Carta à Berta nº. 203: 25 de abril... Quando a Polícia me Bate à Porta.
Olá Berta,
Hoje, 25 de abril de 2020, sábado, feriado, pelas 18 horas da tarde, fui impedido, à minha porta, pela polícia, de continuar a emissão de música, comemorativa do 25 de abril, para a Rua Francisco Metrass, em Campo de Ourique.
É inacreditável que 46 anos depois da implantação da liberdade, a polícia se ache no direito de impedir um festejo coletivo entre pessoas do mesmo bairro, na tarde em que se comemora a liberdade confinada que o país vive.
Segundo a descrição da autoridade houve uma pessoa que apresentou queixa. Mas estiveram os 3 agentes que me visitaram, e intimaram com um auto se teimasse em manter a música, em casa da queixosa a medir o índice de ruído que lá chegava, como manda o regulamento geral do ruído? Nada disso, nem lá foram. Tomaram como certa a declaração da senhora. Violando de forma grosseira os meus direitos e os de todos os que nas janelas e na rua aplaudiam e celebravam na sua condicionada forma de liberdade, a própria liberdade nacional. Nem mesmo foram a casa dessa pessoa identifica-la, como fizeram comigo, não registando, por isso mesmo, oficialmente, nenhuma queixa formal. O telefonema, ao que parece foi o bastante para agirem.
O outro argumento foi de que existem pessoas que trabalham por turnos e que têm o direito ao descanso e ao silêncio a meio do feriado de 25 de abril, a um sábado, às 6 da tarde. Sim, como se as músicas de abril fizessem mais ruído do que as cargas e descargas que acontecem nesta mesma rua, todos os dias, incluindo, sábados, domingos e feriados, com os respetivos carrinhos metálicos a ecoarem por todo o lado, entre as 6 da manhã e as 21 horas, para abastecerem os 3 supermercados que aqui se encontram concentrados num espaço de 30 metros.
Estou tentado a apresentar queixa por abuso de autoridade na esquadra de Campo de Ourique. O problema é que não sei quando serei operado e quando acaba o meu confinamento. Já liguei para a esquadra para lhes dar conhecimento de que pretendo apresentar queixa pela forma como tudo se passou e por aquilo que penso ter sido um claro abuso de autoridade, indevidamente balizada em argumentos não comprovados de uma queixosa não identificada devidamente. Contudo, não sei ao certo se conseguirei, em tempo útil, apresentar a devida queixa.
É uma pena que estas coisas continuem a acontecer. É triste, minha amiga, ver a polícia, que deveria estar atenta a tantas outras coisas, vergar perante a queixa de alguém sem verificarem os prossupostos da mesma. Pelo que entendi a queixosa é uma pessoa influente, não entendi a que nível, mas deve ter sido isso que terá dispensado a verificação dos factos.
É com um profundo pesar que hoje me despeço de ti, minha querida amiga, recebe um beijo deste amigo,
Gil Saraiva