Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Alegadamente

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

Este blog inclui os meus 4 blogs anteriores: alegadamente - Carta à Berta / plectro - Desabafos de um Vagabundo / gilcartoon - Miga, a Formiga / estro - A Minha Poesia. Para evitar problemas o conteúdo é apenas alegadamente correto.

Desabafos de um Vagabundo: Série Romance - A Felina - Noites de Lua Cheia - 39

A Felina - 39.jpgOra, Íris, tinha muito respeito pelas diferentes polícias do seu país. A ser apanhada, algum dia, teria de ser em Portugal. Isso era ponto assente. Riu-se de si mesma. Ela não ia ser presa por ninguém. Estava com pensamentos tolos. Essa agora. Tinha era que terminar aquele golpe. Olhou para as horas e achou que já era tempo de voltar ao trabalho.

Precisava de ir espreitar como é que estavam as coisas para os lados da Polícia Judiciária. Sentada ao computador voltou a entrar na base de dados dos seus perseguidores. No que dizia respeito a ela estava tudo na mesma. Todavia, notava-se um elevado aumento de crimes ligados às dificuldades económicas de muita gente. Os setores mais atingidos eram a classe baixa e uma boa franja das classes médias. Achou que havia gente demais com dificuldades no dia-a-dia, ia ter que tentar dar uma ajuda, fazer algo mais relevante. Nos próximos dias veria como poderia agir.

Íris, acordou com o Sol a entrar-lhe pela janela. Na noite anterior não baixara as persianas como habitualmente. Porém, fora propositado. Acabara por, graças ao vinho tinto, deitar-se mais cedo e com isso ao fim de oito horas estava mais do que desperta. Tão acordada estava que se pôs a pé quase dez minutos antes do despertador tocar.

Eram sete e meia da manhã já ela se encontrava à porta de casa da Dona Hermenegilda, à espera que esta regressasse do museu. Quando a viu chegar achou-a cansada. A mulher, se tinha quarenta anos era muito, mas hoje parecia ter perto de cinquenta. Vinha extremamente cansada. Contudo, acumular dois turnos tinham esse tipo de consequências. Tirou a sua sacola grande, ainda sem os dois livros do museu no interior, e juntou-se à outra à porta do prédio. Entraram ambas, com a outra na dianteira. Já na salinha de visitas a cansada senhora afirmava que o conhecimento era pesado. Dez quilogramas garantia-lhe a doutora, talvez um pouco mais, com o peso do próprio carrinho de compras.

Enquanto a dona da casa foi fazer um café para ambas, Íris, abriu os fechos laterais do carrinho, retirou a barra embrulhada no cascol, passou-a para a sua sacola e tirou a caixa preta do carrinho. Antes do jantar, garantiu que voltaria ali com os livros, depois de fotocopiar o que precisava.

A simpática empregada de limpeza, que não assistira à retirada da barra de ouro e do cascol do carrinho, dizia-lhe que não custara nada. O segurança nem se lembrara de espreitar para o carrinho. Muito menos o da noite se lembraria disso, quando ela voltasse para o primeiro de dois turnos, entre as cinco da tarde e o segundo até às sete da manhã, quando terminaria. Com o festival a decorrer as preocupações deles eram outras. O que a incomodara, na noite passada, fora, isso sim, a quantidade de polícias e inspetores da Judite que tinham andado a vasculhar o museu e o jardim. Por sorte, a ela, ninguém incomodara.

A jovem fez cara de quem estranhava a segurança extra. Indagou até se a outra soubera o porquê. A senhora da limpeza disse logo que tinha questionado um dos seus amigos da segurança. O homem dissera-lhe que a Judite estava desconfiada que a Felina pudesse aparecer. Um verdadeiro disparate defendia ela, toda a gente sabia que a sua gata só roubava ouro e dinheiro roubado.

      ― Sua gata, Dona Hermenegilda? Não estou a entender… porquê sua? Hum…― a mulher corou, depois com um encolher de ombros lá explicou.

      ― É que a Felina já me ajudou duas vezes, a última no dia ontem. Deixou-me mais uns milhares de euros na caixa do correio. Não entendo como é que ela sabe sempre que eu me sinto aflita… ― vendo um certo ar de dúvida no rosto da doutora, a outra levantou-se e voltou com a mão fechada e um sorriso que a fazia quinze anos mais nova.

      ― O que tem nessa mão, minha amiga? Pelo sorriso do seu rosto parece que trás o Sol guardado nesse punho cerrado, mostre lá, é para eu ver, não é? Hum... ― interrogou, com ar de intrigada, Íris.

      ― É, sim! É… ― começou a dizer a simpática mulher orgulhosamente, abrindo a mão e mostrando a moeda da Felina. ― É a prova de que, quando digo minha gata, eu estou a falar da minha amiga Felina. Ela olha por mim e muito atentamente. A polícia pode virar a minha casa do avesso, que nunca descobrirá onde a tenho guardada.

      ― Uau! Nunca pensei que isso fosse verdade. Achava que isso de a Felina ajudar por aí era um mito urbano… ― retorquiu, divertida, Íris.

      ― Nada disso. É a mais pura das verdades. Olhe, só eu, que não passo de uma pobre de uma mulher a dias, já conheço mais sete pessoas que foram ajudadas por ela. Todos casos sem solução e a todos eles ela deu a mão. Estamos a criar uma rede daqueles que foram bafejados pela Pantera Negra. O senhor Januário, que é o dono da livraria aqui da zona, diz que já contactou com mais de quinhentas pessoas. Todas elas ajudadas pela gata mais linda do mundo… ― a mulher não se calava, de tanto entusiasmo. ― Ele estava a criar a Irmandade da Pantera Salvadora. Um dia, quando ela precisar de nós, estaremos prontos para a ajudar. Pode escrever o que eu lhe digo.

Uma lágrima de agradecimento e ternura correu pela face da jovem. As palavras da outra tinham-na emocionado. Levou a mão ao bolso da camisa, retirou-a fechada do tecido e estendeu-a, enquanto a abria, em direção à outra. Na sua palma estava uma das moedas de cobre da pantera. Apenas teve tempo de dizer:

      ― Até eu, Hermenegilda, nem sempre fui doutora. Aos dezassete anos fiquei só e sem família. Sem a Felina, não era ninguém.

Ainda nem acabara de falar já a amiga se lançara sobre ela, num pranto estranho de dor e alegria. A Doutora também? A mulher soluçava enquanto lhe contava que sem a gata seria uma mãe sem filho. Mais uns soluços e a mulher indagava se podia dar o nome e a morada dela para a I.P.S.. Claro que podia respondia a gata.

      ― Eu bem que tinha um instinto de que a devia ajudar. Não me enganei nem um pouquinho. Ó meu Deus! Estou tão feliz, mas tão feliz. A menina nem imagina… ― repetia a senhora da limpeza com um brilho intenso no olhar.

      ― Tem aqui o meu cartão. Também conheço muita gente que já foi ajudada pela pantera. Diga ao senhor Januário que eu depois lhe entregarei, através de si, uma lista com o tamanho da dele. Pode é já haver gente repetida. Acho boa ideia essa Irmandade. Mas ele terá de pedir autorização a todos antes de os incluir na lista. Não sei, mas pode haver quem não queira aderir… ― explicava, ainda emocionada, Íris.

      ― Claro, claro, menina Íris. Eu explicarei tudo direitinho. Ó meu Deus! Estou tão contente… ― subitamente parou de falar, um pouco constrangida. ― Desculpe, Doutora Íris, tê-la chamado por menina, não foi por mal.

      ― Pode tratar-me sempre por menina que eu gosto. Esqueça lá o Doutora. Menina, faz-me esquecer que estou a três anos de fazer trinta, Ah e peço-lhe desculpa por ter chamado à Felina de mito urbano, tenho sempre receio de falar demais… ― disse, sorrindo, Íris.

A jovem deixou-se ficar ali na conversa mais um pouco. A outra dizia-lhe que ela fizera bem em disfarçar, nem sempre sabemos se podemos confiar em quem anda por aí. Por fim, a rapariga, saiu dizendo que ia tratar dos livros, o mais depressa possível, para ela os colocar na sua secretária, para que não dessem pela falta deles. Com os dois turnos de Hermenegilda era arriscado deixá-los na rua até sábado à tarde. Com as cópias Íris já conseguia trabalhar. Esta concordou, realmente com os turnos assim, era melhor se a amiga trabalhasse a partir das cópias e ela pusesse os livros no sítio.

Eram quatro e meia quando Íris tocou novamente à campainha de Hermenegilda. Entrou com os livros assim que esta abriu. Meteu-os na caixa e pediu à outra para quando tirasse os livros da mesma e os colocasse na sua secretária, desfizesse a embalagem e a deitasse fora, mas misturada com o resto do lixo dos outros escritórios e gabinetes. Esta disse-lhe que ficasse descansada.

Quando Íris entrou no seu gabinete às sete da tarde, viu, onde esperava ver, os livros. Tirou-lhes as chapas de aço que serviam de pesados marcadores e colocou nas gavetas da sua secretária os dois volumes do projeto já copiado na papelaria “Entre As” em Campo de Ourique. Ainda deixara uma terceira cópia do relatório em sua casa, pois também queria guardar o trabalho, de que fora autora, consigo. Quanto aos livros, já sem os pesados marcadores, foi entregá-los na biblioteca. Acabou oferecendo os marcadores especiais à bibliotecária do museu que lhe gabou imenso aquela sua invenção para evitar dobras nos livros em consulta, que exigissem mais cuidado.

Como tinha marcado mesa no restaurante do museu, decidiu ir jantar.

 

(continua) Gil Saraiva

 

 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Em destaque no SAPO Blogs
pub