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Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

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Desabafos de um Vagabundo: Série Romance - A Felina - Noites de Lua Cheia - 52

A Felina - 52.jpgNo caminho, a pensar que era bom não fazer nada quando não lhe apetecia, sentiu-se uma privilegiada Em Portugal, haveria muito pouca gente a poder agir assim. Enquanto conduzia lembrou-se que não pedira os três símbolos do Jaguar no carro. A cabeça em letras pretas e cromada na grelha, o animal em relevo lateral cromado nas traseiras e o jaguar cromado em três dimensões, a saltar, no capô.

Ligou para a Carclasse e avisou o Diretor Comercial. Dois deles já vinham de origem, disso ela podia estar descansada, quanto ao do capô eles tinham em stock e iram coloca-lo com muita honra. Ela que estivesse descansada, nem teria de pagar esse acrescento. A Carclasse tinha todo o prazer em oferecê-lo. Se ela quisesse até podia instalar o dispositivo que permitia a recolha do símbolo do capô, para o seu interior, evitando roubos. Eles tinham uma grande equipa pronta para trabalhar assim que as peças chegassem, não seria esse o problema, nem o atraso. Íris, agradeceu simpaticamente e aceitou a sugestão do processo antirroubo.

Ainda no trajeto, a rapariga ligou para a sua oficina de confiança, mais um daqueles a quem ajudara no passado, e perguntou ao dono se era possível mudar os emblemas traseiro e da grelha de um jaguar através de um qualquer tipo de chapa rotativa comandada de dentro do carro, num ela queria que se lesse a palavra jaguar e ativando o botão que este fosse trocado para um logo sem letras. O homem disse-lhe que sim, levava para aí uma semana, mas ficava um trabalho perfeito. Íris agradeceu.

Finalmente, estava a chegar à quinta. Passou o portão, vestiu-se de Felina, depois de estacionar na berma, logo a seguir à primeira curva do lado esquerdo da estrada e já virada em sentido contrário. Conferiu se não via ninguém, deu uma corrida até à sua árvore de eleição e chegou ao cimo do muro do terreno do solar.

Um movimento no interior obrigou-a a esconder-se na árvore que acabara de trepar. Em cima do muro podiam vê-la. Viu dois homens em direção a uma escada que estava encostada ao muro para lá do portão. Ambos tinham rostos fechados e cabelo cortado a pente um. Pareciam ser gente de Leste. Não entendia tudo o que diziam, mas tinha a certeza que falavam russo.

A língua russa não era uma das especialidades de Íris. Entendia o suficiente para compreender o significado de uma frase, mas não tinha domínio da língua para a falar, pelo menos fluentemente. Várias vezes entendeu o nome Kalinka, mas não o contexto. Aquilo era o nome de uma famosa canção russa, mas não lhe parecia haver enquadramento no contexto das frases. Também não entendia o que fazia dois russos, de escada às costas ali dentro da quinta. Tinha que entender o que se passava.

O segundo homem a subir puxou, com a ajuda do primeiro, a escada para cima e colocou-a do lado de fora do muro. Foi aí que ela reparou no Skoda Octavia Break RS 2.0TDI, de cor branca, do outro lado da estrada. Aquilo era carro para ter custado mais de cinquenta mil euros até porque a matrícula era recente. Vestiam sem gosto, mas eram dois tipos secos e altos, de estilo militar. Toda aquela envolvência era estranha, muito estranha.

Os fulanos desmontaram a escada de harmónio e prenderam-na no tejadilho do carro. Estavam a entrar para a viatura quando uma carrinha passou por eles na subida da ladeira. Não só ambos não entraram logo, como ficaram a ver se a carrinha parava ou se fazia algo suspeito. Só quando confirmaram que não, é que entraram no Skoda e partiram em direção da Malveira da Serra. Pararam uns metros à frente para prenderem melhor a escada que tinham colocado no tejadilho, voltaram a entrar e não pararam mais.

A Felina confirmou que tinha a costa livre e desceu para a estrada. Tirou o fato no carro, guardou tudo e desceu a colina de volta a Lisboa. Uma vez na capital, decidiu ir almoçar ao restaurante “O Madeirense”, no Amoreiras Shopping. Apetecia-lhe umas lapas grelhadas com limão, um filete de peixe-espada com banana e maracujá e uma maçã assada com Vinho da Madeira, à noite ia comer carne.

Finalmente despachada rumou a casa. Estacionou o Dácia na garagem e subiu pelo elevador ao primeiro piso. Foi buscar um digestivo e sentou-se ao computador no seu quarto secreto. Ora, ela ouvira Kalinka, nas primeiras páginas do Google apenas lhe apareciam coisas sobre a música russa. Todavia, quando passou para a imprensa online deu logo com uma notícia do JN, sobre a Máfia russa do Porto, autodenominada de Kalinka. Era isso!

Para ela a Máfia russa devia estar à procura de poiso na capital. Depois de investigar mais um pouco descobriu que a quinta estaria à venda em hasta pública brevemente. Tinha de estar atenta. Aquele pessoal quereria por certo ocupar as posições de Jô Muttley, ou pelo menos parte delas. Bonito serviço. Se tudo aquilo tivesse ficado sem ser badalado na televisão provavelmente os mafiosos não saberiam tão cedo que havia um lugar a ocupar. Iam mudar as moscas, mas a merda continuaria a mesma.

Como sempre ninguém pensara que anunciar com aquele espalhafato o fim de uma enorme rede mafiosa iria atrair fregueses indesejados prontos para a substituírem. Era triste, às vezes achava que vivia num país de galarós idiotas. Os culpados da Kalinka vir para a capital eram eles.

Todavia, outra notícia tinha mais informações sobre a Kalinka, segundo outro artigo do JN a Kalinka fazia parte do Grupo Wagner, os assassinos privados ao serviço de Putin, que tinham estado na linha da frente na guerra na Síria e que lideravam as hostilidades russas na guerra na Ucrânia. A Kalinka era o braço mafioso do grupo terrorista e estava espalhado por toda a Europa. E agora, graças à PJ e ao Governo, vinham-se instalar em Lisboa. Aquilo tirava-a do sério. Cambada de gabarolas.

Ela ia ter que prestar atenção redobrada dali para a frente. Não os podia deixar levantar muito a garimpa. Aquilo era outro nível de mafiosos e com outro treino. Algo como uma divisão principal. Mais uma vez a Felina agradeceu ao seu instinto de predador, porque tinha de ser na altura exata em que decidira ir visitar a quinta que os russos haviam de lá estar? Ela não sabia explicar, mas tinha sorte, muitas vezes com aqueles seus repentes, mais, muito mais do que seria normal acontecer.

Isso ia implicar que teria de voltar a assinar a assessoria com a Polícia Judiciária, mais dia menos dia. Ela ainda nem descansara devidamente. Enfim, faria o que fosse preciso. Mas não ia poder estar parada por muito tempo. Agora, o que lhe apetecia mesmo, era um gelado da Santini de Cascais, a geladaria mais badalada da zona metropolitana de Lisboa. Novamente meteu-se no carro. Desta vez com destino para o número cem da Alameda dos Combatentes da Grande Guerra na baía de Cascais.

Íris, não dera pelo passar do tempo em Cascais. O fim de tarde estava maravilhoso e ela andara a ver montras, vira malas, jeans e sapatos, muitos sapatos. Porque gostaria ela tanto de sapatos? Não sabia bem, mas era quase uma doença. Não precisava de comprar sapatos, mas a temática não podia ser discutida sobre o precisar ou não. Era muito mais, isso sim, o ter que ter ou não aquele ou outro par de sapatos.

Regressou a casa, foi mudar de roupa para a noite e finalmente arranjou-se para sair. Ao preparar-se para entrar na Rua de São Bento, vinda da garagem e, ao olhar para a direita, viu à porta principal do seu prédio, sentado no chão, o surfista desgrenhado da noite anterior. O seu táxi devia estar a chegar. Fez-lhe sinal, o homem voou pelo passeio e veio ter com ela com um sorriso de orelha a orelha. Pelos vistos este gostara do que comera.

Com a chegada do táxi, e com o seu surfista atrás, foi um instante em que chegaram ao representante da Jaguar. Íris, olhou para as horas, nem meia hora demorara, faltavam dez minutos para o fim do prazo. O Diretor Comercial vi-os chegar e veio ao encontro da cliente. Na mão trazia o comando da viatura. Estavam a terminar apenas a limpeza final. O seu chefe de oficina estava a chegar com a viatura. Não devia demorar muito.

Realmente, uns três minutos antes do final do prazo combinado o homem entrou com a viatura. Ambos estavam à espera de uma inspeção rigorosa por parte de Íris, contudo, ela sorriu e disse que quem cumpria o que prometia, não erraria depois disso nos detalhes. Dizendo de outra maneira, insistia, tinha agora total confiança na Carclasse. Não seria necessário e muito menos preciso fazer qualquer verificação.

Só faltou meter um babete por debaixo do queixo do Doutor Henriques Figueira. O homem estava delirante com o elogio à empresa.  Até o Jaguar se fazer à estrada o homem disse e repetiu umas dez vezes que estavam ali para o que fosse preciso. Qualquer coisa que a Doutora Íris Vasconcelos precisasse bastava ligar. Se não tivesse acontecido ele próprio tinha dúvidas que o que tinham realizado seria possível. No entanto, o impossível acontecera afirmava a rapariga e ela tinha muito orgulho, afirmava sorrindo, de ser cliente de uma empresa que consegue o impossível.

Rumo à Malveira da Serra o surfista foi fazendo perguntas sobre aquela última conversa e ela lá foi descrevendo a história por entre as exclamativas admiradas do desgrenhado morenaço. Sem vir a propósito a jovem perguntou-lhe:

      ― Olha lá, e tu estás à espera do quê para me dizeres o teu nome? ― quis saber Íris.

     ― O meu nome é Ricardo Melro Miranda, tenho uma pequena empresa de distribuição. Faço serviços de distribuição de mercadorias em Portugal e no Brasil. ― respondeu o surfista e prosseguiu. ― Consigo gerir as operações todas por telemóvel. A vida é bela.

Depois prosseguiu esclarecendo que também tinha dois excelentes diretores comerciais e dois ótimos gestores de frotas. Uma dupla em Portugal e a outra dupla no Brasil. Porém, ela que não pensasse que ele era rico, pois não era. Vivia bem, esclarecia, normalmente quase que só fazia o que queria. Mas ainda estava longe de não ter que trabalhar.

Enquanto lhe era possível ia tentando aproveitar a vida. Porém, tivera sorte, herdara algum dinheiro e investira na distribuição. Começara com três camiões, hoje tinha quarenta e sete. Dezasseis em Portugal e trinta e um no Brasil. A camionagem no Brasil era mais rentável que em Portugal. No entanto, graças à pandemia, tinha conseguido crescer bastante no país, principalmente com os transportes de longo curso, em viagens à Alemanha e a Inglaterra, na maioria dos casos.

Chegados ao Restaurante Estrela da Serra, o surfista atacou uma gigante espetada de carne de vaca e camarão. Ela preferiu um tornedó fabuloso, de fazer água na boca só de olhar.

A noite acabou uma vez mais na cama, no duche, em cima da mesa da sala de jantar, na cozinha, aqui e ali, onde calhava e foi uma verdadeira loucura. Era evidente para Íris que o rapaz se entusiasmava com ela. Estava constantemente a inventar disparates eróticos para fazerem e divertidíssimo por a ver alinhar nas suas fantasias. Quando acordou, no dia seguinte, estava, como na primeira vez, a dormir sozinha.

 

(continua no Capítulo XIII) Gil Saraiva

 

 

 

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