Carta à Berta: Lítio, Mineração e Cristalinidade
Olá Berta,
Como vão esses ossos? Espero que tudo te continue a correr de feição. Hoje venho desabafar sobre mineração e, como sabes, nunca fui mineiro, mas há coisas que mexem com o meu lado mais terra-a-terra.
O Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, afirmou que o processo do lítio em Montalegre é cristalino. Sabes, minha querida, não quero ser rude, mas acho que existe um sítio ideal para o Ministro meter o tal de cristalino. Sim, porque, a ser verdade, esta era a primeira vez na história da humanidade, que a exploração mineira, seja lá do que for, seria tão transparente e reluzente como o cristal, se é que esta imagem ministerial é para ser levada à letra.
Portugal, ao que parece, é rico em lítio, mas não só. Das turquesas ou ouro, passando pela platina, prata, zinco, cobre, volfrâmio ou tungsténio, urânio, estanho, chumbo, ferro, níquel, antimónio, titânio, bismuto, índio, germânio, nióbio, tântalo, berílio, cobalto, manganês, caulino, enxofre, volframite, scheelite, sal-gema, gesso, talco, calcite, terras raras, mármores e marmorites, areia comum industrial e especial, cascalhos, granitos ornamentais, calcário industrial e ornamental, sienito, carvão, argila para barro, cosmética e terapêutica, aglomerados ornamentais, quartzo e feldspato, pirites, xisto, basalto, volastonite, barita, moscovite, galena, berilo, fluorite, diatomito, zircão, cassiterite, ilmentite, rútilo, granada, monazite e magnetite, há quase tudo.
Todavia, há ainda mais umas dezenas largas de minerais e outros elementos que só compensam ser explorados conjuntamente, uma vez que é dessa forma que aparecem na natureza, como é o caso de alguns dos já indicados no parágrafo anterior.
Já agora, peço-te desculpa pela enumeração de todos estes metais e minérios em território português e de outros recursos de mineração ou de exploração mais amiga do meio, mas tinha que te dar uma panorâmica geral, minha amiga Berta. Contudo, posso garantir-te que se a lista fosse completa ocuparia à vontade, só com a nomenclatura dos recursos, mais uma página e meia.
Além disso, existe ainda, já estudada, a existência dos combustíveis fósseis, como o petróleo e gás natural, que tanto barulho causou no passado para que não fosse feita qualquer exploração dos mesmos.
Temos também, sob a alçada do mesmo ministério, o campo da extração e aproveitamento das águas, onde podemos encontrar as águas de nascente e as minerais para engarrafamento, mais as termais de diversos teores e propriedades usadas para diferentes tratamentos e terapias.
Ora, segundo um dos estudos a que tive acesso durante esta investigação, se todos estes recursos estivessem a ser explorados, sem contar sequer com os combustíveis fósseis, já descontando a reposição ambiental e a recuperação das paisagens afetadas, a receita do Estado, só em licenças, comissões e impostos, daria para pagar várias vezes o que pedimos emprestado aquando da vinda da “Tróika”.
O ministro cristalino só tem um problema com todo este “El Dourado”, a população está mais preocupada com o ambiente do que com os bolsos do Estado. Muitos não se esqueceram ainda das centenas de trabalhadores que morreram e morrem de cancro, por culpa das minas de urânio ou dos que morrem devido às minas de carvão, sem sequer terem direito a uma morte digna, por não lhes ser considerada a doença como uma consequência da sua profissão de mineiro.
Já nem vou falar das explorações de serpentinitos, talco e asbestos termolíticos do nordeste de Portugal, na zona de Bragança, sobre os quais, que eu tivesse conseguido descobrir, nada se sabe, nem sequer se foram ou não usados para produzir amianto e se essas explorações ainda estão ativas e a produzir o quê…
É este o nosso Portugal, minha amiga. Vivemos num país democrático, é verdade, mas desleixado e desorganizado, para não ofender ninguém, em imensas coisas que, se bem feitas, já nos poderiam ter tirado do terceiro mundo há muito tempo.
Na minha opinião, a atividade mineira, e o consequente aproveitamento de recursos naturais, é tão bem-vinda como outra qualquer indústria. Todavia, com tudo feito com regras bem definidas, dentro dos parâmetros da OIT (Organização Internacional do Trabalho), com a recuperação ecológica dos locais, findas as concessões, e mais todo o blablá necessário à decência, ao bem-estar das populações próximas, dos próprios trabalhadores e com a devida recuperação do meio e das paisagens afetadas asseguradas e definidas em contrato, com garantia de que o mesmo só cessa quando uma fiscalização estatal vistoriar os locais abrangidos e aprovar o seu término. Considero que este é o procedimento correto e o mais simples. O que te parece, amiguinha?
Voltando ao ministro cristalino, houve outra coisa que me desagradou. Ele, que está pronto, conjugado com outros ministérios, para relançar uma nova era da mineração em Portugal, lança à comunicação social um fresquíssimo secretário de estado, de seu nome João Galamba, em vez de vir dar a cara. Não gosto e não me parece digno da cristalinidade de um cristalino ministro.
Em última análise, espero que se consiga fazer a extração e transformação do lítio em Portugal, afinal, somos o oitavo maior país na quantidade do elemento, mas com tudo bem feito desta vez. Cristalino, diria eu, de fio a pavio. Um beijo, minha querida Berta, deste teu saudoso amigo,
Gil Saraiva