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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Carta à Berta nº. 192: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: O Meu Regresso... - Parte I

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Olá Berta,

Minha muito querida amiga, estou de volta. Regressei a casa ontem, ao final do dia 14 de abril, finalmente. Retornei ao meu doce lar, na Rua Francisco Metrass, no meu amado Bairro de Campo de Ourique. Podes achar banal e pensar que voltar ao bairro após 12 dias de ausência é algo de pouco relevo e de somenos importância, mas estás totalmente equivocada.

Chegar aqui, para mim, é muito mais do que um simples retorno. É um regresso ao ninho, à segurança deste planalto feito de gente que me é querida, de pessoas que se importam com o vizinho do lado e que estiveram a torcer por mim, como se eu fosse seu familiar chegado. Sim, sim, não te iludas, aqui existe solidariedade, carinho, empatia, amizade e preocupação genuína pelo próximo.

Em Campo de Ourique também vivem os novos habitantes pomposos, desde que o bairro virou moda. É verdade, mas desses, mesmo desses, mais de metade já foi infetada beneficamente pelo espírito corrente. Os outros, salvo sempre as honrosas exceções dos cara-de-pau, também acabarão por ceder aos usos e costumes da minha aldeia, tão minha como de todos os que aqui habitam ou habitaram num passado mais ou menos remoto, mas para quem o sentimento de saudade não esmorece ou se perde na memória dos tempos.

Enfim, voltei, porém, não regressei curado. Dias haverá em que não terei condições de te escrever e por isso peço previamente todas as minhas antecipadas desculpas. Ter pedras a passear pela vesícula é como ter comigo, permanentemente, um cão com trela a morder-me o estômago, por baixo do plumão direito. Às vezes o cão abana a cabeça, como quem desafia o dono a fazê-lo largar o osso. Nessas alturas a dor é lancinante e eu mal consigo ver, quanto mais escrever. Não voltei operado e a culpa é do Covid, mas amanhã explico porquê.

Contudo, existirão outras ocasiões em que, graças aos anti-inflamatórios, antibióticos e analgésicos, o cão ou dorme ou apenas morde de leve o osso, ou ainda somente se passeia preso pela trela. São estes os momentos em que te redigirei as cartas referentes aos dias que fiquei sem te escrever. Pela descrição de cada carta entenderás, pela data, a que dia me refiro.

Conjuntamente, irei mandando as cartas referentes aos dias atuais, esperando que tenhas paciência de leres mais do que uma carta por dia. Não leves, por favor, minha amiga, a mal o meu uso de algumas piadas, se bem que nem todas terão graça, de ironia ou sarcasmo, mas eu sou mesmo assim. Até sobre o que me acontece nunca consigo deixar de utilizar o humor como arma do meu teimoso otimismo. Em resumo, voltei ferido de asa, mas com uma tremenda vontade de voar. A ti, minha amiga, o meu obrigado pela amizade que sempre mantiveste viva.

Na carta de amanhã explicar-te-ei porque não voltei curado. Mas temos tempo, se continuares disposta a ler-me e a escutar as vivências e observações deste teu amigo, despeço-me com um terno beijo,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº 184: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída - Os Detalhes do Absurdo - Parte IV - Final

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Olá Berta,

Termino hoje a narrativa referente aos detalhes do absurdo que foi a minha saída da minha rua no bairro de Campo de Ourique e, seguidamente, a minha entrada nas urgências do Hospital São Francisco Xavier. Não penses, minha amiga, que ser paciente neste país é coisa simples. Há muita complexidade na situação de alguém se encontrar doente e necessitado do apoio de terceiros.

Para quem, como eu, tinha uma verdadeira fobia a hospitais, estava a ser um verdadeiro trabalho hercúleo fazer-me chegar a umas urgências. Devo ter feito umas 8 chamadas, em frente ao computador, entre dores atrozes, enquanto ia marcando os diferentes números de telefone das distintas corporações de bombeiros de Lisboa. A resposta foi sempre a mesma, estavam sem transportes. Tudo se encontrava no terreno e, infelizmente, não tinham qualquer previsão de disponibilidade.

Por fim, ao ligar para os bombeiros do Beato e Penha de França, o meu raciocínio pareceu querer funcionar. Fiz tudo diferente do que tinha feito até ali. Mal me atenderam informei que queria requisitar uma ambulância, uma vez que os bombeiros da minha zona, em Campo de Ourique, estavam com as viaturas todas no terreno e sem previsão de vagas. Quanto me custaria o serviço?

Do outro lado da linha pediram-me algumas informações sobre o meu problema e informaram-me que teriam transporte disponível dentro de uma hora a uma hora e meia. Servia para mim? Ah, como eu não era da zona deles o serviço custaria 30 euros. O que eu achava? Estava disposto a aguardar? Estava interessado? Respondi imediatamente que sim. A ambulância acabou por demorar apenas 45 minutos e 20 minutos depois os próprios bombeiros inscreviam-me nas urgências. Recebi pulseira amarela e 20 minutos depois fui admitido.

Durante a viagem, com muita paciência, os soldados da paz foram preenchendo o meu formulário, entregaram-me o recibo da minha despesa de transporte para o hospital e o troco dos 50 euros que entreguei, fizeram perguntas sobre todo o meu histórico clínico passado e presente, foram, posso afirmá-lo sem exagero, de um profissionalismo extremo, cuidado, interessado e verdadeiramente atento à minha condição de doente.

“Money talks…”, o dinheiro fala, cantavam os AC/DC ainda no século passado e com razão. Dei entrada no hospital perto da hora do jantar, mas estava, finalmente, a ser atendido. Com estes longos detalhes do absurdo me despeço, querida Berta, espero que tudo esteja bem contigo, recebe um beijo longínquo deste teu amigo,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº 183: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída - Os Detalhes do Absurdo - Parte III

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Olá Berta,

Vou voltar, mais uma vez aos detalhes do absurdo dos últimos 2 dias, uma vez que ainda não cheguei ao final, por mais idiota que tudo isto possa parecer. Afinal, tudo deveria ser bem mais simples, principalmente na altura em que precisamos de ajuda como de pão para a boca. Contudo, a realidade nunca é o que pensamos que deveria ser, por mais injusto ou estúpido que tudo nos pareça no momento. Se te lembras estávamos na fase dos telefonemas e é precisamente nesse mesmo ponto que retomo a narrativa relativa ao dia 3 de abril.

Da última vez que poisei o telefone achava-me totalmente de rastos. Devo ter chorado, entre espasmos de dor, mais de meia hora. Eram 3 da tarde quando tentei, novamente, o 112. Atenderam-me. Não falei muito do passado e apenas descrevi a minha dor, dizendo que já tinha tentado a ajuda deles de manhã e durante as horas de almoço. Para meu espanto, o homem disse que podia ser que sim, porém, não encontrava nos registos nenhum pedido meu. Mas isso não seria problema, iria passar-me ao INEM.

Achei que estava a perder o juízo. O senhor do INEM, muito agradável, escutou-me e, quando me respondeu, foi para me informar que eu não tinha qualquer anotação de pedido na instituição. Será que eu não tinha ligado diretamente para os bombeiros? Respondi que não.

O senhor estranhava muito o meu relato, mas, apesar disso, tinha entendido que a minha dor era persistente e que já durava há uns dias e ia tentar passar-me para os bombeiros, para que o problema ficasse resolvido. Teria de ter apenas alguma paciência.

Quando, ao fim de um largo compasso de espera, uma voz jovem me atendeu, foi apenas para me informar que estavam com as ambulâncias todas ocupadas. Pedia-me para voltar a tentar dali a uma hora e meia. Não era aquela a novidade que me interessava ouvir, contudo, era uma esperança. A minha primeira esperança. Agradeci e desliguei a chamada. Estava difícil chegar às urgências do Hospital São Francisco Xavier.

Acabei por ligar apenas 2 horas depois. As dores eram indescritíveis e não me permitiram fazer a chamada antes disso. Podia ser que tivesse chegado o meu momento. Numa situação em que eu estivesse na plenitude das minhas faculdades nada daquilo teria, por certo, acontecido, pensei.

Novamente, uma voz jovem, desta vez feminina, respondeu-me à ligação. Depois de me escutar, lá disse que lamentava imenso informar-me, porém, continuavam sem ambulâncias disponíveis. Eu já estava pronto para vociferar contra a coitada da telefonista, completamente cego por aquele contrassenso, quando a afável jovem me sugeriu para tentar outras corporações de bombeiros, tendo logo de seguida cortado a comunicação.

Ainda bem que ela desligou, sempre detestei ser mal-educado pelo telefone ou telemóvel. Aliás, dificilmente a rapariga poderia ter qualquer culpa no cartório. Minha querida amiga, fico-me por aqui, espero concluir os detalhes do absurdo já amanhã. Agradeço-te toda a paciência em escutares este teu velho compincha. Um abraço,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 182: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída - Os Detalhes do Absurdo - Parte II

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Olá Berta,

Aqui estou eu para continuar o relato dos detalhes do absurdo da saída da minha rua no bairro de Campo de Ourique. Ontem fiquei a narrativa no momento em que fui informado que ninguém me viria buscar, lembras-te? Pois é, porém eu não desisto facilmente.

Para alguém com dores fortíssimas de estômago levar um murro daqueles era obra. Senti uma verdadeira pedra a ocupar-me toda a minha pança ou bandulho. O homem sugerira que apanhasse um táxi e fosse para o hospital. Era de malucos… eu não conseguia dar 3 passos a direito sem me encolher todo. Finalmente, depois de me escutar, lá achou que talvez eu pudesse chamar os bombeiros. Palavra de honra que aquele talvez, mexeu-me com os neurónios e com a minha dor. Agora parecia que a barra de dor era de aço inoxidável, inadvertidamente comecei a gemer que nem girafa a parir uma cria.

Ao me ouvir ganir o homem lá se decidiu a mandar-me ligar para os bombeiros. Terminada a chamada tive que arranjar um canto onde me encolher por alguns minutos. O raio da dor ocupava naquele momento 4 quintos do meu cérebro. Estive em posição fetal mais uns bons 15 minutos. Finalmente, com esforço, marquei o número dos bombeiros, a pensar que a minha espera chegara ao fim. Tudo aquilo era demasiado surreal para estar a acontecer.

A senhora que me atendeu foi muito simpática e depois de me ouvir, disse-me para aguardar em linha, pois tinha que ligar para o INEM. Achei aquilo surreal. Se eu lhe tinha acabado de informar que o INEM é que me mandara ligar para eles… tudo bem, dizia a voz feminina, porém, ela tinha mesmo que confirmar. Fazia tudo parte das novas regras. Tinha que ter paciência.

Finalmente, a resposta chegou. Não, o INEM não concordava comigo, pelo que não me poderiam vir buscar. Foi a primeira vez que o palavrão saiu. Era forte, gutural, profundo e trazia imensa revolta com ele. Desliguei e tornei ao 112, quem me atendeu reconheceu-me e informou-me que não iria passar ao INEM, afinal eu já sabia a objeção e desligou.

A tarde chegou e eu sem conseguir transporte, foi uma verdadeira batalha. Não! Batalhas. A cada derrota, dependendo do meu nível de dor, eu tinha que deixar o meu coeficiente de dor acalmar, como quem lambe as feridas da derrota, antes de partir para outra. Estava a chegar a um grau de desespero que se tornava insuportável.

Por hoje, fico-me por aqui, despeço-me com um beijinho amigo de amizade, o mesmo de todos os dias e sempre à tua disposição, com muita alegria no coração, pleno de saudades,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº 181: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída - Os Detalhes do Absurdo - Parte I

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Olá Berta,

Ainda não te contei como consegui chegar ao serviço de urgências do Hospital São Francisco Xavier. No meio de tanta coisa quase me esquecia de o fazer. Lá vai a história, com todos os detalhes do que se passou ou pelos menos os principais aspetos desta aventura. Depois de ligar o 112, que me passou para o INEM, fiquei a aguardar pela ambulância.

Neste dia, 3 de abril deste ano de 2020, estive 3 horas e 47 minutos à espera do transporte que me levaria ao hospital São Francisco Xavier. Fiquei tempo suficiente a aguardar para pensar algumas coisas. Estaria o trânsito tão caótico que a “tinóni” estava com dificuldades de chegar ao seu destino? Não! Isso significava que metade da população de Lisboa teria enlouquecido o que não me parecia muito provável. Quando as coisas são connosco achamo-nos sempre prioritários.

Teria a ambulância sofrido 2 ou mais furos nas rodas da carrinha, no caminho até à “Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique”? Podia ser uma explicação, difícil de ocorrer, porém, não totalmente impossível. Afinal, dizem as probabilidades que, enquanto existirem, podem acontecer, mesmo sendo muito pequenas. Contudo, se fosse esse o caso, não mandariam uma outra viatura? Claro que mandariam. Eu é que estava a ficar tolo de todo e talvez demasiado enervado com a situação.

Poderia a minha alergia a hospitais ter uma energia tal que estava a enganar o GPS do meu transporte mandando-o para Marvila? Ou pior ainda, para a marginal de Cascais? Embora a ideia me tivesse surgido, seria um caso inédito na história das alergias e eu não achava que tal pudesse ter acontecido dessa forma ridícula.

Seria possível que, quem me atendeu do INEM, depois de me confirmar a ambulância, tenha concluído que o meu caso era uma enorme crise de aerofagia e se tivesse sem um real motivo “cagado” em mim?

Estou a levar muito tempo para te escrever esta carta, a chatice é que só consigo estar sentado uns 15 minutos, ao todo, por cada hora que passa, às vezes nem isso. Como estava a pensar que me viriam buscar em breve não tinha tomado o anti-inflamatório, o Naprozyn, passadas as 6 horas da última toma e, agora, estava para ali a torcer-me com dores, sem muita capacidade de raciocínio.

Voltei a ligar para o INEM. A espera estava-me a consumir e as minhas dores pareciam potenciadas pelo insólito e ridículo evento. O 112 passou-me, mais uma vez para o INEM. A pessoa que me atendeu esteve à procura do registo do caso e finalmente informou-me que, afinal, por indicação de um supervisor, a situação não tinha sido considerada urgente, afinal eu já tinha a dor há 4 dias, o que indicava não ser um caso de morte. Por isso mesmo não viria ambulância alguma buscar-me.

Minha querida amiga, terá de ficar para amanhã a continuação desta saga. Foi com algum esforço que te descrevi esta primeira parte, recebe um beijo franco deste teu amigo,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 180: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: A Minha Saída...

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Olá Berta,

Continuo hoje o tema de: “A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique”. Rua que amanhã vou ter de abandonar, embora muito contrariado. Para os que por cá continuam vai o meu conselho de que mantenham o maior confinamento que vos for possível. Arranjem maneira de sair o menos possível, coordenado a ida ao supermercado com a aquisição de pão ou a deslocação ao banco, evitando desse modo 3 ou 4 saídas por semana.

Assim sendo, hoje venho dizer-te, com grande tristeza minha, que não poderei escrever-te nos próximos dias. Quando puder tentarei compensar-te com as cartas em falta. Com efeito, estou doente, o problema dura há 3 dias e, finalmente, lá me decidi a ir ao hospital, eu que tenho um pavor genuíno a esse local e a batas brancas, o que é algo que me deixa terrivelmente afetado. Amanhã, pela manhã, darei entrada no hospital São Francisco Xavier.

O meu problema não tem relação com o Covid-19. Tem a ver com dores em barra numa zona no estomago e que pode bem vir a ser, a minha segunda crise de vesícula, ou uma outra infeção qualquer. Os últimos anos têm sido complicados. Há 3 anos uma pedra entupiu-me o canal biliar e só por insistência de um médico estagiário não bati a bota com uma septicémia. Levei 4 meses a recuperar porque o meu médico se esqueceu de me dar o devido tratamento para o fígado, que foi bastante afetado pelo contraste administrado na operação. O ano passado foi a vez do AVC, aliás, 9 no total, num espaço de 6 meses.

Anos antes, muitos até, tive 6 meses em coma, devido a um problema relacionado com a explosão de um petardo na tropa, coisa que foi muito bem abafada pelo exército na altura e que para além da baixa de serviço militar por incapacidade física me deixou um ano e pouco a lutar contra a imobilidade causada pelo acidente e um tempo idêntico a recuperar de um problema de recuperação da fala, depois disso, por 2 vezes, separados por anos, 2 cancros de pele, sendo que o primeiro foi bem mais grave que o segundo.

Em resumo, com alguns azares, e sendo eu um otimista nato, considero tive muito poucos problemas de saúde. No entanto, ir, no meio desta crise, para um hospital, onde provavelmente ficarei internado, ainda me deixa mais inquieto que o normal. Tenho consciência que o meu pavor a hospitais vem do meu internamento no anexo do hospital militar onde passei alguns, muitos, meses, no passado, foi aí que ganhei esta espécie de fobia. Porém, tempos especiais obrigam a procedimentos diferenciados. Não sei bem como, mas parece-me evidente que vou ter de arranjar uma forma de vencer o meu tolo pavor.

Enfim, amiga Berta, deseja-me sorte, vou precisar dela mais uma vez. Podes não acreditar, mas mesmo tendo saído de casa apenas por 4 vezes nos últimos 47 dias, já estou com saudades do meu bairro, da minha rua e da minha casa. Deixo-te com um beijo saudoso, deste teu amigo de sempre,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 179: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: Mini Preço

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Olá Berta,

Cá estou eu de novo para trocar umas palavrinhas contigo. Hoje, que esteve um dia meio estranho, um misto entre princípio de outono e aflorar de primavera, regresso à rúbrica:

” A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique”.

Conforme já te informei, refiro-me à Rua Francisco Metrass, que pelos dias que correm tem tido uma frequência ímpar em termos de gente pelos passeios, afinal, o controlo de clientes dentro dos supermercados, e por aqui são 3, e as farmácias, apenas uma, assim obriga. Se olhares para a foto que te envio verificas que a temática de hoje é dedicada ao Mini Preço.

Se te deres ao trabalho de contar as pessoas verificas que são um total de 18. Sendo que o senhor que, no momento da foto, está na passadeira se encontrava junto aos outros, a sair do supermercado segundos antes. Na mesma altura em que se viam 3 seguranças à porta, que entretanto entraram para dentro da loja, sendo que estes 3 tinham vindo cá fora fumar um cigarro, 2 homens e uma rapariga, todos sem máscara e todos ao molho, bem junto ao grupo de 9 pessoas que ocupa pouco mais de 3 metros quadrados do passeio. Enfim, um péssimo retrato daquilo que deveria estar a ser feito e com os seguranças a dar o exemplo (pena terem escapado à foto pois demorei a apanhar a câmara).

A esta hora num troço de 80 metros, existiam dos 2 lados da rua, 78 pessoas, das quais apenas 9 cumpriam os 2 metros de distanciamento social recomendado. Eu, pessoalmente, deixei de reclamar as cargas e descargas dos camiões de abastecimento, principalmente os do mini preço, a partir das 5 horas e 45 minutos da madrugada. Pelo menos, a esta hora, não se cruzam com as filas da rua. Lá chegará o tempo em que as violações das leis nacionais do ruído voltarão a ter importância.

Entre 15 de Fevereiro e o dia de hoje fui 6 vezes à rua. Principalmente para comprar pão e colocar o Euromilhões no quiosque em frente ao Trigo da Aldeia, onde também me forneço de tabaco. Quanto a mim foram vezes demais. Afinal, um problema de furunculose e os 9 AVCs do ano passado, colocam-me no quadro das pessoas de risco. Estou a pensar seriamente em solicitar o meu pão à Junta de Freguesia e passar a jogar eletronicamente o Euromilhões. Contudo, não tenho que sair mais vezes porque, pelo facto de morar num terceiro andar sem elevador, me vi obrigado a estar sempre abastecido, não vá um AVC impedir-me de ir às compras. Para minha sorte, quando a epidemia apareceu na China eu já tinha comida para 3 meses em casa.

Não deve haver muita gente em que, circunstâncias alheias ao coronavírus, lhes proporcionaram este tipo de abastecimento preventivo. Por isso, para as pessoas de risco, eu recomendo que recorram ao serviço de entregas da Junta.

Como sabes, minha amiga, tenho andado a meter o nariz, onde não sou chamado. Manias de jornalista. Descobri que até ao dia de hoje se realizaram cerca de 55 mil testes ao Covid-19 em Portugal. Tal facto quer dizer que, dos testes efetuados, um em cada 5 tem dado positivo. Isto porque há muita gente a efetuar um segundo e até um terceiro teste. Há medida que chegam mais testes, e se arranjam alternativas para a escassez de reagentes, o número de pessoas testadas aumenta substancialmente. Por exemplo, há oito dias atrás apenas tínhamos pouco mais de 20 mil testes efetuados.

Ultimamente, são realizados diariamente entre 5 mil e 7 mil testes. Um número bem mais confortável do que o que foi praticado até 23 de março. Aliás, este aumento de testes e o elevado número de positivos leva-me a pensar que talvez Graça Freitas tivesse razão quando falou que um cenário de 1 milhão de infetados em Portugal não era um absurdo. Nunca o saberemos porque, provavelmente, nunca chegaremos ao ponto de testar metade da população do país. Mas algo me diz que o número tem pouco a ver com a ficção. Isto é, a situação é mais grave do que imaginamos. Muito mais grave.

Na minha análise, tendo em conta os recursos que temos tido à nossa disposição, obtivemos um excelente rácio de atuação a todos os níveis. Claramente que não possuímos um conjunto de medidas ideais.

Porém, para a riqueza nacional, temos conseguido maximizar o que dispomos e isso dá-me alguma esperança no futuro. Contudo, o espírito de unidade terá de se manter por mais um par de meses, no mínimo, o que não é fácil, nada fácil. Aliás, este prolongar das situações no tempo vai pôr à prova a nossa fibra enquanto povo. As situações económicas de muita gente, a degradarem-se rapidamente, trarão à equação um grave problema de subsistência e são de se esperar alguns focos de revolta.

A pesar de tudo, a minha fé, minha amiga, é que sejam apenas alguns focos e que a situação não se generalize. A acontecer, rapidamente chegaríamos a um caos incontrolável. Daí o meu apelo para que toda a gente mantenha a cabeça fria, mesmo perante o agravar de algumas situações. É imperativo resistirmos enquanto povo uno e solidário.

Com isto me despeço, minha querida, amanhã voltaremos a vermo-nos nestas linhas que te dedico, um beijo deste teu amigo de todos os dias,

Gil Saraiva

Carta à Berta nº. 175: A Minha Rua no Bairro de Campo de Ourique: Go Natural

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Olá Berta,

Como vão as coisas pelo Algarve? O pessoal está sereno? Vai dando novidades. Aqui, pelo meu Bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, as reações parecem estar calmas. Como sabes, moro numa rua com 3 supermercados e uma farmácia. Precisamente na Rua Francisco Metrass, mesmo em frente a um deles, bem na zona onde tudo conflui diariamente.

Ao contrário das outras ruas do país vejo muito mais gente agora, da varanda de casa, no meu terceiro andar, do que via antigamente. Afinal, para conter a quantidade de clientes dentro dos supermercados, as filas são transpostas para a rua. É giro tentar entender comportamentos com base na minha visão privilegiada.

Vamos a alguns exemplos: O Go Natural, da rede verde da Sonae/Continente, nunca tem filas. É, de forma evidente, um supermercado mais caro do que os outros, de nariz empinado, destinado a gente que não tem de contar quanto dinheiro lhe resta a partir do dia 20 de cada mês. O seu ar vegetariano de Greta Thunberg, dá-lhe a irreverência necessária e suficiente para que dele se afaste o povo e boa parte da classe média.

Pergunto-me, muitas vezes, qual é a ecologia existente nos sacos de batatas ou na couve lombarda, vendida por este estabelecimento. Poder-me-ás dizer que são produtos que crescem em solos sem pesticidas e sem tratamentos químicos. Pode ser que sim, mas para acreditar é preciso ser imbuído por um ato de fé.

Não existe nenhum certificado verdadeiramente oficial, pois não estou a falar da mera publicidade de rótulos, na maioria dos produtos que me demonstre que esta seja realmente a regra, mais ainda, a exceção é ver produtos assinalados com esses tipos de certificados de garantia.

Outra dúvida… os ovos ali à venda serão ecológicos porque foram extraídos da galinha por cesariana? Ou o galo esteve a dar apoio e a assistir ao parto? Ou ainda… poderia o galinheiro estar a tocar Vivaldi durante a hora da postura? É que se saíram à mesma do cu da dita não me conseguem convencer com a ecologia. Eu quero lá saber se o que a galinha meteu pelo bico é ou não biológico, interessa-me mais por onde as coisas saem do que por onde entram.

Podes chamar-me atrasado, retrogrado, carnívoro e anti nutricionista, no que à alimentação importa destacar, e até podes ter razão. Porém, o ignorante aqui, continua a considerar a classe dos nutricionistas muito equivalente à dos videntes. A quantidade de vezes que eu já vi, por exemplo, a coitada da sardinha ser corrida da lista dos peixes eleitos na alimentação recomendada, para depois voltar a ser integrada como alimento importante é, por si só, bastante para que mantenha a pequenez do meu raciocínio quiçá atrofiado, nesta corrente de pensamento.

Por último, e porque não quero que a Sonae pense que fui contratado pela concorrência para fazer estas alegadas afirmações, fica aqui o registo que penso o mesmo sobre os supermercados Brio ou dos da marca Celeiro, ou outros de que me esteja agora a esquecer, mas que pratiquem o género que descrevi.

Mais que tudo, o que me irrita é o rótulo elitista que se desenvolveu, na nossa sociedade, para quem consome produtos biológicos, para quem é vegan ou vegetariano e para quem consulta um naturista, um homeopata ou nutricionista como quem consulta o oráculo. Todos temos o direito de optar por estes caminhos ou não, e, a carteira, não pode nunca ser um fator de exclusão.

Quem entenda e ache por bem aderir, está no seu direito de o fazer. Para além disso, o facto de eu não ser um dos adeptos da nova moda, pelo menos enquanto tiver caninos, não pode fazer de mim alvo do fundamentalismo quase religioso que graça neste universo puritano.

O outro dia, antes desta crise do coronavírus, numa conversa de café, uma jovem de 29 anos, levantou-se gritando impropérios, de dedo em riste, contra mim, como se eu fosse o novo Anticristo, ou algo assim, por me ter ouvido dizer, à mesa do estabelecimento, que achava que tudo não passava de uma questão de moda. A jovem não só me chamou de animal, facto que considerei um elogio, como fez considerações sobre a minha mãe que me ofenderam.

Apenas um aparte, amiga Berta, sem alarmismos idiotas, mas tentando ser realista, lembras-te da minha previsão para o fim do mês de abril, com maior probabilidade para inícios de maio no tocante ao pico da pandemia em Portugal? Pois bem, contrariamente ao que tinha sido anunciado por Marta Temido, agora é a própria DGS a falar no princípio de maio. Acontece que começaram a falar num planalto em vez de um pico, veremos, contudo, eu corrijo já hoje as minhas previsões de um pico no começo de maio para meados do mês de maio e, além disso, não vejo planalto algum, mas isto sou eu a fazer análise com os dados que tenho, afinal, sou apenas um jornalista.

Outra previsão é que, no final da próxima semana teremos cerca de 10 mil 670 infetados, no mínimo, isto já no próximo dia 4 de abril. As ARS do país não estavam a conseguir incluir todos os casos confirmados dos hospitais, isso e o acréscimo dos testes, vai levar ao aumento, em 7 dias, a mais de 150% o número de casos em Portugal. Espero mesmo estar enganado.

Amanhã continuarei a abordagem da minha rua, nesta análise aos estabelecimentos que, por estes tempos, dela fazem, a Rua Augusta do bairro. Quanto à temática de “Os Segredos de Baco”, a ela voltarei oportunamente, para não parecer que ando a fazer lobby ao setor. Recebe um beijo deste teu fiel amigo, que não se chama bacalhau, nem é ecológico,

Gil Saraiva

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