Carta à Berta: Imagine-se...
https://www.youtube.com/watch?v=NAEppFUWLfc A Art Garfunkel... a minha modesta homenagem a um homem de 78 anos...
Olá Berta,
Fico feliz de saber que tens reparado no facto de as minhas crónicas, nesta época festiva não terem a minha componente satírica e crítica habitual. Com efeito tenho-me esforçado por me manter mais calmo durante as festividades. Perguntaste-me o que é que eu via na Ria Formosa de tão extraordinário para me referir à paisagem como uma das analogias que usei na minha Teoria do Amor – Parte II. Pois bem, como sabes eu vivi 18 anos no Algarve, precisamente na mesma zona onde tu te encontras e tive imenso tempo para lhe absorver a envolvência. Segue o poema que deu origem à comparação que fiz. Espero que seja do teu agrado. O poema chama-se “Imagine-se”, mas tu não precisas, basta-te olhar para entenderes, espero que consigas ver e sentir o que eu captei, não pelos meus olhos mas pelos teus:
"IMAGINE-SE..."
Imagine-se
Um mar de prata
Bordado ao ouro macio
De um pôr-do-sol.
Deixemos agora
A nossa mente
Colocar algumas aves nidificando
Na costa fina de arbustos salgados,
Reserva natural
De um qualquer sonhado paraíso...
Em silêncio,
Os bateres de asas,
Se confundem com o restolhar do vento
Que sorri prá primavera
Agora tão tangível...
O sentimento é por certo de harmonia!...
Pra quem não sente em verso
O deleite que os sentidos propiciam,
Recomendo que respirem fundo,
Deixem entrar languidamente
O cheiro a maresia...
Issooo...
Procurem agora sentir
A aragem vos acariciar,
De leve,
Passando-se suave
Pelo brilho dos olhos
E obrigando ao esvoaçar de alguns cabelos...
Com o olhar
Sigam as aves
Que gritam cânticos de amor
E de acasalamento...
Se entreabrirem os lábios
As papilas vão, por certo,
Detetar o gosto a mar,
O gozo das sensações plenas
E do encontro puro
E idílico com Gaia,
A deusa que voluptuosa
Representa a Terra original...
Sentem?
Agora pensem,
Com um sorriso,
Num amor ausente...
Procurem influenciar a mente,
Mas sem esforço...
Issoooooo...
Estão vendo a sereia…?
Nesta Ria Formosa
Onde imaginar
Se torna milagre,
Esperança, acreditar,
Apenas o belo tem lugar.
Aqui não existe crise, cortes,
Recessão, nem suicídio…
Apenas amor, emoção
E a delicada teia dos sentidos…
É no exato instante,
De sensual
E romântica lasciva,
Em que de joelhos
Nos dobramos
Para colher uma flor
De beira de caminho,
Que estamos integrados!
Cheios de amor,
De vida e de natura,
Enfim, de plenitude!
O voo simultâneo dos flamingos
Faz-nos crer que o mundo
É cor-de-rosa
E que a vida,
Afinal, tem sentido.
Imagine-se
Um mar de prata
Bordado
Ao ouro macio
De um pôr-do-sol
E conclua-se
Que afinal amar
É simples...
Senão o mar seria água
E nada mais,
As aves: pássaros
E a reserva: pântano...
Imagine-se...
Este é, Berta, um dos poemas que escrevi até hoje que mais mexe comigo, é… sei lá, a natureza em todo o seu fulgor, é vida, essência e existir. Tem em si um não sei quê a mais e comporta ainda o como da esperança, da felicidade e, irremediavelmente, do amor, do amor puro, sincero, franco, genuíno e verdadeiro.
Minha querida amiga, recebe um beijo de saudades teu amigo de sempre,
Gil Saraiva