Carta à Berta nº. 657: A minha crise de Abastecimento
Olá Berta,
Diz o povo que “não há fome que não dê em fartura”, mas hoje eu diria algo um pouco diferente, talvez… “não há fartura que não termine em fome.” Como tu bem sabes, minha cara, eu moro em Campo de Ourique, na rua Francisco Metrass, exatamente entre 3 supermercados. Na minha frente, à esquerda, tenho o “Pingo Doce”, e à direita o “Go Natural” da cadeia Continente e do meu lado direito, a pouco metros de mim, fica localizado o “minipreço”, ou seja, vivo no meio de uma fartura de locais onde me abastecer sem ter que andar muito.
Acontece que acordei recentemente, amiguinha, para uma realidade surreal. Na porta do Pingo Doce foi colocado um cartaz a avisar os utentes de que o supermercado entra em obras de remodelação já nesta segunda-feira, dia 5 deste fevereiro, e não consta qualquer previsão de duração dos trabalhos.
Já o Continente chegou à conclusão que o Go Natural da Francisco Metrass não era rentável e fechou as portas em definitivo no passado dia 31 de janeiro. Repentinamente, sem saber ler nem escrever, querida confidente, vi 2 das 3 opções que tinha deixarem de me prestar serviços. Ora eu, que estou sempre a reclamar com os camiões de abastecimento que começam a chegar à rua às 5 da manhã, desta vez, não achei graça nenhuma às novidades.
Estava a contar este relambório ao dono do minipreço, que tem o franchising da marca aqui na rua, e o sujeito começa a rir-se para mim. Diz-me então que também eles vão fechar porque a marca foi comprada pela Auchan e vai ser preciso fazer a remodelação e troca de produtos. De sobrolho franzido, minha querida, perguntei para quando estava prevista essa operação e ele, ainda a rir, diz-me que é uma questão de poucos dias, mas que ainda não sabe ao certo. Só vai saber mesmo em cima da hora, com um aviso de 2 ou 3 dias.
Berta, tu achas isto normal? Porque eu não acho bem passar da fartura em opções de abastecimento, para ter de me deslocar 3 quarteirões para fazer as compras do dia, da semana ou do mês. Não me parece nada bem este esvaziar da minha rua em termos de supermercados. Verdadeiramente considero um atentado grave ao meu conforto e ao acesso aos bens elementares da minha estabilidade alimentar.
Eu sei que te vais rir e dizer que tenho muitas opções num raio de 500 metros, mas 500 metros é 20 vezes mais longe do que aquilo que até agora eu tinha. Nem me venhas com a história de que andar me faz bem, que na minha idade… blá blá, blá. Já estou até com nostalgias das chegadas dos camiões às 5 da manhã. Eu sei que estou a olhar apenas para o meu umbigo, mas não é o umbigo que se está a queixar é mesmo a minha pança ou bandulho e não tarda serão as minhas pernas. Tu não tens pena de um pobre desgraçado é o que é e… e para de te rires. Beijos,
Gil Saraiva