Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
António Costa fez anos ontem, celebrando os seus sessenta anos de idade. Ora, embora eu tivesse já a ideia da idade do nosso Primeiro Ministro, nunca tinha associado que ele, tal como eu, nascera em mil novecentos e sessenta e um, ambos em Lisboa. Portanto, o rapaz é moço da minha safra e, mais uma vez, como eu, viveu a adolescência nos conturbados anos pós vinte e cinco de abril de setenta e quatro.
Pelo que reza a história, ambos militámos no Partido Socialista, sendo que eu deixei a política ativa há mais de vinte anos, depois de ter chegado à Comissão Executiva Distrital do partido no Algarve e ele, ao contrário de mim, continuou. Ainda me lembro de António Costa e de algumas conversas, dos tempos em que eu também era delegado aos Congressos dos Socialistas. Porém, isso é narrativa do milénio passado e as semelhanças entre os dois terminam aqui.
Hoje, Costa está em Angola na cimeira da CPLP, ou seja, na reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, constituída por aqueles que fazem do Português a quarta língua mais falada do mundo. Porém, o critério da língua, que deveria ser condição inequívoca para se pertencer à CPLP, passou para segundo plano com a entrada no grupo de uma Guiné, a onde o português é chinês.
Mal comparando esta aberração é idêntica a incluir no reino das aves um hipopótamo, só pelo facto de ele abanar a cauda muito depressa. Bem pode o bicho abanar o que quiser, até as orelhas, que isso nunca vai fazer dele um falcão ou um pardal.
Ainda por cima, estamos a falar de um país, a que chamamos de Guiné Equatorial, que vive num regime de ditadura e onde a pena de morte se encontra em vigor. É certo que esta Guiné existiu como território colonial português durante quatro séculos, entre o século quinze e o dezoito, mas até isso nos devia envergonhar pois serviu de entreposto de escravos e de pouco mais, durante o nosso domínio da região, onde apenas nos interessou manter o poder sobre o Arquipélago de São Tomé e Príncipe.
Voltando a Costa, o malabarista acrobático da diplomacia, não me parece tarefa fácil este equilibrar os egos dentro da CPLP. Senão vejamos o atual cenário: já aqui falámos do hipopótamo com penas da Guiné Equatorial, depois temos o Brasil, governado por um presidente, no mínimo, pouco democrático, com nariz de urubu e conversa de papa-formigas, responsável pelo genocídio de mais de meio milhão de brasileiros. Segue-se Angola, esse regime democrático, que agora assume a presidência da CPLP, com um líder que depois de prometer tanta transparência já virou crocodilo invisível. Já a Guiné-Bissau é governada por um conjunto de hienas de nariz branco, no verdadeiro reino do narcotráfico.
Em Moçambique, o presidente Nyusi lembra o camaleão, conseguindo esconder, com rabo de fora, a corrupção do Estado com as aflições humanitárias e trágicas que pululam entre a fome popular e o terrorismo islâmico. Falta falar de Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Cabo-Verde.
Ora bem, Timor-Leste é, atualmente, um Estado a onde os antigos guerrilheiros contra o colonialismo português chegaram em pleno ao poder, estou a falar da Fretilin. O atual presidente, Francisco Guterres, manteve-se como guerrilheiro no ativo até mil novecentos e noventa e nove e só terminou há dez anos a sua formação universitária, em direito. O presidente do país, como em Portugal, nomeia o Primeiro-Ministro oriundo do partido ou coligação eleitoral mais votada nas eleições parlamentares.
O aparecimento de petróleo e gás natural no mar de Timor, entre outras coisas, que não interessa agora aprofundar, justificam a razão porque o dólar americano é a moeda do país e porque o inglês é oficialmente considerado na constituição como língua comercial. Muitos timorenses referem-se aos seus atuais líderes como filhos da Aca, a serpente piton comedora de homens. No entanto, Timor-Leste é uma democracia reconhecida pela ONU. Embora apenas vinte e nove por cento das crianças tenham registo de nascimento e cinquenta e um por cento sofra de nanismo por falta de nutrição, palavras lindas que significam fome.
Há ainda a realçar que cerca de quarenta por cento das mulheres são vítimas de violência, num país onde a maioria da população vive abaixo do limiar da pobreza. Não sei se numa avaliação isenta chamaria ao regime timorense uma democracia pobre ou uma pobre democracia.
Quanto a São Tomé e Príncipe, estamos perante uma democracia e um regime em que o presidente, no momento Evaristo Carvalho, nomeia o primeiro-ministro, perante o resultado das eleições parlamentares. O país tem apresentado alguma estabilidade e crescimento e desde 2009 que não sofre tentativas de golpe de estado.
Devido ao aparecimento de petróleo e gás natural nas suas águas a ONU prevê que em dois mil e vinte e quatro a classificação de país subdesenvolvido seja substituída por país em vias de desenvolvimento. Espero, contudo, que o ouro negro, não venha a gerar no arquipélago influências nefastas e ditatoriais como as conhecidas na vizinha Guiné Equatorial. Ponto de turismo internacional o arquipélago é constituído por duas ilhas, São Tomé e Príncipe, e vários ilhéus, como as Rochas Tinhosas ou Ilhas Tinhosas (a grande e a pequena), o ilhéu Caroço, o das Cabras, o de Santana, o Bombom e o ilhéu das Rolas, onde se encontra o Padrão do Equador, por este se situar sobre esta linha imaginária. A galinhola é a ave endémica em maior risco de extinção (menos de duzentas e cinquenta). Espera-se que o país da galinhola a consiga preservar junto com a democracia.
Finalmente, Cabo Verde, o último país desta CPLP, é atualmente um país democrático, onde o seu principal problema é a falta de água potável. Não se enquadra nos países subdesenvolvidos e o seu povo é calmo ou morno como a sua música. Aliás, o país tem o segundo melhor sistema educacional na África, logo depois da África do Sul. A tartaruga é um animal protegido e simboliza bem quer o convite ao turismo internacional, como à afabilidade e capacidade morna de acolhimento do povo cabo-verdiano. José Carlos Fonseca, o Presidente da República não é apenas um qualquer jurista formado pela Faculdade de Direito de Lisboa com classificação de muito bom, mas é também um reconhecido e considerado poeta do arquipélago.
Não convém esquecer que estava, minha querida amiga Berta, a falar de António Costa e da sua participação nesta cimeira da CPLP que decorre em Luanda, Angola. Ora, se atribuir a cada país e seus representantes um animal, como seu símbolo representativo, gostaria de saber como é que os papagaios Costa e Marcelo vão conseguir lidar com um hipopótamo-de-pena-de-morte, um crocodilo-invisível, um urubu-papa-formigas, mais as hienas-de-nariz-branco, um camaleão-de-rabo-de-fora, uma serpente piton-aca, uma galinhola-quase-extinta e uma tartaruga-morna. Ninguém sabe ao certo até onde vai a retórica e a capacidade argumentativa destes papagaios, mas, com estes dois a bordo desta arca da Língua Portuguesa, juro que estou convencido que a cimeira terá um sucesso imenso.
E mais não digo, pois, o meu entusiasmo com as qualidades fonéticas dos papagaios levar-me-ia a ter de usar mais odes do que as que Camões usou nos Lusíadas, também não quero que julgues, querida Berta, que eu penso mal dos povos aqui descritos ou que possa existir em mim algum pensamento racista ou de um género segregacionista qualquer, nada disso, tenho maior respeito pelos povos em si, já quanto aos seus dirigentes essa admiração está sujeita a cada momento e à atualidade em causa. Por isso me despeço com um beijo saudoso. Até sempre, este teu amigo do coração,
Oiço muitas vezes em Lisboa falar mal dos cabo-verdianos. Diz-se que têm máfias terríveis, gente ruim e que são dos mais terríveis bandos organizados que existem no nosso país. Não faço ideia se tais acusações têm algum fundo de verdade. Podem ate ter. Porém, desde que tenho memória, nunca me foi dado a conhecer um único cabo-verdiano que corresponda a essa descrição.
Dos meus testemunhos, e já foram muitos, só tenho a dizer deste povo acolhedor, afável, alegre e cheio de vida. Ainda não conheci nenhum que me quisesse mal. Muito menos roubar ou assaltar ou maltratar. Mas isso sou eu e a minha sorte. No entanto, não podia acabar estes registos da memória sobre a Ilha do Sal, sem homenagear esta gente que me acolheu de coração aberto e a quem só tenho que agradecer.
Na azafama de mais um dia em Cabo Verde, a ida ao mercado de ar livre na cidade de Santa Maria, ali, na Ilha do Sal, faz parte dos hábitos de todos os dias. Depois é preciso levar as compras para casa antes de tratar do almoço. Hospitaleiros, afáveis e de uma simpatia contagiosa, os habitantes, homens e mulheres, gostam da interação com quem os visita.
Uns 15 minutos depois desta fotografia estive à conversa com estas cinco ilustres representantes do sexo feminino. Foi uma conversa de quase um quarto de hora e não mais porque as damas estavam com alguma urgência em regressar a casa. Da esquerda para a direita conversei com Melissa e Kiara (presa pelo pano vivo de azul às costas da mãe), e também com Eliane, Luana (ainda na barriga da mãe e a quem desejei um feliz nascimento) e Mayara, a pequenina que completava o grupo.
Fui inclusivamente convidado para o almoço, que declinei, por já ter marcado refeição num dos restaurantes da artéria principal da cidade. A simpatia chegou ao ponto de me informarem que o local que eu havia escolhido não era grande coisa e era caro, sendo mais um sítio para explorar turistas burros. Agradeci os elogios e elas riram todas com gosto. Depois deram-me os nomes das casas onde poderia comer bem, por menos de metade do preço, e seguiram na sua rotina habitual.
E assim termino mais esta carta, minha muito querida Berta, fazendo votos que estes dez pequenos relatos sobre Santa Maria te tenham agradado e deixado com vontade de visitar o arquipélago. Garanto-te que vale a pena. Despeço-me com um abraço virtual, este teu amigo,
Não poderia deixar de referir, nestes registos da memória referentes à Ilha do Sal e à cidade de Santa Maria, em Cabo Verde, O Pirata, uma discoteca vestida a rigor e que nos remete para os tempos idos dos aventureiros do mar, das águas, dos oceanos. Se alguma vez fores à Ilha do Sal, minha querida Berta, tira uma noite para te divertires neste espaço. Garanto que não há maneira de te arrependeres de o ter feito.
A casa relembra tempos idos de aventura, viagens e ilustres malfeitores, romanceados na literatura em textos de empenho, valor, coragem e glória. Posso dizer que se trata de uma danceteria, uma discoteca, um poiso para se beber uns copos e abanar o capacete depois do cair da noite que tudo isso é verdade. A decoração deste espaço em Cabo Verde, Ilha do Sal, cidade de Santa Maria, denominada “PIRATA” não se fica apenas pela fachada do edifício.
Com efeito a decoração do interior e as vestes dos anfitriões, bem como de todo o “staff”, tenta, ao pormenor, recriar um passado romântico e aventureiro, de época, ao turista acidental que ali chegue na procura de diversão, dança, música, uns copos, enfim, de uma noite bem passada. As moças bonitas e tisnadas naturalmente pela sua origem crioula, tentam, com um sorriso cristalino, do tamanho do mundo, trajadas a rigor, levar os visitantes ao consumo, enquanto uns jovens piratas de porte atlético, bronzeado e cativante, fazem o mesmo papel com as damas que ingressam no espaço em busca de dança e alegria.
Por hoje, fico-me alegremente por aqui, ainda com os ritmos mornos de Cabo Verde no espírito, cheio de vontade de regressar ao Pirata. Mas nem sempre a vontade coincide com a capacidade. Presentemente, com esta pandemia, a casa está provavelmente encerrada. Uma pena. Despeço-me com um sereno beijo, este teu eterno amigo,
Como podes ver pela fotografia que acompanha esta carta, que mantém os meus registos da memória de há 10 anos atrás, na Ilha do Sal, junto à cidade de Santa Maria, em Cabo Verde, uma década faz diferença na fisionomia de uma pessoa.
Para já, e enquanto eu não for atacado por nada que me faça perder a memória, ainda me parece que foi ontem que eu estive ali sentado a beber aquela cerveja. O tempo tem destas coisas… passa e nós nem damos por ele passar. É como se, na nossa mente, os momentos, os instantes de prazer o obrigassem a ficar retido num presente que apenas existe no nosso cérebro e em mais lugar algum.
Se fechar os olhos, depois de olhar esta fotografia, este ali ainda sou eu, tal e qual como no dia em que foi captada a imagem e, no entanto, já lá vão 10 anos. Esta magia do tempo sentido e do tempo passado sempre me fascinou. Eu continuo adepto ferrenho o tempo sentido a que costumo chamar de instante, momento ou registo da memória. Recordar não me magoa, dá-me novo vigor.
A testa a querer franzir denota a ligeira preocupação de que a fotografia me roube, por pouco que seja, a maravilhosa sensação de estar acompanhado pela felicidade. Um trago de cerveja, o corpo quente, a mente entregue à paisagem, sem outras preocupações que não a do receio daquela máquina fotográfica, num tripé sem sentimentos ou emoções dignas de registo. Não me parece aceitável que ela queira partilhar comigo aquela liberdade simples de me sentir feliz e sem problemas. Paranoia, acabo por pensar, num clique, ela deixa de estar ali, assim presente. Apesar de tudo, quem tem a cerveja sou eu.
Termino, por agora mais uma carta, minha querida Berta, espero que te tenha agradado, pelo menos do mesmo modo que ela me fez, com um sorriso no pensamento, mais uma vez, alguém de bem com a vida e feliz. Fica o beijo da despedida, deste teu grande amigo,
Mais uma vez continuo nas férias de Cabo Verde, no caso o registo é de 2011, há uma boa década atrás. Estes registos da memória ficaram gravados porque é difícil para mim, na maioria das vezes, identificar-me com um local e nele me sentir em total harmonia. Porém, nesta ilha quase que perdida a meio Atlântico sinto-me sempre revestido de uma felicidade adicional. Mas vamos ao tema de hoje:
Mais do que a memória que fica de uns dias passados num qualquer paraíso, a areia clara e quente da Praia de Santa Maria, na Ilha do Sal, em Cabo Verde, com a linha de palmeiras e casario baixo a delimitar o acesso ao interior, transmite paz, plenitude, harmonia e beleza. Na serenidade dos colmos que nos oferecem uma parca sombra, tudo parece disposto na perfeição. As marcas na areia registam pegadas de passeios serenos, múltiplos, infindos.
As cadeiras prontas para receber os corpos ávidos de Sol parecem gotas de água a lembrar-nos que, nas nossas costas, se encontra um Atlântico de um azul sem fim, com recortes de anil até tonalidades de cristal ou mar profundo. Tudo aqui se conjuga na procura singular de nos relaxar o corpo e afagar a mente.
Espero que a imagem que junto na ilustração desta carta faça a devida justiça ao que ainda tenho na memória quando, vista pelos teus olhos, a puderes observar. Por hoje, já saudoso, despeço-me com um beijo forte entre amigos de velhos tempos,
Cabo Verde, mais concretamente a Ilha do Sal, tem uma magia que eu nem sei bem explicar. Espero que nestes meus registos da memória te consiga transmitir minha querida amiga o que senti naquela terra que adoro.
Acompanhando os seus primeiros resorts turísticos, junto à cidade de Santa Maria, na Ilha do Sal, em Cabo Verde, o velho calçadão é local de passeio, de luz, de Sol, de praia, de oceano que se estende até ao infinito, de palmeiras que resistem ao tempo em que a água potável se torna recurso escasso e valioso. Aqui e ali, artistas locais vendem óleos deste céu e deste mar, por entre as vestes garridas das gentes e do casario baixo, também ele pintado de cores vivas como a gente que as habita.
O velho calçadão pode não ter a imponência moderna do novo, mas não lhe fica atrás na beleza do circuito. Inspira facilmente poetas e escritores, no seu desenrolar calmo até à urbe, indicando aos turistas onde passear, comer, beber ou escutar a morna que sempre toca em algum lugar. De um dos lados os candeeiros de rua fazem fila, prontos a iluminar nas noites os veraneantes que desejem sentir a brisa tépida da beira-mar. São como que os guardiões do velho caminho gasto pelos passos de quem por ali se cruza apressado, meditativo ou em passeio. Há locais assim, no mundo inteiro, locais onde de dia e noite passeia a paz.
Espero que mais esta pequena narrativa te tenha agradado. Neste primeiro registo aqui irei deixando para ti dez imagens deste paraíso na Terra. Despeço-me, por hoje, com um enorme abraço,
Espero que os meus Registos da Memória sobre Cabo Verde, mais propriamente sobre a Ilha do Sal e a Cidade de Santa Maria te estejam a agradar. Hoje deixo-te um registo da beira mar em odjo d’água.
De dia, vista de um dos patamares do Resort Hoteleiro de Odjo d’Água, a praia esconde a mística que se vislumbra em noites de Lua Nova. Aliás, o pequeno cabo em arco, relembra mais um recanto do paraíso do que qualquer coisa que nos reporte aos mistérios ancestrais destas ilhas africanas de Cabo Verde, das quais Santa Maria é apenas mais um delicioso exemplo. Até os telhados ornados em tons lilases das buganvílias nos parecem transportar para um recanto do paraíso, dedicado à adoração dos deuses do Sol e do Oceano.
Na verdade, o pequeno Resort Hoteleiro de Odjo d’Água, nascido das ruínas ancestrais do velho Farol de Vera Cruz, pelas mãos de um empresário autóctone, de seu nome Patone Lobo, tem por missão transpirar, para quem o visita ou nele se aloja, o esplendor da cultura africana e cabo-verdiana, com temáticas alusivas em cada quarto, no bar, no restaurante, nas esplanadas e até mesmo junto à praia. Feito em socalcos sobre o promontório, a fonte que dá origem ao nome de Olho de Água, tem uma singela dama de branco na frente de um enorme pote de barro, de onde brota infinita uma cristalina água sempre corrente.
Por hoje é tudo, recebe a despedida deste teu amigo, amanhã continuarei com os meus registos de outras férias bem passadas, beijo grande,
A saga dos Registos da Memória em Cabo verde, Ilha do Sal, Cidade de Santa Maria, continua. Desta vez é a “Noite de Lua Nova em Odjo d'Água”. Espero que te possa agradar, querida amiga.
Por entre a escuridão serrada, de uma noite de Lua Nova, apenas a ação do ser humano se destaca na paisagem. O breu preenche a noite nas sombras da sua escuridão. A prata da areia ganha os tons da antracite, a vegetação do pequeno promontório toma forma de seres, que parecem chegados de um além à unidade hoteleira, à beira mar, em Odjo d’Água, para pernoitar. Sem a luz da Lua, no espaço celeste, as estrelas escondem-se, timidamente, quiçá a recear a chegada de espíritos ancestrais vindos das trevas, cujas intenções todos ignoram.
Ali, somente o pequeno espaço hoteleiro se faz notar, desafiando o breu do curto cabo, por luzes que custam a rasgar a noite em Santa Maria, na Ilha do Sal, ali, juntinho à Praia de Odjo d’Água. No ar escutam-se os sons de uma morna original, vinda do hotel. Os batuques ritmados parecem convocar os seres da noite, naquela quase perfeita tela, pintada a óleo de um negro soprado pelos ventos quentes do Sahara de África, para lá do oceano. Está calor e a brisa cola-se aos corpos, de quem passa sem ser visto, deixando rastos de fragrâncias de um suor salgado de travo adocicado. Contudo, sem qualquer explicação aparente, não é o terror que se instala nas almas dos oclusivos seres ali presentes, mas uma paz insular de uma África milenar que, sem razão alguma, nos relaxa o cérebro e nos liberta os chacras do âmago de nós mesmos, por alguns momentos que sabem a eternidade, quase mágicos, impossíveis e tão transcendentais.
E assim termino mais este registo da memória deixo-te em despedida um beijo de amizade enorme, este teu amigo para a vida,
Uma vez que já te expliquei como surgiram os Van-Dunem em Africa e na América, está na altura de te passarmos à fase seguinte da nossa história em 4 atos. Esta fase, a número II, refere os antecedentes familiares de José Eduardo dos Santos. Um Van-Dunem em linha direta de um tal de Baltazar de que já te falei na carta anterior.
Contudo, já me estou a adiantar demais, nesta carta alegadamente real. Voltemos à vaca fria: os Van-Dunem prosperaram ao longo destes quase 4 séculos de história, sendo a maioria da descendência proveniente de mulheres africanas escravas, com quem Baltazar Van-Dum se cruzou.
Importa referir que a noção de racismo como algo de errado e condenável era ou praticamente inexistente ou o conceito a existir seria totalmente diferente do que é hoje. De notar que muitas tribos africanas escravizavam localmente os inimigos de outras tribos com quem lutavam e a quem venciam. Ver os brancos a fazerem o mesmo, na época, teria parecido mais natural do que nós, com uma mentalidade de século XXI, estamos dispostos a aceitar.
Muitas das escravas que tiveram filhos de Baltazar subiram nas hierarquias regionais, facto que rapidamente foi assimilado pelas cativas de então. A dada altura o que antes eram atos de dono para com os escravos tornaram-se mais voluntariosos por parte das mulheres abrangidas.
A subida na escala social, mesmo ao nível dos escravos, trás imensos benefícios. Trabalhos mais leves, menos tempo de trabalho diário, mais comida, e até chefias de grupos de escravos ou de comando de outros dentro de uma certa casa, propriedade ou localidade.
Há registos históricos dos Van-Dunem que apontam para cerca de 18 gerações, nestes 375 anos, desde Baltazar até aos nossos dias. Digo apontam, minha amiga, porque a escravatura na África portuguesa se manteve até quase ao raiar do século XX e os registos não são assim tão precisos que permitam uma exatidão infalível. Contudo, os privilégios dos sucessores de Baltazar, deram frutos e um número significativo desses servos viram a liberdade muito antes da restante maioria.
A sua muita descendência ganhou reputação ao longo da história. Desde muito cedo encontramos mercenários, assassinos, ladrões e prostitutas, entre os Vam-Dunem, mas, também, comerciantes, traficantes de escravos, piratas, agiotas, líderes de aldeamentos e localidades, homens de negócios, muitos até com estudos avançados. As linhagens foram-se cruzando com outras famílias e uma delas, nos finais do século XIX, foi a família dos Santos.
Ora o bisavô de Isabel dos Santos, pelo lado paterno, um tal de Avelino Pereira dos Santos Van-Dunem, deu aos seus filhos e consequentemente ao avô de Isabel dos Santos apenas o apelido Van-Dunem, conforme nos mostra a Cédula Pessoal de José Eduardo dos Santos. Este avô chamar-se-ia Eduardo Avelino Van-Dudem. O qual registou os filhos a quando dos respetivos nascimentos apenas como Van-Dunem no que aos apelidos diz respeito.
Antes de avançar nesta narrativa convém saber que o pai de José Eduardo era calceteiro e pedreiro (natural de São Tomé) e a sua mãe, Jacinta José Paulino (uma descendente de guineenses e cabo-verdianos, ela própria uma cabo-verdiana que cedo imigrou para São Tomé, fugindo à fome que afetava Cabo Verde naquele tempo) era doméstica.
Neste contexto fica demonstrado que o pai de Isabel dos Santos iniciou a sua vida não como José Eduardo dos Santos, mas como José Eduardo Van-Dunem (um santomense que viveu e estudou na sua terra até à quarta classe). No entanto, até a sua certidão de nascimento apareceria, bem mais tarde, dando-o como natural de Angola, nascido em Luanda, no bairro de Sambizanga, apenas se mantendo certa a data de nascimento.
É neste ponto que a história fica confusa. Há quem defenda que em 1958, 3 anos antes de se juntar ao MPLA, apenas com 16 anos de idade, José Eduardo Van-Dunem conhece, por um acaso, o seu primo, nascido em Angola, um tal de José Manuel dos Santos Torres.
É, alegadamente, este primo que lhe transmite a história dos Van-Dunem. Uma família repleta de marginalidade e com muito crime à mistura na luta pela sua ascensão social. Fica também a saber que o seu avô, tal como o primo, tinha o nome dos Santos no seu registo de nascimento.
Não há consenso sobre quando a família conseguiu mudar de nome, apenas a certeza que isso aconteceu entre 1959 e 1975. O incrível é que, de um dia para o outro, quer os irmãos e irmãs de José Eduardo, quer os pais, quer ainda os parentes mais próximos, vêm os seus registos de nascimento todos alterados, passando, como por milagre, a deixar de carregar o apelido Van-Dunem para, no seu lugar, apenas encontrarmos o apelido dos Santos. Há quem diga que a União Soviética deu uma ajuda.
Em 1961, quando rebenta a guerra colonial, já José Eduardo era membro ferrenho do MPLA. Abandona Angola e desaparece para a União Soviética, passando a coordenar a juventude do movimento no exílio. Em 1962, apenas com 20 anos, integra o Exército Popular de Libertação de Angola (EPLA), a força armada do MPLA, não se sabe bem como, porque não lhe eram conhecidos créditos ou feitos militares dignos de relevo. Mais uma vez é atribuída grande influência aos soviéticos nesta integração, mais ainda porque, em 1963, apenas com 21 anos, foi o primeiro representante do MPLA, em Brazzaville, a Capital da República do Congo.
Por hoje, querida Berta, fico-me por aqui, espero que a história te esteja a agradar, recebe um beijo de saudade, deste teu velho amigo,
Hoje, e nos próximos dias, faço um intervalo no que concerne à revista dos eventos do meu bairro em 2019. Mandar-te-ei o segundo trimestre daqui a mais algum tempo, para que a coisa não se torne uma maçada, em vez de uma curiosidade interessante. Possivelmente voltarei ao próximo trimestre algures no mês seguinte.
Este domingo andei a ler e a rever outras coisas sobre o que se anda a passar por este mundo fora. Podia pegar em vários temas, mas vou dedicar esta carta e talvez as próximas apenas a um deles. Nem sequer vou falar das investigações que fiz no passado sobre ele, e que ainda foram algumas, nem na existência ou não das possíveis evidências. Nada disso, vou apenas referir o que me parece por demais evidente. Contudo, e como sempre, nas minhas crónicas mantenho-me no domínio estrito do alegadamente. Estou-me a referir a Isabel dos Santos e às origens que têm sido contadas de um modo que me parece, no mínimo, lírico e bem pouco próximo daquela que, para mim, é a realidade. Esta primeira carta é o início de um tema que divido em 4 atos, ou cartas.
Porém, e para agora, vamos esquecer a princesa de Angola e voltar atrás no tempo. Não são 10 nem 20 anos… imagina-te, querida Berta, num retrocesso longínquo, distante e nublado. Pensa numa época onde prevalecia a lei do mais forte, do mais apto e do hábil em impor a sua vontade, forma de estar e de agir. É nesse tempo que começo.
Em meados de mil e seiscentos a coroa portuguesa contratou um tal de Baltazar Van Dum. Um homem, de origem holandesa, especializado no comércio de escravos. Para muitos um pirata, nome dado aos mercenários e a alguns esclavagistas arrojados da época, que procediam a capturas, transporte e negócios de escravos intercontinentais. O nome de família de Baltazar evoluiu ao longo dos tempos até se tornar Van-Dunem. Mas a origem é toda deste homem que percorreu todos os territórios ultramarinos portugueses da época a que me refiro.
Baltazar Van Dum esteve em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Guiné, no Brasil e em mais algumas regiões que, para a história em causa não são relevantes. O seu acordo com a coroa nacional incluía toda a África Portuguesa e o Brasil. É de assinalar que ele fez o possível e impossível por deixar bem marcada essa responsabilidade.
Diz uma espécie de lenda angolana que Baltazar teve mais filhos do que anos de idade. Filhos da própria mulher, uma negra que se dizia ser o símbolo da beleza africana, de concubinas, de prostitutas e de escravas. Contudo, ao contrário do macho latino, que tenta passar despercebido e tudo fazer à socapa, na sombra, sem assumir grandes responsabilidades, o muito ilustre pirata Baltazar funcionava precisamente ao contrário. Fazia questão de dar o seu nome a todos os seus descendentes, fossem eles filhos de que tipo de mulher fossem.
É por isso mesmo que o apelido, atualmente “Van-Dunem”, aparece difundido abundantemente por toda a África, América do Sul e Estados Unidos da América, onde o primeiro Van Dunem escravo aportou no século XVII, numa primeira remessa de 20 escravos enviados por Baltazar, tão importante que, ainda hoje, é assinalada nas relações bilaterais entre Angola e os Estados Unidos.
A poligamia estava para Baltazar como o vinho para Baco. Era, mais do que uma imagem de marca, uma questão de princípio. Rogam as histórias de então que não havia mulher negra que passasse na sua presença que não fosse devidamente testada e carimbada com o fálico selo de Van Dum. Certamente um exagero, contudo, bem demonstrativo da “fama cobridora” deste verdadeiro touro ou garanhão dos novos mundos que, então, ganhavam protagonismo para a economia mundial e para o desenvolvimento e enriquecimento da Civilização Ocidental.
Pode-te parecer, querida amiga, que estou a ser exagerado, mas, este meu primeiro herói, foi alvo de um livro de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, sob o famoso pseudónimo de Pepetela, um dos nomes maiores do romance angolano, que sobre ele romanceou, descrevendo aquilo que eram os filhos legítimos da mulher, que ele chama de Dona Inocência, e os filhos das escravas da casa e não só, os chamados filhos do quintal. O livro tem um nome muito sugestivo que resume muito do que aqui disse e direi, de uma forma romanceada, mais restrita, mas com o mesmo significado; chama-se: “A Gloriosa Família”, e está deliciosamente escrito por um dos grandes escritores angolanos que, em Portugal, foi editado pelas Publicações Dom Quixote.
Mais te poderia descrever sobre este profícuo homem do passado, este Baltazar sem controle de natalidade, porém, para o cerne da questão, o que importa mesmo é saber que não existe na atualidade, em toda a América ou em África um Van-Dunem cuja origem não seja essa, única e comum, aliás, aquela que aqui descrevi.
Espero que estejas a gostar da narrativa, despeço-me com um gigante beijo de carinho, este que será sempre teu amigo enquanto o coração lhe bater,