religião, as cerca de 10 assembleias e igrejas do bairro poderiam ter de interromper as normais cerimónias de culto e, já noutra vertente, as academias de manutenção de forma física também poderiam ser atingidas, bem como, nas componentes cultural e desportiva, as principais suspensões apontariam organismos e associações como os Alunos de Apolo, a Piscina Municipal, o Ginásio Clube Português, o Clube Atlético de Campo de Ourique, a biblioteca municipal, o Museu João de Deus, a Casa Museu Amália Rodrigues e a Casa Fernando Pessoa.
Não sei se o Amoreiras Shopping Center e o Amoreiras Plaza encerrariam ou não as suas portas, contudo, a minha recomendação para os residentes seria a de não frequentarem ambos os locais, e, no seguimento dessa linha, o mesmo se aconselharia para o Mercado de Campo de Ourique. Também o elétrico 28 teria de ser evitado e, se possível, o mesmo se aconselharia para o 25, se bem que este transporte muito menos turistas que o outro.
Por fim, e enquanto vier a durar o alastramento do vírus na cidade, é lógico que nos furtemos a quaisquer eventos públicos e que se frequente o menos possível bares, restaurantes, cafés e esplanadas, especialmente aqueles que, normalmente, têm muita gente. Os clubes recreativos, os parques infantis e o jardim da parada também são locais a escapar, porque a segurança vem em primeiro lugar.
Para quem tem mais idade, principalmente mais de 65 anos, lembro que pode solicitar ao supermercado Pingo Doce, as estregas de mercadorias em casa a partir de 25 euros de despesa, pese embora o facto de ter de ir ao local fazer as suas aquisições, no entanto, parece-me uma boa e muito prática solução.
O Auchan Amoreiras faz entregas gratuitas a partir dos 100 euros, quer por serviço online quer com compras presenciais, e o El Corte Inglês depois de ultrapassados os 140 euros. Por uma assinatura de 26 euros e 90 cêntimos o Continente Online faz entregas gratuitas por 100 dias de encomendas superiores a 35 euros.
Mais do que tudo é importante que impere o bom senso, que se evite ao máximo sair de casa e que, se possível, não se realizem contactos com pessoas que se desconhecem. Como é evidente o uso de transportes públicos deve ser reduzido ao mínimo. Em caso de alerta ou sintomas é imperativo que se use a linha da Saúde 24, pelo número 808 24 24 24, em vez de se dirigir ao Centro de Saúde ou a um hospital.
Tudo isto, contudo, somente faz sentido no caso de as autoridades começarem a efetuar recomendações específicas neste sentido e apenas depois de existirem já mais de 30 ou 40 casos em Lisboa. Até lá, o quotidiano não precisa ser afetado e, com coerência, lavando frequentemente as mãos e evitando uma sociabilização de proximidade, pode-se ir realizando uma vida dentro dos padrões normais.
No caso de a epidemia se alastrar, mesmo assim, as probabilidades de um falecimento em Campo de Ourique andarão sempre em zero casos e um óbito, a não ser na situação de que te falei na carta anterior, e as infeções dificilmente ultrapassarão os 15 casos. Como podes constatar, amiga Berta, mesmo numa situação triste, as coisas não serão tão negras como em princípio se poderia pensar. Se, aí pelo Algarve, seguires este tipo de comportamento, também tu estarás relativamente segura. Afinal de contas, o mais importante de tudo é usarmos de ponderação, lógica e bom senso.
Despeço-me, minha amiga, com um beijo, espero que fiques descansada com a minha situação, tal como eu fico relativamente a ti, saudades deste teu amigo,
Gil Saraiva