Carta à Berta nº. 243: Vivências em Campo de Ourique - A minha Junta de Freguesia
Olá Berta,
É fácil criticarmos o que os outros fazem. Mais ainda se não pudermos ou quisermos fazer nós aquilo que criticamos, para demonstrar as diferenças entre o que se apresenta feito e realizado e o que nós poderíamos alcançar e que convictamente produziríamos.
A Junta de Freguesia de Campo de Ourique
Dito isto, só porque não existe como demonstrar como se faria melhor, na prática, porque na teoria todos somos muito bons, isso não impede a existências de críticas. Ainda mais, como é este meu caso de hoje, quando a crítica recai sobre uma entidade pública e, ainda por cima, quando esta foi eleita pelo voto das pessoas. Estou a falar concretamente da minha Junta de Freguesia.
Esta minha Junta é bem maior que muitas Câmaras do país, em termos populacionais, tendo apenas 1,65 Km quadrados de área, com um orçamento anual superior a muitas vilas e cidades portuguesas, algures na casa dos milhões de euros. É, aliás, a Junta que maior densidade populacional tem em Lisboa, a capital e a maior cidade deste país em que vivemos.
Faz hoje um mês que a Junta de Freguesia de Campo de Ourique publicou um Edital. Sobre ele tenho a tecer alguns comentários. Aliás, não é bem sobre ele, mas é mais a propósito da sua existência e contexto. Em si, ele reflete na Freguesia as medidas relacionadas com o Estado de Calamidade e toda a situação em volta do Covid-19.
Lido o Edital ficamos a saber o que funciona ou não no que às atividades relacionadas com a Junta, ou com projetos e espaços onde a mesma intervém, diz respeito. Como comunicado cumpre a sua função cinzenta, grave e institucional, ou seja, não há nada a dizer. Muito menos a criticar quanto à forma ou ao conteúdo. Podes lê-lo se tiveres interesse pois está online na página oficial da freguesia.
Então porque estou eu a falar dele? Tem a ver com o seu enquadramento na página principal, a usual “homepage” da Junta de Freguesia. Neste que é o Órgão de poder mais próximo de mim, cidadão e residente no Bairro de Campo de Ourique. Tem a ver com o restante conteúdo desta página. Da esquerda para a direita encontramos, sequencialmente, o Edital, seguido de uma publicação institucional relativa ao Coronavírus, depois vem o apoio domiciliário aos maiores de 64 anos ou portadores de 60% ou mais de deficiência e termina com a publicidade narcisista às revistas alegadamente mensais da Junta.
Abro aqui um parenteses para louvar a forma correta e absolutamente eficaz com que o serviço de apoio domiciliário tem estado a operar em Campo de Ourique. Funciona de segunda a sexta-feira, entre as 9 e as 18 e faz entregas de compras de supermercado (só trabalha com o Pingo Doce) ou de farmácia ao domicílio. Bem coordenado, boa distribuição, pessoal simpático na receção telefónica e na distribuição. Verdadeiramente muito bom e extremamente útil para quem precisa deste apoio.
Então, perguntarás tu, amiga Berta, de que me queixo eu afinal? Queixo-me da frieza institucional e da ausência de uma relação de proximidade, solidariedade ou até carinho com que o Presidente da Junta se deveria dirigir aos seus munícipes, numa esperada mensagem menos informal e mais emotiva de quem está ao nosso lado, bem no meio da página principal da Junta na internet.
Pode ser que a culpa, desta falta que sinto ali, seja do nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que nos habituou a essa partilha continuada e cuidada de conselhos, apoios e preocupação com todos nós, cidadãos de Portugal. Mesmo assim, acho que os bons exemplos são para se seguirem, principalmente quando estamos a falar de quem está mais próximo de nós ou deveria estar.
Eu sei que o nosso bonacheirão Presidente de Junta, Pedro Cegonho, é um homem ocupado, seja nos meandros do PS, seja no seu lugar de Deputado da Assembleia da República, seja como Presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, seja a preparar o filho do Primeiro-Ministro para o suceder na mesma no próximo mandato autárquico, enquanto ele se prepara para outros voos, mas, que diabo, uma carta solidária e agradável aos munícipes, assinada por si, só lhe requer o tempo para a ler e assinar, nem tem de a escrever, ora bolas.
Esta é, de longe, a maior queixa sobre a forma como a minha Junta de Freguesia se tem portado nestes tempos de pandemia. Porém, há uma outra que assinalo com desagrado. Sendo nós todos, os residentes do Bairro de Campo de Ourique, os seus quase 30 mil habitantes, gente preocupada com o presente vírus, faria algum mal a Junta manter um aviso diário de como a pandemia se está a comportar no bairro? Quantos casos temos? Quantos estão internados? Quantos recuperaram? Quantos residentes já perdemos nesta batalha? Custava muito? Não, não custava e demonstrava, mais uma vez, preocupação e carinho por todos nós.
Afinal, Campo de Ourique não é uma Junta de Freguesia qualquer. Tem, por exemplo, o dobro dos habitantes do Concelho de Valença do Minho, com uma área geográfica 71 vezes menor, enquanto possui, por outro lado, a maior concentração de seres humanos da Capital, num espaço circunstancialmente curto e muito limitado. Se Valença, como exemplo escolhido, tem direito a saber como está a sua população relativamente à doença, por que razão não o sabemos nós?
Mesmo não tendo a DGS optado pela divulgação transparente e universal dos casos de Covid-19 em cada Junta de Freguesia, dados que possui desde a primeira hora, pelo menos as grandes Juntas deveriam substituir-se nesse papel à Direção Geral de Saúde e informar a população sobre a atualidade da sua situação face à pandemia.
Em resumo, querida amiga, da minha Junta de Freguesia apenas me posso queixar da pobreza de proximidade da “homepage” oficial da mesma, onde informação, carinho, solidariedade e ombro amigo pouco significado têm face ao flagelo que a todos atinge, sem escolha de idade, sexo, raça ou credo e, infelizmente, fico triste, muito triste. Por hoje é tudo, despeço-me com o tradicional beijo, este sempre teu amigo,
Gil Saraiva