Desabafos de um Vagabundo: Série Romance - A Felina - Noites de Lua Cheia - 55
Para a Felina era uma situação muito complicada. Agir precipitadamente de momento poderia deitar tudo a perder. Estava na altura de a gata tirar umas férias e deixar Íris começar a arrumar, um pouco a casa. Aquele era o momento ideal para reatar a assessoria com a Polícia Judiciária. Pegou no seu telemóvel e ligou para Carlos Farelo. O Diretor Adjunto não atendeu. Nem cinco minutos depois o telemóvel tocou, era o seu adjunto.
― Olá Íris, ainda é cedo para me convidar para o São Martinho. Ainda hoje é dia um, corrijo dia dois de novembro, pois já passa da meia-noite… ― proferiu o homem da PJ. ― Já podemos comer castanhas, mas para o dia ainda faltam mais nove. A que devo a honra?
― Gostava de saber se a Judiciária mantem o convite para a assessoria ou se este já caducou. Pode-me informar? ― questionou Íris, sem adiantar muito mais.
― Claro que se mantém. Tenho aqui o contrato preparado comigo. É só pôr a data do dia de hoje e dar aí um salto a sua casa para a minha querida assinar. Isto hoje está mau, ninguém dorme, aqui na PJ anda tudo à procura de pistas. ― esclareceu Farelo. ― Quer que passe aí? Ou deixamos para amanhã?
― Preferia vê-lo hoje. Se isso não fosse inconveniente. Acabei de ver as notícias do dia, pela primeira vez, sabe… tenho estado emersa nos meus estudos e só agora tomei conhecimento dos assassinatos. ― esclareceu a jovem. ― Preferia resolver isso já esta noite. Mas veja lá, não quero estar a empatar.
― Desde quando é que, a minha querida, empata? Até lhe digo mais, para me estar a ligar quer-me parecer que viu as notícias e já tem uma ideia bem fora da caixa, sobre os crimes. Enganei-me? ― quis saber Carlos Farelo.
― Não e sim. ― disse a rir, Íris, e continuou. ― Não se trata bem dos crimes em si. Para já é apenas um detalhe. Nem sei se ajudará, contudo, poderá trazer mais alguma luz ao problema. Depende do que o Senhor Diretor achar…
― Vou gostar. Vou já para aí. Está na Rua de São Bento? ― indagou.
Íris estava contente com aquele diálogo. Ainda a tinham em consideração.
― Estou sim. Desde Jô Muttley tenho ido muito pouco à casa de família. ― esclareceu a rapariga.
― Isso é compreensível. Mas tudo passa com o tempo. Para me estar a ligar hoje, é porque também já pôs para trás das costas o nosso ex-coordenador superior e atual Intendente da PSP. Às vezes há coisas que custam a digerir, mas a digestão acaba por se fazer… ― vaticinava o Diretor Adjunto.
― Superintendente, meu caro Diretor. O Vítor já é: um Superintendente. ― informou a jovem.
― Ah, sim? Não me diga. Essa eu não sabia. Aquele rapaz sempre foi estranho. Vai buscar forças às adversidades. É capaz de tudo e mais umas botas para sair por cima. Muito me conta. Olhe, vou sair, levo o contrato, que só falta pôr a data e assinar e vou já para aí. Este agora tem um aumento de vinte e cinco porcento, não quero perdê-la novamente. Até já. ― disse despedindo-se Carlos Farelo. Ele sabia que a jovem tinha alguma ideia nova.
Nem vinte minutos depois, quando Íris lhe abriu a porta, o homem sorria de orelha a orelha, abanando na mão direita o novo contrato. Parecia bastante satisfeito mesmo, por a rever. Sentaram-se, logo depois da troca de um beijinho informal, e Íris assinou o novo contrato depois de terminar a sua leitura. Até as condições tinham melhorado e não só o pagamento. O documento vinha assinado por Luís Navas e estava datado com o início a começar a um de novembro de 2022. Ficou com a sua cópia e devolveu a outra ao Diretor Adjunto.
― Diga-me, Senhor Diretor Adjunto, os seus… ― ela não conseguiu terminar. O homem interrompeu-a de imediato dizendo:
― Não, não. Deixe lá o Diretor Adjunto para situações em público, oficiais ou na presença de desconhecidos. Para si basta Carlos e espero que para mim chegue Íris. Chega?
― Claro que sim. Gosto disso, tenho uma grande admiração pelo Carlos. É uma honra esse novo tratamento menos formal. ― disse a rapariga contente com a novidade.
― Ora então, o que me ia perguntar, Íris? ― quis saber Carlos.
― Queria saber se os laboratórios da Polícia Judiciária ainda estão abertos, hoje, a esta hora? ― indagou a jovem.
― Estão sim, excecionalmente, é claro, mas é um facto, por causa das peritagens decorrentes dos assassinatos. Mas para que quer a menina saber isso? ― questionou o Diretor.
― Como o Carlos sabe eu sou especialista em Antiguidade Clássica, com uma série de valências associadas e estou habituada a ter que fazer ou mandar realizar peritagens a imensos itens. No que concerne a este caso eu acho que deviam ser feitas peritagem às medalhas da Felina que estão na Polícia de Segurança Pública e o mesmo à medalha encontrada no cadáver da Secretária de Estado. ― elucidou a rapariga, fazendo uma pausa.
― Peritagens? Mas que peritagens há para fazer? São ambas de cobre revestido a verniz, têm imagens nos dois lados precisamente iguais e as mesmas inscrições. Que raio de peritagens é que há mais para se fazerem? Conte-me lá… ― questionou Carlos Farelo, sem entender onde a jovem queria chegar.
― Com efeito, podem efetivamente ser iguais, e o assunto fica arrumado, mas eu acho que são totalmente diferentes. Estive a ver ambas ampliadas no meu computador, e a do cadáver parece-me que foi criada através de um molde das originais. Mas mesmo que a diferença seja de alguma distorção provocada pela deficiente qualidade das imagens online, há ainda a possibilidade de analisar a composição química de ambos os vernizes e a composição do cobre em cada uma delas. Embora o cobre usado em fios elétricos seja muito igual entre si, devido aos processos de purificação para o tornar mais condutor, o cobre dos artefactos não sofre o mesmo tipo de purificação. É claro que o processo de purificação do cobre é extremamente necessário na metalurgia, já que esse metal apresenta uma excelente capacidade de conduzir corrente elétrica e, por isso, é muito utilizado na produção de fios de eletricidade... ― explicava Íris, tentando ser clara.
― O que me está a tentar dizer, minha querida? ― Carlos, precisava saber onde ia parar aquela aula sobre o cobre.
― Estou a dizer que temos que analisar também o cobre. ― disse ela.
― Mas analisar o quê? Depois de purificado, o cobre é apenas cobre, certo? ― questionou Farelo.
― Não, Carlos. Infelizmente, não existe na natureza cobre puro, o que possibilitaria a sua utilização imediata. Na realidade, o cobre é encontrado em uma série de diferentes minérios, como a calcopirita (CuFeS2), calcocita (Cu2S), bornita (Cu5FeS4), enargita (Cu3AsS4), além de ouro e prata. Ora, para os artefactos, a purificação do cobre não é a mesma do que para os fios condutores. Ela é feita de forma mais barata porque a necessidade na sua utilização é diferente... ― esclarecia a jovem.
― Sim, e… ― quis saber Carlos.
― Quer isto dizer que uma moeda de cobre pode ter outros minérios associados na sua confeção. Com base na análise química de ambas as moedas até é possível saber se ambas vêm da mesma mina ou região do mundo. Dito de outro modo, uma moeda de cobre, aparentemente igual a outra, pode ter origem mineral completamente diferente. Quero eu dizer que se mandar testar a composição química de quatro ou cinco moedas que estão na polícia e elas tiverem a mesma composição química é porque o cobre vem todo do mesmo lugar e até consegue saber se veio do Brasil, do Chile, da China, da Mongólia ou de Portugal. ― Íris, explicava, argumentando com todo o cuidado para ser entendida.
― Ou seja, se a moeda do cadáver for igual às outras então de certeza que existe uma imensa probabilidade de a assassina ser a Felina, se for de uma composição diferente e vier por exemplo de um país distante de onde vieram as outras, então trata-se de uma falsa medalha e é possível que alguém esteja a tentar incriminar a pantera negra. É isto, minha querida amiga? ― Farelo, concluíra o raciocínio de Íris. Teria sido certeiro?
― Era isso mesmo que eu ia dizer. Só há mistério ou culpa da gata, se todas as moedas forem iguais e o metal vier todo do mesmo local… ― terminou satisfeita a jovem.
― Já estou a tratar do assunto. ― Carlos ao telemóvel mandava analisar quatro moedas salteadas das da polícia e, à parte, a do cadáver.
(continua) Gil Saraiva