Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente
correto.
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Morreu hoje, em Barcelona, mais um ex-ditador da Língua Portuguesa, o antigo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. O homem que governou Angola durante trinta e oito anos e o grande arquiteto não apenas da paz em Angola, mas do seu próprio clã, o clã dos Santos. O seu afastamento do poder foi ditado pela saúde e não pelo raciocínio.
Amado pelos que o rodeavam e odiado por quase todos os outros, liderou sucessivos governos onde reinou a rainha corrupção. Foi esta mesma imperatriz que lhe permitiu criar um império em torno da família. Sendo o rosto mais visível o da sua filha mais velha, Isabel dos Santos, que, durante anos a fio, foi a mulher mais rica de África e uma das mais poderosas do mundo.
José Eduardo dos Santos sucedeu a Agostinho Neto e, quase quatro décadas depois, escolheu João Lourenço para liderar os destinos de Angola em vez de se fazer suceder por um elemento do seu próprio clã. Se o antigo presidente esperava clemência de Lourenço, no respeitante à sua pessoa, esta foi-lhe concedida. Mas o mesmo não aconteceu com o resto do clã. João Lourenço herdou Angola em plena crise petrolífera e necessitava dos fundos desviados pelo clã para repor alguma ordem nas contas públicas.
Na minha pouco romântica perspetiva, a mudança de presidente não terminou com o reinado da corrupção em Angola, longe disso. À primeira vista ela apenas mudou de mãos, sendo que desta vez, os intervenientes estão mais opacos que nunca. Para Portugal tudo continua na mesma. Não importa ao nosso Governo a falta de democracia no país irmão nem mesmo a perseverança da maldita corrupção, apenas desejamos manter forte a relação comercial e o intercâmbio com Angola, porque, se rezarmos à Nossa Senhora de Fátima, um dia, deixará de haver fome nesse país africano de que tanto parecemos gostar.
A hipocrisia do poder tem destas coisas. Mesmo que o canibalismo fosse uma realidade em Angola, que não é, o Governo de Portugal diria que se tratava apenas um fenómeno residual, proveniente de uma cultura ancestral do povo e, em ano de Europeu Feminino de Futebol, chutaria para canto a vergonha de tais práticas, exatamente como faz com a malfadada corrupção. O que importa é manter o status e a influência de Portugal em África, mesmo que para isso se percam os largos milhões de euros do BES Angola. Do alto do seu corta-palha sorridente, Marcelo Rebelo de Sousa, estará novamente disposto a ir distribuir beijinhos e abraços ao povo irmão, se for necessário reforçar mais os laços desta paz podre pós-colonial.
José Eduardo dos Santos morreu hoje, em Barcelona, e Tchizé, uma das filhas do antigo tirano, que já tinha apresentado queixa por tentativa de homicídio do seu pai contra a sua madrasta, Ana Paula dos Santos, e o médico pessoal do líder em coma, é o rosto mais visível do inconformismo. O clã divide-se depois da morte do imperador. Nada voltará a ser como dantes. A história é inflexível no seu percurso e não reza pelos fracos, por muito poderosos que possam ter sido no passado. Durante os próximos dias a nossa comunicação social aflorará ao de leve os defeitos do ditador e do clã, dando largo realce às excelentes e solidarias relações pós-coloniais entre Angola e Portugal. Se algum idiota se lembrar de tentar decretar luto nacional pela morte de um líder da Língua Portuguesa não se admirem em demasia, afinal Camões está morto e as suas cinzas já não se mexem na tumba. Vale tudo para manter o relacionamento. Adeus José Eduardo dos Santos!
Fiquei na terceira parte da nossa história na chegada ao poder de José Eduardo dos Santos. No final desse ano este homem era simultaneamente, se fizéssemos um paralelo alegadamente absurdo com os órgãos de poder portugueses, Presidente da República, Primeiro-Ministro, Presidente da Assembleia da República, Chefe Supremo das Forças Armadas, para além, é claro, de ser igualmente presidente do partido no poder, no caso concreto, o MPLA. Só que, não são estes os seus únicos poderes, porque ele controla igualmente, embora de forma menos direta, o Poder Judicial e o Poder do Tribunal Constitucional.
Quer isto dizer, minha amiga, que em 1980, sentou-se na cadeira do poder angolano alguém que, alegadamente, detinha o poder absoluto sobre Angola. Um verdadeiro paradoxo se pensarmos que o país vivia numa suposta democracia e que era simultaneamente governado sob um poder absoluto.
Nesta quarta parte da história não vejo grande sentido em pôr-me a explicar toda a governação dos anos seguintes neste nosso país irmão. A maioria das pessoas tem uma ideia do que foi acontecendo. Porém, é impossível não realçar alguns aspetos para podermos chegar ao momento em que nos encontramos hoje e que abordarei na próxima carta a qual resolvi chamar de epílogo.
Contudo, acho que é importante saberes, querida Berta, que Agostinho Neto, tinha oposição dentro do partido, precisamente na altura em que José Eduardo dos Santos é nomeado Vice-Primeiro-Ministro, quando estala o verniz no MPLA. De um lado da barricada estão os apoiantes de um comunismo de pendor maoísta e do outro, os marxistas-leninistas, com a China e a União Soviética a pressionarem em sentidos contrários.
Em maio de 1977 dá-se uma tentativa de Golpe de Estado, liderada por Nito Alves, um dos ministros de Agostinho Neto, que fracassou, principalmente graças ao forte apoio das FAR (um contingente de forças armadas cubanas estacionadas em Angola, principalmente em Luanda). Estamos no auge do “Fraccionismo”, em que este movimento político sob o comando de Nito, tudo tenta fazer para chegar ao topo da hierarquia do Estado.
Quando o golpe fracassa, as coisas parecem normalizar no seio do MPLA e do Governo, contudo, contrariando esta bonança, pouco tempo depois, dá-se a tentativa, também falhada, de assassinato de Agostinho Neto e as suas repercussões geram uma guerra interna de quase 2 anos. É um período terrível em que são varridos da face da terra muitos milhares de apoiantes de Nito Alves. Convém esclarecer que este homem, que lutara nas fileiras do MPLA desde 1961, quando se dá o 25 de abril em Portugal, já era o líder militar do MPLA e operava, a partir da região de Dembos, a nordeste de Luanda, uma verdadeira saga esta, minha querida amiga.
Em conclusão, este não era, por isso mesmo, um qualquer militar. Tinha apoiantes não apenas nas forças armadas, mas dentro do próprio Governo. A história tem nesta altura variadíssimos contornos, porém, para aquilo que nos interessa, o importante foi mesmo o papel estratégico de José Eduardo dos Santos que, pela primeira vez, tem de lidar com o clã Van-Dunem e dos Santos divididos entre os 2 lados do conflito em posições mais do que relevantes. A limpeza dá-se de forma implacável e dura até quase à morte de Agostinho Neto.
José Eduardo dos Santos, não só nunca abandona o Governo, como consegue, quase sem dar a cara, ser o principal responsável dos sucessos alcançados nesse período. A coisa foi tão bem estruturada que nunca é acusado de ter diretamente sido responsável pela morte de quem quer que fosse. No entanto, José Van Dunem, na altura o comissário político das Forças Armadas, e a esposa Sita Valles, são supostamente assassinados, não se sabendo ao certo, amiga Berta, o que lhes aconteceu realmente, nesse 27 de maio de 1977.
Convém referir que este José Van Dunem (sem hífen no nome), era irmão da nossa atual Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem e que a falecida cunhada desta, Sita Valles, provém de uma família tradicional goesa que, tal como a de António Costa, o nosso Primeiro-Ministro, fazia parte da elite de Goa. Ambos pertencentes à casta Brâmane, a mais rica e elitista casta indiana. Em Goa, as famílias eram próximas, porém, enquanto uns acabaram por emigrar para Portugal, caso do pai de António Costa, Orlando Costa, outros optaram por um destino mais próximo, como Moçambique, o que foi o caso da família Valles, que mais tarde se mudaria para Angola.
Contudo, as ligações de amizade e origem mantiveram laços de relacionamento que, alegadamente, ajudam a explicar a chegada de Francisca Van Dunem à chefia do Ministério da Justiça português. Sim, porque eu, querida Berta, sou dos que não acredita em coincidências. Basta lembrar que Orlando Costa e Sita Valles se conheceram muito bem, enquanto militantes e ferrenhos ativistas do Partido Comunista Português, entre 1972 e 1975.
É relevante referir também a influência do ex-Embaixador de Angola em Portugal, Fernando José de França Dias Van-Dúnem, primo de Francisca Van Dunem, e seu padrinho de batismo, no que aos corredores do poder diz respeito. Afinal, este homem ocupou vários cargos em Luanda entre os quais: Primeiro-Ministro, Ministro da Justiça, Ministro das Relações Exteriores, Embaixador na ONU e Presidente da Assembleia Nacional de Angola e aos 86 anos, a acreditar na sua página no Wikipédia, exerce ainda o cargo de primeiro Vice-Presidente do Parlamento Pan-Africano e mantém-se como Professor da Universidade Católica de Angola.
Mais uma vez, Berta, temos de voltar a apanhar o fio à meada. Regressemos por isso a 1980, ano em que José Eduardo dos Santos se torna “Senhor e Dono” de Angola. Não tem relevância para esta história saber como, o então Presidente angolano, manteve o poder durante os 37 anos seguintes, convém, todavia, saber um ou outro detalhe para que se entenda a saga que descrevemos até aqui.
Porém, é importante explicar que José Eduardo dos Santos se viu a braços com imensos movimentos internos (e externos vindos dos mais variados setores e até da Africa do Sul), tendo, com uma precisão quase cirúrgica, distribuído poderes, empresas estatais e outras, originadas pelo próprio Estado, aos principais generais angolanos e aos seus próprios filhos, pelo menos aos 10 originários das suas 6 uniões passageiras, de facto ou matrimoniais conhecidas.
Fala-se de uma tentativa de assassinato em 2011, mas, minha amiga, tenha ela existido ou não, o facto é que foi ultrapassada. Um facto importante é o de que o Presidente sempre salvaguardou o bem-estar das ex-companheiras e da sua descendência, tão bem como o fez com aqueles que o poderiam ameaçar no comando do país. Para além disso, conseguiu voltar a unir, os clãs Van-Dunem e dos Santos em redor da sua figura.
O que é absolutamente certo é que a estratégia resultou e que durante os já referidos 37 anos ele governou como Presidente de Angola. A partir de 2002 a paz regressou finalmente ao país, com a morte de Jonas Savimbi. Também, poucos anos depois, os últimos grandes conflitos foram resolvidos habilmente em Cabinda, tendo a paz total chegado em 2006. Em 2010 fez alterar a Constituição da República de Angola e, a 31 de agosto de 2012, o MPLA ganhou as eleições gerais sendo José Eduardo dos Santos automaticamente eleito, uma vez mais, Presidente, legitimando dessa forma a sua permanência no cargo por mais 5 anos.
Interessante é referir que o Presidente manteve sempre debaixo de controlo a Sonangol. Sendo um homem formado na área dos petróleos, estava perfeitamente habilitado para o fazer. É sabido, querida Berta, que durante este tempo os lucros da Sonangol passaram de 3 biliões de dólares em 2002, para uns muito mais expressivos 60 biliões em finais de 2008. Contudo, a acreditar nas contas do Fundo Monetário Internacional, cerca de 32 biliões destas receitas petrolíferas sumiram dos registos do Governo de Angola.
Isso passou-se 8 anos antes de, em junho de 2016, o Presidente ter nomeado a sua filha primogénita, Isabel dos Santos, para as funções de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol. Uns 3 meses antes, em março, tinha anunciado que iria abandonar em 2018 a vida política ativa. Entretanto reeleito, ninguém sabia se o Presidente continuaria o seu mandato até 2021 ou se, conforme anunciara, sempre abandonaria o cargo em 2018.
Com efeito foi a segunda hipótese que prevaleceu. O Congresso Extraordinário de setembro do MPLA, confirma a nomeação de João Lourenço, um dos últimos grandes delfins de José Eduardo dos Santos, como Presidente da República de Angola. O ex-presidente retira-se da política ativa e vai morar para uma “fortaleza” em Barcelona, pelo que se sabe para poder tratar convenientemente uma doença grave (que se mantém oculta, até à data, por constituir segredo de Estado).
Na carta com que termino esta saga, aquela que designei por epílogo, falarei uma vez mais dos clãs Van-Dunem e dos Santos, para a terminar com Isabel dos Santos, a princesa de Angola, agora, alegada e aparentemente, caída em desgraça. Despeço-me, amiguinha com o carinho do costume, deste teu parceiro de muitas aventuras,